O Santa Maria estava a chegar a Alcântara. Na amurada do navio, destacava-se do mar de gente que se preparava para o desembarque, um homem alto, bem vestido, aparentando uns cinquenta anos, que olhava a cidade com um ar cansado.
Lisboa, a bela cidade, que deixara há quase três décadas quando
partira para o Brasil em busca de fortuna. Quantas asneiras se fazem na
juventude quando a ambição nos domina! O Chico era muito jovem quando perdera
os pais. Os primeiros anos vivera com um tio sapateiro, com quem aprendera o
ofício. Quando o tio morrera, o Chico ficara com a pequena oficina onde
confeccionava ou arranjava o calçado. Foi nessa altura que conheceu a
Esperança. Era a moça mais bonita do bairro. Tinha uns grandes olhos castanhos
docemente amendoados. Conheceram-se e amaram-se no mesmo instante. O Chico era
um belo rapaz, com um ar altaneiro, que fascinava as moças casadoiras e as
deixava suspirando pelos cantos. Mas ele só tinha olhos para a sua Esperança.
Durante dois anos, trocaram juras de amor, sonhando com um futuro a dois
muito feliz.
Mas o negócio não corria bem ao Chico, cada vez mais os fregueses optavam
por comprar sapatos feitos, em vez de os mandarem fazer, e ele ouvira falar do
Brasil e das muitas oportunidades de conseguir fortuna lá. E um dia decidiu-se.
Vendeu a oficina e comprou a passagem. Com tudo decidido, procurou a namorada e
falou-lhe da viagem, dos seus sonhos de riqueza, da separação que teriam de
viver em prol de um futuro melhor.
Ela chorou. Com intensidade, como fazem as mulheres que amam de verdade.
Tentando consolá-la ele dizia que seria por pouco tempo. Logo que estivesse a
trabalhar, arranjava casa e casavam por procuração. Depois, ela embarcava e ia
ter com ele ao Brasil.
Chorosa, ela abanava a cabeça incrédula. Ele afirmava convicto:
- É verdade! Eu já vi isso num filme.
Antes da partida, Esperança quis dar-lhe as duas únicas coisas que tinha de
valor. Uma medalhinha em ouro que a mãe lhe dera dias antes de morrer, dizendo
que era para lhe dar sorte, e a sua virgindade.
Ele aceitou emocionado e partiu chamando-lhe “a minha mulherzinha”. Ela
ficou no cais sonhando com o dia em que fosse ela a embarcar para ir viver com
o seu homem.
No Brasil, o Chico fora bafejado pela sorte. Conheceu um conterrâneo que já
tinha “feito a vida” e que queria regressar. Simpatizou com ele e deixou-lhe um
pequeno restaurante para que o Chico começasse a vida. Ele nem queria acreditar
mas o homem dissera que como não tinha filhos podia ajudar o filho de um homem
que muitos anos atrás fora seu companheiro de brincadeiras. Ele tinha mais do
que precisaria para regressar e viver bem até ao fim dos seus dias.
Quando a vida começa a ser muito fácil, um homem perde-se. O Chico tinha
condições agora para chamar a mulher que ,lá longe, só sonhava com esse dia.
Mas não o fez. Quis mais. “Quando eu for rico, chamá-la-ei e dar-lhe-ei uma
vida de rainha”- pensava.
Trabalhou dia e noite, rodeou-se de alguns bons colaboradores e, em pouco
tempo, o restaurante foi ampliado. Mais tarde comprou outro e depois outro.
Então decidiu aventurar-se noutros negócios e fez sociedade com um
fazendeiro que possuía também uma fábrica de queijos.
O sócio, um viúvo idoso, só tinha uma filha, demasiado mimada, e muito
dinheiro. Laura, a filha do sócio, tentava seduzi-lo e em pouco tempo o Chico
tinha decidido casar com ela.