Seguidores

27.5.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXXIV

. A vida continuava imparável lá fora. O novo ano começa com o Sudão a separar-se do Egipto, iniciando uma ânsia de libertação e independência que irá fazer desaparecer a África até aí conhecida e fazer cair os grandes impérios como Portugal. Ainda em Janeiro antes mesmo de ser empossado como presidente do Brasil, Juscelino Kubitshek visita Portugal. Nessa altura já o Manuel andava às voltas com o seu fato e máscara de “careto” com que pretendia brincar no Carnaval. Ele sempre fora um homem alegre, brincalhão e a época carnavalesca permitia-lhe extravasar essa alegria. Sempre fazia máscaras estranhas, deuses ou demónios de um qualquer mundo imaginário, muito parecidas com as máscaras tribais que hoje vemos na televisão.  A morte da mãe, e os problemas de saúde da esposa, levaram-no a interromper essa prática retomada em 56.
Duas semanas depois da tomada de posse JK enfrenta a revolta de Jacarecanga. Acalmados mas não vencidos, os focos de descontentamento entre os militares, iriam persistir e criar novas revoltas.
Dias depois do Carnaval a Inglaterra decreta a abolição da pena de morte.
Na Seca do Bacalhau a vida decorria como sempre. A safra chegava ao fim e parte do pessoal do norte até já tinha regressado às suas aldeias. Os navios já iam a caminho da Gronelândia, quando se dá um acontecimento que iria despoletar toda uma luta de independência nas colónias Africanas. A 2 de Março a França concede a independência de Marrocos e dias depois concede à Tunísia o direito a retomar a sua condição de país independente. África inicia um novo rumo. A marcha para a Liberdade.
Em Abril, Nikita Khrushchev visita a Inglaterra. Anos mais tarde, o dirigente soviético escreveria nas suas memórias, que a rainha britânica “ era o género de rapariga que qualquer rapaz gostaria de encontrar a passear na Rua Gorky, num fim de tarde de Verão”
O IV congresso da União Nacional acontece no final de Maio, e a 10 de Junho é inaugurado em Lisboa o estádio José Alvalade. No barracão o Manuel dava voltas à cabeça para fazer com que o seu magro ordenado desse para as despesas. Antes de ir para o trabalho já deixava metade da horta regada, depois no fim do dia regava a outra metade. Ele sabia que as crianças gostavam das cenouras, tomates e feijão verde crus. Sabia que se tivessem fome e não tivessem pão, teriam sempre um legume à mão. Às vezes uma cebola com sal e vinagre servia de lanche. Por vezes conseguia uns chicharros baratos. Quando “o cerco” era farto, os pescadores davam ou vendiam barato. Nessa altura Manuel escalava-os como se fossem bacalhaus, salgava-os e depois pendurava-os num arame ao ar livre para secarem. Mais tarde coziam-se com batatas e oregãos, e comiam-se temperados com azeite vinagre e alho,  exactamente como se faz com o bacalhau. A carne é que era pior. Ele comprara dois leitõezinhos no mercado de Azeitão. Um morrera pouco depois de ser capado, o outro estava crescido. Mas ainda longe da época da matança. E depois teria que vender uma boa parte das carnes para ter dinheiro para algumas coisas que os miúdos precisavam.




Desejo-vos uma boa semana. Esta história volta dia 30

18 comentários:

Andre Mansim disse...

Hehehehehehe Elvira, que legal essa história do Manoel e do resto do mundo viu... Cada vez eu acho mais interessante. Parabens!

Evanir disse...

Hoje estou passando no seu blog
para agradecer o carinho deixado no meu blog.
Estou feliz em saber o quanto posso contar com sua amizade
o quanto é maravilhoso uma amizade verdadeira .
Minha luta não foi em vão e muitos menos em vão
foi acreditar que ainda existe pessoas de coração puro e abençoado por Deus.
Meu eterno agradecimento por estar do meu lado sempre
mesmo por vezes eu estar um pouco ausente você nunca esquece de mim.
Um Domingo feliz para você e sua familia.
Beijos no seu coração.
Com carinho,,Evanir.

AC disse...

Que tempos, Elvira!
(É bom que estas coisas sejam recordadas. Povo sem memórias não tem futuro)

Beijo :)

Luis Eme disse...

quanta cultura geral!

abraço Elvira

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

Difícil será imaginar a quem é mais novo como em tempos não muito recuados a vida pudesse ser tão dura e difícil. E como as pessoas tinham então que ser lutadoras, vivendo com tão pouco, sem ajudas de quase ninguém...

O relato prende,e é um prazer seguir o percurso de vida do Manel, para além de (re)- lembrar os outros factos.

Abraço amigo
Vitor

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Mais uma formidável aula de História, meio à história incomum de Manuel e sua família.

Cada vez mais interessante...Eu volto!
Um abraço, Elvira,
da Lúcia

Anónimo disse...

Talvez eu venha a ser criticado por pensar o que penso, mas para mim a descolonização foi péssima para Portugal e principalmente para as ex-colónias. Libertação?? Pelos vistos, e não sou só eu que o digo, as ex-colónias agora estão bem piores do que nos tempos em que eram governadas por Portugal. Ainda não há muitos anos atrás Moçambique era um dos países mais pobres do mundo e antes do 25 de Abril de 1974 era uma das maiores potências africanas a par de Angola e imediatamente atrás da potência África do Sul, onde, curiosamente, vigora o Apartheid, a melhor altura da história sul-africana...
O 25 de Abril foi uma data fatídica para todo o império português. Na semana que acabou houve uma manifestação comuna em Lisboa ainda (e sempre) a propósito da troika e da condição precária dos trabalhadores e também dos desempregados... então não é que entrevistaram um senhor já de idade que, revoltado, disse que tinha lutado para tornar possível a revolução abrilesca e que agora vê que as coisas ainda estão piores que dantes? Irónico, no mínimo. Eu, no conforto do meu sofá, soltei logo a seguinte frase: "É bem feita"...

Severa Cabral(escritora) disse...

Vim dá meu beijo de boa noite e convidar-te a visitar o blog do nosso amigo Daniel que deixou um poema a mim dedicado.Será que podes conferir se combina com o meu ser ,kkkkkkkk
bjsssssssssssssssssssssss

http://sonhoemopoesia.blogspot.com.br/

Zé Povinho disse...

Descrever a vida na 1ª metade do século passado em Portugal é importante para quem não viveu aqueles anos em que a pobreza era real e em que a vida era era uma luta constante.
Abraço do Zé

O Profeta disse...

Já esqueci, todas as palavras que queria ouvir
Todo os sentires por sentir
Já não sou protagonista de uma comédia de enganos
Sou apenas demiurgo de uma perversa cena de uma chegada sem partir

Sou uvas amargas do mês de Abril
Vinho de travo verde ao beber
Semente atirada ao meio das pedras
Olhos na bruma na inquietação do ver

Uma imensa e incontida força neste peito
Na alma uma cicatriz, qual estigma
Serei apenas um barco de papel à deriva!?
Ou como já alguém disse, um…Enigma…

Doce beijo

Teté disse...

Houve tempos em que a vida era uma luta diária pela sobrevivência. O meu pai em miúdo (e durante a II Guerra Mundial) comia pão com cebola ao lanche. Era o que havia... Temo é que algumas destas dificuldades voltem a acentuar-se entre os portugueses.

Beijocas!

http://odeclinardosonhos.blogspot.com disse...

Um mergulho no tempo, um avivar de memórias...
Como sempre não perco "pitada"!!
Beijo

Maria disse...

Querida Elvirinha:
E aqui continua a vida do Manuel, que não perdia o espírito alegre e a força para lutar. Era um herói.
E continua a vida do mundo em que vivemos.
Agora, só volto a ler na 2ª feira.
Esta 5ª vou até ao Algarve.
Beijinhos, minha sábia Elvirinha
Maria

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida

É bom não esquecer uma realidade que existiu para tanta gente.
Continuo a ler esta história com muito interesse.
Deixo um beijinho com carinho
Sonhadora

MARILENE disse...

Felizmente, a horta o ajudava a alimentar a família. Em tempos de crise, a carne é difícil de se conseguir. Para ele, então, nessa luta, o leitão seria quase um luxo, se consumido apenas em sua casa.
Mais um capítulo com as ocorrências mundiais, muito bem delineadas.
Bjs.

lis disse...

Bom muito bom Elvira
e recordar a história de modo simples assim na sua maneira de escrever é sempre prazeroso.Juntando os dois mundos bem reais, do Manuel e dos acontecimentos daquele momento.
Única Elvira, admirável.
abraços e um boa noite

BlueShell disse...

Maravilha....as coisas que a gente aqui reaprende!
Tive de vir abaixo para retomar "o fio à meada"!
Bj

Olinda Melo disse...

Boa noite Elvira

É impressionante a energia de Manuel e a sua faina, procurando prover a tudo, sempre na mira de encontrar soluções para que a família tenha o seu sustento.

Entretanto, surge o prelúdio das independências das antigas colónias, dando a França o exemplo. A 2ª Guerra Mundial foi um dos fios condutores da alteração de mentalidades levando aos movimentos de libertação.

Agora vou passar ao outro post... :)

Bj

Olinda