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E o ano termina com mais uma vaga de contestações ao regime. O funeral de Abel Salazar foi disso exemplo, bem como as greves que afectam as cidades piscatórias.
O Ano Novo trás dois novos acontecimentos à vida do Manuel. O seu amigo e cunhado Varandas casa-se, e vai viver para a Quinta das Canas, vizinha da Seca da Azinheira, e Manuel descobre que vai ser pai.
Começa então a pensar que uma vez que a mulher está grávida, não irá para a aldeia para a casa da Piedade, como tinham pensado logo que termine a safra do bacalhau. Ele quer que ela fique junto de si, mas de Março a Setembro a Seca, não tem trabalho a não ser para os que trabalham na manutenção. Logo a mulher não poderá ficar na malta das mulheres, e o que ele ganha, não dá para alugar uma casa.
E enquanto Manuel faz contas à vida, os operários da construção naval de Lisboa, entram em greve, e o governo simula uma remodelação na tentativa de acalmar o povo.
Em Março começa o julgamento dos implicados na revolta da Mealhada, e chega ao fim a safra do Bacalhau.
O nosso Manuel foi falar com o Capitão Aníbal Ramalheira, na altura o gerente da Seca, para tentar resolver o seu problema. Como ele trabalhava o ano inteiro e a mulher estava grávida, ele queria uma casa para viver com ela. O pior é que as casas estavam todas habitadas. Só estava vaga a barraca do Pinheiro Manso.
Ele e a mulher não se importavam de ir viver para lá se o gerente autorizasse. E ele autorizou.
No fim de Março, eles mudaram-se para essa "casa". Era uma barraca de madeira, com uma cozinha, e dois quartos. Não tinha eletricidade, não tinha água, mas tinha o telhado forrado, o que a tornava mais confortável no Inverno. Como estava situada debaixo de um enorme pinheiro manso, também ficava abrigada do calor no Verão.
Manuel era um homem muito habilidoso. Com uma fita métrica, um martelo, escopro e plaina, cola ( que ele fazia com uma mistura de farinha de trigo e clara de ovo), pregos e madeira, ele era capaz de fazer maravilhas. Mas onde arranjar a madeira?
Todos os anos, quando os navios chegavam, os "doris" (na seca chamavamos-lhes botes) eram trazidos para terra, para que fossem reparados. Eram trocadas as tábuas que estavam em mau estado, substituídas por novas, e calafetados, para que não apresentassem perigo quando voltassem ao mar. Á porta da oficina amontoavam-se as tábuas velhas, e pequenos pedaços de novas. Manuel conseguiu autorização para utilizar essas tábuas, e com elas fez um armário guarda-fatos, uma arca para guardar as roupas, o berço para o filho e uma mesa. No ferro velho comprou uma cama e duas cadeiras de ferro, que pintou de azul, a sua cor preferida, e o resultado foi a casita “mobilada” para onde se mudou três dias antes da Abrilada, um movimento revolucionário comandado pelo almirante Cabeçadas, chefe da Junta de Libertação Nacional, que visava destituir o governo. A revolta foi duramente reprimida por Santos Costa, e acabou com vários oficiais presos.
Dias depois 20 000 operários dos estaleiros fazem a greve de braços caídos, que resulta na deportação de 29 grevistas para o Tarrafal.
No primeiro de Maio de 47, António Sérgio profere a chamada "Alocução aos Socialistas". Pretende-se a renovação do Partido Socialista, e é apoiado por José de Sousa, antigo membro do PCP, regressado do Tarrafal, e pelos intelectuais, Adolfo Casais Monteiro, António Pedro e José Régio.
Dias mais tarde, começam em Lisboa as greves estudantis, que se prolongam pelo mês de Junho.
O nosso Manuel via a barriga da mulher crescer, e sonhava com o menino que iria nascer.
Julho e Agosto passaram a correr e chegou Setembro. O filho do Manuel chegaria no final de Setembro. Porém no início de Setembro, uma daquelas tempestades de Verão, trouxe trovoada.
Na noite do dia dois para três, a trovoada rugia estrondosa como se estivesse por cima das suas cabeças. Ele abraçava a mulher que tremia de medo, e tentava esconder dela o seu próprio pavor, quando um enorme relâmpago fez da noite, dia, e o trovão os ensurdeceu. A mulher transida de medo sentia a criança “aos saltos” e ambos sentiram o cheiro a queimado. Pouco depois a trovoada afastou-se mas eles não mais dormiram. A mulher começou com contracções antes de tempo. Talvez por causa do medo, o certo é que a criança se aprestava para vir ao mundo. Quando pelas sete da manhã, Manuel abriu a porta da “casa” encontrou na sua frente, metade do pinheiro caído, cortado de alto a baixo pelo raio que o ferira. Tremendo, a pensar no perigo que correram, ele chamou a mulher. Ela no entanto não se levantou e apenas lhe pediu que fosse chamar a parteira.
Às onze horas e vinte da manhã, Manuel sofreu a sua primeira decepção depois do casamento.
O menino com que ele sonhara, não existia. O filho era afinal uma rapariga.
Para todos desejo uma boa semana, e nós voltamos dia 29
Para todos desejo uma boa semana, e nós voltamos dia 29
19 comentários:
Estava pensando na felicidade construída por Manuel no barraco de Pinheiro Manso, a transformando em lar e agora essa!! Bem certo e torcendo para que a filha de Manuel lhe traga muita felicidade!! Boa semana! Beijus,
Cá vamos conhecendo histórias dentra da História.
Boa semana, linda
Olá, Elvira!
Já tive que voltar atrás para não perder o fio à meada; Manuel "marinheiro à força", para poder estar com a sua amada.
A vida dele, e agora também dela, é uma verdadeira saga - aqui descrita com mão de mestra - que leva a que cada capítulo se leia de uma enfiada.
E esta menina que vem no lugar do desejado menino, parece trazer água no bico desta história ...
Será que se chama ela Elvira...?
Abraço amigo; boa semana.
Vitor
Elvira, que relato!
(Aposto que a decepção em ter uma rapariga se vai transformar em orgulho)
Beijo :)
Esta historia é toda ela, um hino ao amor, à luta pela vida. É contada com a ternura de uma mulher que a viveu passo a passo.
A seguir decerto virá, as ternuras à bebé, os bibes da escola e o orgulho dos pais pela menina.
As corridas pela seca e já agora atrevo-me. à bacalhaus daqueles tempos... O Capitão Picado deu-me um, agradeci-lhe muito, mas no outro dia, reconhecido meu pai obrigou-me a levar-lhe um garrafão de 5 litros de uma pomada tinta.
trouxe uma línguas, que saudades Elvira, que saudades.
abraço, minha amiga
Elvira, um beijo no seu coração! Que maravilhosa e gostosa viagem posso fazer, através da inteligente leitura dessa serie de relatos que por aqui você faz. Maravilhoso! Um grande abraço.
Este conto relata o que no passado aconteceu.
São verdades horrorosas, do passado, para que não se regresse a esse tempo é necessário lutar contra certas medidas deste governo, que tenta tudo por tudo para nos conduzir à miséria, fazer calar a nossa voz. Quando pedirmos pão porque temos fome somes presos, torturados e encarcerados em prisões como era o Tarrafal?
Todo o cuidado pode ser pouco, não nos podemos deixar adormecer!
É preciso lutar se não queremos perder os nossos direitos.
Desejo para você, um bom dia de segunda-feira.
Um abraço,
Eduardo.
E cá estarei para ver a continuação da história, Elvira. Era muito normal que os homens quisessem um primeiro filho homem. O meu pai ficou tão contente que até o nome quis que fosse igualzinho, já deu muitos problemas esse facto. Vida muito dura era a daqueles tempos, por isso não gosto de ouvir dizer que agora as coisas estão más; não estão boas, mas só quem viveu naquelas épocas é que sabe o que é vida difícil, a minha já não foi muito má, mas vi a dos meus pais e muitas outras ainda piores. Muito obrigada, Elvira pela partilha de factos tão interessantes e cá fico à espera do desenvolvimento. Um beijinho e espero que tenha uma boa semana
Emília
Uma narração empolgante, mas das muitas que se podemos ouvir pelo nosso Portugal fora. Esta, particularmente, maravilhosamente, bem contada. Dessas que engancham, que nos mantém tensos.
Uma rapariga, que linda menina teve que ser! Muitas vezes a natureza reconhece como tem que proceder e o pinheiro caiu bem, mesmo com o grande susto.
Esta vida de amor merece um lindo fim, uma entrega na luta por uma vida que se apresenta sinceramente dura, muito difícil!
Quanto ao do Palácio de Cristal, o meu reconhecido muito obrigado, ante palavras assim não posso proceder de outro modo.
Como já mencionei noutro comentário, houve grande oposição do povo, que nada conseguiu.
Não existe espaço, nesse sitio! Conheces o Porto? Como podes comprovar, com alguma das fotografias, o Palácio está num ponto alto, daí até ao rio é um terreno inclinado e frequentemente irregular. O que podiam ter feito era levar o Palácio de desportos pata potro sitio.
Não, e felizmente continuou-se a chamar assim, talvez para guardar na memória tão grande obra. Este também é um Palácio, com uma estrutura muito diferente mas também de grande beleza estética. Mas um edifício do século XIX não merecia esse desenlace.
De algum modo o povo calou-se, pois Portugal ficou campeão do Mundo de hóquei em patins esse ano nesse edifício novo.
Abraços de vida e o meu reconhecimento
Que história linda e tão bem narrada por você, Elvira!
É Muito interessante a saga de Manuel e sua mulher, agora a espera da sua filhinha que certamente será muito querida!
Um grande abraço de boa noite e obrigada pela visita!
Mariangela
Hola Elvira:
Sigo aprendiendo o recordando la historia de tu país.
Gracias.
é sempre bom passar por aqui
viajar consigo
a memória do tempo
Elvira
LI, enlevada, a história do Manuel e da sua capacidade de transformar o nada em tudo. Só me decepcionei com a decepção dele... Ninguém é perfeito!
Beijos
Continuando a leitura e até dia 29 :)
Jinhos
Que capítulo lindo, apesar dos sustos. Ver um homem tão tenaz, montar o seu primeiro "lar" quase do nada!
Quanto à decepção, o ultra-som, veio acabar com ela. Mas já não tem tanta "graça", como outrora...
Aqui estarei, elvira querida, para seguir essa formidável narrativa do real.
Um abraço,
da Lúcia
A vida continua e a política de Salazar vai marcando passos aqui e alem deportando e prendendo aqueles que desafiam a sua autoridade.
A pobreza do Manuel e a vida dura que o segue não é fácil, mas a sua força de vontade não lhe roubará os sonhos.
Não nasceu um menino mas uma menina linda por quem ele se apaixonou desde a primeira hora.
E continua a luta pela vida do Manuel que lá tem um rebento, que não foi o esperado varão, mas sim uma rapariga.
Abraço do Zé
Uma menina também é bom... mas todos querem um rapaz como primeiro filho...
Estou admirado como é que tu sabes o que é calafetar a madeira dos barcos para não entrar água... quem fazia isso eram os calafates...
Continuo a ler-te maravilhado.
Beijos, querida amiga.
Nilson
A "nova" casa, com o pinheiro que abrigava do calor do verão... a tempestade que o destruiu...o parto e a deceção...
A gente embrenha-se e "vive" com as personagens seus dilemas, suas lutas...
Bj
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