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4.3.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XVI



Foto de Eduardo Martins


Nos primeiros dias de Janeiro, Piedade regressa à terra. Na bagagem levava a lembrança da cidade grande, e do imenso mar, que a rodeava.
Os russos lançam uma ofensiva sobre os alemães em Estalinegrado. O exército alemão, mal preparado para o intenso frio do Inverno russo, cedo claudicou, e a Rússia, retoma a cidade, fazendo 90 mil prisioneiros. Dias mais tarde, é a vez de Rostov. No México, Acapulco é devastada por um terramoto.
A safra do bacalhau termina a 23 de Fevereiro, e o pessoal volta à terra, nesse ano com menos dinheiro, que o Inverno foi chuvoso, e quando chovia, não se trabalhava.  Naquele tempo as estufas ou seca artificial, ainda não funcionavam, e se chovia não se podia estender o bacalhau na rua. Então o pessoal ficava nas maltas sem trabalhar e sem ganhar, mas como é evidente tinham que comer, e lá se iam as migalhas amealhadas. Quando os navios vinham carregados, o trabalho estendia-se por todo o mês de Março e às vezes princípio de Abril. Nessa altura, quando o tempo ia bom, eles faziam serão de manhã e à noite. Começavam a estender o bacalhau na rua às 5 da manhã, para que a seca estivesse cheia ao nascer do sol. E à noite depois de recolher o bacalhau, os trabalhadores faziam serão a lavar mais bacalhau, e a salgá-lo. O bacalhau não ficava seco num dia, nem pouco mais ou menos, mas naquela altura não havia máquinas de lavar o peixe, era lavado um a um numa tina de água com uma escova. Eram tinas compridas meias de água onde se punha o bacalhau tal como era retirado dos navios. De cada lado da tina 6 mulheres munidas de uma escova. Curvavam-se apanhavam o bacalhau pelo rabo e com a escova lavavam-no de ambos os lados enquanto entoavam canções que tornavam as horas mais curtas e o trabalho menos penoso. O bacalhau lavado era depois salgado em grandes pilhas, e assim ficava alguns dias como que fazendo uma cura. Depois desses dias era banhado noutras tinas de água, um banho rápido que consistia em agarrar uns quantos bacalhaus pelo rabo, mergulhá-los rapidamente na água para retirar o excesso de sal e só depois era transportado em carros de mão para as longas mesas de arame para ser estendido.
Quando assim era, trabalhavam desde as 5 da Manhã, até às 10h da noite. E era quando conseguiam ganhar mais qualquer coisa, já que os serões eram um pouco melhor pagos, que os dias. Mas naquele ano, por causa da guerra, e dos submarinos alemães, os navios tinham trazido pouco peixe e o tempo sem trabalharem devido ao mau tempo, fez com que ao acabar a safra, quase não tivessem dinheiro para o comboio de regresso. E o nosso Manuel lá foi de novo para a terra, trabalhar para o Sr. Américo até Setembro.
Em Julho desse ano, os exércitos aliados desembarcam na Sicília, bombardeiam Roma, e Mussolini é destituído.
Simultaneamente em Portugal a degradação das condições de vida, levaram à greve os operários nos dias 28 e 29 desse mesmo mês, um pouco por todo o país mas com especial incidência, nos trabalhadores da CUF. Greve reprimida com violência pela polícia, incidindo inclusive sobre as mulheres e filhos dos trabalhadores.
Em Agosto bombardeiros norte-americanos atacam instalações em Schweinfurt, na Alemanha.
Mussolini é libertado pelos pára-quedistas SS alemães, e proclama a República Social Italiana no norte de Itália.
A 20 de Outubro, a Gestapo prende aquela que ficou conhecida como “o anjo do Gueto de Varsóvia”. Irena Sendler, a mulher que salvou a vida a mais de 2.500 crianças judias.
E o ano vai terminar com um atentado contra Adolf Hitler, no dia a seguinte ao Natal.


Próxima publicação dia 7


TENHAM UM BOM DOMINGO

15 comentários:

Zé do Cão disse...

Este conto é um hino ao viver em Portugal , no inicio dos anos 40.
Cada letra, cada sílaba, é pingos de sangue derramado pelos honestos trabalhadores daquele tempo.
E quem viveu aquela época e as agruras daquele peso, sabe contar melhor do que ninguém...

Abraço, minha amiga

Leninha Brandão disse...

Amiga Elvira,

Tua história reflete uma era de muita dor e muitas privações...e enquanto os homens amarem as batalhas ainda teremos a guerra a dizimar inocentes em vários cantos da terra.
Só mudam os nomes.
Bjsssss,
Leninha

Unknown disse...

A vida está difícil com o desemprego e a vida era difícil naquele tempo.
Tantas Maria e tantos Manueis que sofreram as "passas do Algarve".

A guerra e a repressão, a fome e a luta pela sobrevivência foram uma característica desses tempos.

A história afinal repete-se e hoje vemos a guerra em tantos países e a fome anda por aí nos rostos envergonhados e famintos.

Olinda Melo disse...

A Alemanha começa a perder a guerra quando decide invadir a Rússia...Bendito Inverno.

Por cá, as condições de vida não são as melhores e vê-se pela narrativa quão difícil era a preparação do bacalhau que depois seria vendido e consumido sem que as pessoas sonhassem sequer do sacrifício envolvido nesse trabalho. O progresso, a maquinaria, coisa boa...pelo menos o factor clima já é irrelevante.

Elvira, estou a aprender imenso com essa sua história, parte integrante da própria História.

Bom domingo.

Beijos

Olinda

Mariazita disse...

Mais um trecho da História da humanidade, tão difícil para os menos desfavorecidos que sofreram na pela as agruras da vida.
Foram tempos muito difíceis, em todos os aspectos.
Esperemos que ao Homem tenha ficado algo que o leve a evitar situação semelhante.

Bom domingo. Um abraço

AC disse...

Elvira,
O enquadramento que faz à história do Manuel é notável. Deve ter feito muita pesquisa, gasto muito tempo a alinhar os acontecimentos, que estas coisas dão muito trabalho.
Os meus parabéns!

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Impressiona-me a riqueza de fatos da História, enriquecendo a sua formidável narrativa.
Dada a minha lentidão, nas demoras em visitar as páginas dos que me visitam,(ou não, que visito por gostar), hoje li as duas postagens. Sou dos que acreditam que o "caso das botas" é verdadeiro...como tudo que você, tão esplendidamente, compartilha, Elvira.
Tenho aprendido deveras, aqui!

Quanto à sua observação, lá na Cadeirinha, devo dizer-lhe que Manuel de Oliveira Paiva não é tão divulgado no Brasil. Sua obra foi publicada tardiamente: só 60 anos após a sua morte. Tem acontecido assim, com muitos autores, o que é lamentável.

Estarei de volta, para a próxima aula de boa história, dentro História.

um abraço,
da Lúcia

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida

realmente uma história de vida que infelizmente contém uma verdade muito dura, mas verdadeira.

Beijinho com carinho
Sonhadora

lis disse...

oi Elvira
Excelente sua forma de desenvolver a história sem perder o estilo.
Obrigada pela partilha primorosa.
uma semana de paz .
e abraços

manuela barroso disse...

Sabe, Elvira, a par do excelente trabalho de pesquisa histórica, gostei do encaixe da história do nosso fiel amigo.
Fiel, mas comquantas dores!
Obrigada.Não conhecia os pormenores assim.
Grande abraço

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

A foto do bacalhau na seca trouxe-me à memória a minha terra - a Figueira, onde durante muitos anos houve uma frota pesqueira do bacalhau.E ainda a lembrança de que a minha mãe também lá andou a preparar e estender esse peixe. Que na altura, dizia-se ser a comida dos pobres: "para quem é, bacalhau basta", era expressão então muito em voga.Como os tempos mudam...!
E cá vamos seguindo o Manuel, que lindamente nos vai conduzindo por esta resenha histórica.

Beijinhos, e até ao próximo.

Vitor

Zé Povinho disse...

Fiquei com uma ideia sobre a seca do bacalhau...
Abraço do Zé

Emília Pinto disse...

Muito interessante, Elvira, não só os problemas da guerra, mas especialmente a descrição da maneira como se preparava o bacalhau. Não imaginava que desse tanto trabalho duma dureza impressionante. Como diz o nosso amigo, Luis, a vida é mesmo uma roda que vai girando e os acontecimentos giram com ela. Estamos de novo com guerras e atrocidades um pouco por cada canto e os empregos desaparecem a cada dia; mesmo assim, acho que, nesse aspecto estamos melhor do que nessas alturas; tudo era mais duro e a repressão era terrível. obrigada por mais esta aula de história. Um beijinho, amiga e fica bem.
Emília

Mar Arável disse...

Quando escreve safra

também recordo o sal

e os marnotos

Excelente

Luma Rosa disse...

Elvira, você é uma memória viva!! Como consegue se lembrar de tanta coisa?
Que trabalheira era a seca do bacalhau! Ou ainda fazem do mesmo modo?
Boa semana! Beijus,