O ano de 47 chega ao fim, com o "Zé Varandas" a ser pai. Era também uma menina. E começava um estranho desafio com o amigo e cunhado Manuel. Ver quem teria primeiro o filho homem que ambos sonhavam.
O novo ano começa com a prisão da Comissão Central do MUD.
A nível internacional, Janeiro termina com o assassinato do apóstolo da não violência, Mahatma
Gandi.
Em Fevereiro, o Capitão e gerente da Seca, chamou o Manuel, e disse-lhe que precisava daquela barraca para a nova porteira. Mas atendendo a que ele tinha sido pai há pouco, se ele quisesse ir viver para o barracão junto ao rio, já lá viviam três casais, mas o barracão era grande, e tinha quatro quartos pelo que um estava livre, ele podia mudar-se para lá. Mais tarde se veria. Claro que Manuel aceitou. Não tinha dinheiro para outra opção.
O casarão, como ele lhe chamava, era um enorme barracão assente em pilares de cimento, com 1m de altura, para que a água passasse por baixo nas tempestades de Inverno, ou nas marés vivas de Agosto, pois ficava bem na margem do rio Coina. Tinha quatro quartos, com portas e chave, e um salão de 11 m de comprimento por 4 m de largura. Contrariamente aos quartos, este salão não tinha nenhum forro por baixo do telhado, pelo que não raras vezes pingava lá dentro quando chovia. A meio do salão uma grande mesa comprida, e de cada lado um banco corrido de madeira. A mesa era utilizada pelos quatro casais. A um canto do salão,uma "almofada" de cimento sobre a qual assentavam dois tijolos, com uma grelha de ferro em cima, que servia de fogão. A luz era fornecida pelos candeeiros a petróleo, e a água as mulheres iam buscá-la ao chafariz da Telha, em bilhas de barro, que transportavam à cabeça sobre uma rodilha de pano a que chamavam "sogra".
Entre o barracão e o chafariz uns quinhentos metros bem medidos. Os casais davam-se bem, eram colegas e amigos, gente da mesma terra em busca de trabalho e uma vida melhor.
Entre o barracão e o chafariz uns quinhentos metros bem medidos. Os casais davam-se bem, eram colegas e amigos, gente da mesma terra em busca de trabalho e uma vida melhor.
A primeira obra do Manuel no casarão, foi a construção de um forno, junto ao fogão, para as mulheres poderem cozer pão.
Se por um lado não havia grande privacidade, cada casal partilhava o quarto com os filhos, por outro havia sempre uma mulher disponível para cuidar dos miúdos, dois rapazes do Aires, um casal do António, mais um rapaz do Carlos, e a menina do Manuel.
Fora deste pequeno mundo do Manuel, o outro lá fora continuava a girar.
Enquanto o governo de Salazar assinava um acordo com os americanos para a cedência da base das Lajes, a justiça chilena, ordenava a prisão de Pablo Neruda, Luther King é ordenado e indicado como pastor auxiliar na Igreja Batista de Atlanta, e a mulher do Manuel descobre que as poucas roupas que tinham comprado de enxoval antes do casamento se estavam a estragar todas, devido ao salitre entranhado nas tábuas com que o marido fizera a mobília.
Em Março o MUD é ilegalizado, e alguns dos seus destacados membros são presos. A safra do bacalhau chega ao fim e os bacalhoeiros partem para os mares da Gronelândia, para mais uns meses de pesca.
No mês seguinte são organizadas manifestações de apoio ao regime. Da Universidade de Coimbra vêm os professores a Lisboa homenagear Salazar que festeja vinte anos de poder.
Passado o desencanto do primeiro momento o nosso Manuel vive encantado com a sua menina, e passa todos os momentos livres ensinando-lhe gracinhas.
No aeroporto Shannon, Irlanda, despenha-se um avião americano, fazendo 50 vítimas.
O Brasil encabeça a lista de países da América do Sul e Central que conjuntamente com o México assinam a Convenção para a Concessão dos Direitos Civis à Mulher, em Maio desse ano. Nessa mesma altura decorre em Haia, o Congresso da Europa, e na Checoslováquia entra em vigor uma nova Constituição, enquanto se preparam eleições com lista única e a U.R.S.S. acusa Tito de traição. Ainda em Maio, mais precisamente no dia 14, Israel proclama a sua independência e no dia seguinte é atacado pelos estados árabes vizinhos.
O Partido nacionalista (pró-apartheid) vence as eleições na África do Sul.
Culturalmente Portugal fica mais pobre com a morte de Vianna da Motta.
No mês seguinte o funeral de Bento de Jesus Caraças transforma-se numa importante manifestação contra o governo.
O navio dinamarquês Kjoebenhavn afunda após colidir com uma mina. A bordo 140 pessoas perdem a vida.
A União Soviética impõe boicote económico à Jugoslávia.
Começa o bloqueio a Berlim.
Em Julho teem inicio as negociações para o Pacto do Atlântico. Norton de Matos anuncia a sua candidatura a Presidente da República, e lança o “Manifesto à Nação”.
O Jornal da JOC é proibido e acusado de publicar literatura Marxista, e de “Prejudicar a alma da Nação”.
Em Agosto, o Varandas veio com a novidade. A mulher estava outra vez “prenha”. Desta vez é que vinha aí um menino.
A filha do Manuel faz 1 ano, em Setembro, e é uma miúda franzina mas saudável.
“Esta sai ao pai” dizia ele com orgulho, já esquecida a desilusão do ano anterior.
Regressam os bacalhoeiros e recomeça a labuta de mais de 400 pessoas. É a altura em que regressam os que partiram para a aldeia, e se dá a festa do reencontro com os que ficaram.
É nesse mês de Setembro que o Ministro da Finanças anuncia que Portugal aceita as regras do plano Marshall.
Na Europa, a cidade de Berlim é dividida. A Alemanha encontra-se igualmente dividida dando início a um longo período de dois países de raízes comuns, mas governos opostos.
E é também nesse mês que a Gravelina descobre que está outra vez grávida.
Ao Manuel renovam-se-lhe as esperanças do filho homem que tanto anseia.
E o ano termina com a aprovação pela ONU da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Bom fim de semana. E vou, mas volto dia dia 2 com mais um pedaço desta história.
Bom fim de semana. E vou, mas volto dia dia 2 com mais um pedaço desta história.