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20.11.14

ROSA PARTE XV




Naquela manhã do dia 25 de Abril de 74, Rosa olhava-se no espelho e não se reconhecia. Apesar de não ter ainda 50 anos, Rosa estava cada dia mais velha, a face enrugada, os cabelos embranquecidos, o corpo magro e alquebrado, resultado de ser toda a vida, saco de pancada da própria vida. Pensava que já não tinha forças para se aguentar muito mais tempo. A sua família tinha-se desagregado.
Do marido, não sabia há muito, talvez estivesse preso, ou, quem sabe, tivesse morrido em qualquer prisão. As filhas casaram e embora não vivessem longe, estavam cada dia mais desligadas da casa materna, divididas entre o trabalho, o cuidarem da casa e dos filhos.
Dos dois rapazes mais novos, um conseguiu realizar o sonho de ser fuzileiro e encontrava-se num destacamento no Lungué-Bungo, no leste de Angola, enchendo de saudade e preocupação o seu coração de mãe. O outro, que era contra a guerra, fugira de salto para a França. Restava-lhe em casa um filho, cada dia mais doente, e uma filha adolescente.
Sacudiu a cabeça, como se quisesse abandonar todos os seus pesares, e dirigiu-se a casa do Sr. Doutor, onde ultimamente trabalhava a dias, sem sequer sonhar que no seu País estalara uma revolução que ia mudar toda a sua vida. Ela não sabia, mas a sua família não era muito diferente da maioria das famílias portuguesas pois, nessa altura, o País via-se sangrado da sua juventude. Uns partiam para a guerra do Ultramar, sem  nunca saber se voltavam, ou ficavam por lá, vítimas de uma mina ou de alguma bala emboscada. Outros fugiam para não serem obrigados a partir para uma guerra que não queriam nem entendiam.
Foi com surpresa e medo que Rosa ouviu da boca da patroa, a notícia da Revolução. Medo porque a "doutora"- era assim que ela gostava de ser tratada, embora o médico fosse o marido - lhe deu a entender que a revolução era muito má para o País e para eles, patrões, que talvez não pudessem continuar a dar-lhe trabalho. Rosa ficou muito preocupada. Se ficasse sem trabalho, como ia pôr comida na mesa? Mas quando chegou a casa, o filho explicou-lhe o que significava a revolução de uma maneira diferente. Falou-lhe do fim da guerra colonial, da abertura das prisões, do fim da P.I.D.E. e do sonho dum País mais igualitário. E o seu coração sofrido encheu-se de esperança.
Dois dias mais tarde, quando Rosa chegou a casa, no fim de mais um dia de trabalho, teve uma grande surpresa ao encontrar o seu João. Muito magro, o cabelo todo branco e o ar macilento, em nada se parecia com o homem com quem casara. Apenas o brilho nos olhos encovados, lhe lembrava o João de antigamente. Apesar da alegria do reencontro, Rosa estava preocupada com a saúde do marido. E tinha razão, porque se ele recuperava aos poucos as mazelas físicas,  as psicológicas continuariam a persegui-lo durante muitos anos.
Dias depois, Rosa e João comemoravam pela primeira vez na sua vida o 1º de Maio em liberdade. E dois meses depois, podiam abraçar o filho António, que regressara da França, ao saber que o novo governo estava a negociar a independência das colonias e que, por isso, não teria que ir para a guerra.


Continua




Para os amigos que já leram o conto, inicialmente ele terminava aqui. Como porém o final não me agradava muito, pois aparecia demasiado repentino, agora ele tem mais um capitulo. O próximo será o final

22 comentários:

Unknown disse...

Bom dia
Pedaços da nossa história. Fome, miséria, guerra no Ultramar...Pide...Essa malvada que no tempo trabalhava com prémios para denunciar, prender e castigar...

chica disse...

História linda e afinal Rosa tinha um pouco mais de alegria junto ao seu marido após tantas lutas e trabalhos. Mas vamos ver o final! bjs, chica

António Querido disse...

Nesse tempo muitas mães, esposas, ou filhos sofreram, pelas longas separações, ou até perdas irreparáveis!
25 de abril, nasce novo sonho português, começam a mandar os que nunca souberam o que era guerra, trabalho, ou simplesmente amar o seu país e o seu povo e assim se foram abrindo vários buracos, que ninguém conhece o fundo, nem onde iremos parar!
Resta-nos rezar pelos nossos descendentes, para que este pesadelo acabe! Foi o que fez a Rosa durante a sua vida.

RENATA CORDEIRO disse...

Gosto muito desta história. Fico no aguardo.
Beijo e bom domingo.

Laura Santos disse...

Pobre Rosa, afinal como tantas outras Rosas neste país. Esperemos que o último capítulo seja de uma certa paz interior e de muita esperança no futuro.
Achei engraçado o pormenor da esposa do sr. dr. querer ser chamada de dra...Sempre existiu e continua a existir gente assim.
Bom domingo, Elvira!
xx

Edum@nes disse...

Vale sempre a pena lutar. Quem pouco ou quase nada tem, nada tem a perder. Porque os senhores do poder, tem de tudo, não sabem o que é sofrer. São eles os detentores da riqueza produzida por quem trabalha. Portanto, é preciso não baixar os braços e continuar a luta, para impedir que as raízes continuem de forma descontrolada a progredir no sentido inverso, aos interesses de toda a sociedade, em benefício só de alguns!
Resto bom domingo amiga Elvira, um abraço.
Eduardo.

Donetzka Cercck L. Alvarez disse...

AMEI,ELVIRA.LUTAR E SEMPRE!


Meu marido operou no dia 7/11 e se recupera .Daí estou sem tempo para o blog.

Somente dia 15/12 ele vai retirar a sonda e espero em Deus que esse pesadelo termine.

Tenho postado pouco,mas vim agradecer suas visitas .

Beijos e uma semana de alegrias

Donetzka

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AC disse...

O 25 de Abril trouxe esperança a um país amargurado, mas a amargura parece estar a regressar.
Ainda bem que nos faz reviver a esperança, Elvira.

Um beijo :)

Emília Pinto disse...

Finalmente notícias boas para a Rosa. Espero que o marido recupere e que eles possam ser felizes. Esperemos o final. Beijinhos, Elvira e...vai preparando o próximo conto, certo? Tudo de bom, amiga!
Emília

Dorli disse...

Bom dia Elvira,
Gosto de contos e à partir de amanhã, vou começar a ler do princípio dia 3/10/14.
Abç
Bárbara

Rogério G.V. Pereira disse...

É isso mesmo que se espera de um bom autor: altera o final quando o final lhe desagrada... tarefa, entretanto, dificultada: ao sonho e à esperança nada se seguiu que lhes dê a resposta requerida.

Vejamos como se safa.

Pedro Coimbra disse...

Continuarei a acompanhar estas memórias de uma passado recente.
Boa seaman

Nilson Barcelli disse...

Toda a história é muito bem contada, com a mais valia de a situares muito bem num tempo muito marcante para o país e para o povo.
Fico então à espera do último capítulo.
Tem uma boa semana, querida amiga Elvira.
Beijo.

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Que lindo conto Elvira, que bom a rosa reencontrar seu marido. Tomara que agora ela seja feliz!
Ficarei aguardando!
Beijos!
Mariangela

paideleo disse...

E así remataría ben para o meu gusto o conto.

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

Via dolorosa a percorrida por essa Rosa.Feita de preocupações e desgostos,como se na vida não houvesse um lado bom. Pelo menos para ela...

Tempos maus, que para muitos estão de volta...

Abraço e boa semana
Vitor

lis disse...

Oi Elvira
Enfim , um pouco de sossego para Rosa.
Esse foi um capítulo do reencontro, e gostei imenso.
_por mim se finalizasse aqui já estaria feliz. rs
E vivenciei a vida da Rosa num romance onde permeia as lutas diárias de uma moça pobre do interior lutando para sobreviver.
Bacana demais Elvira.Parabéns
Li tres capítulos porque me atrasei um pouco pra voltar_nem sempre conseguimos tempo suficiente _até porque queremos muitas coisas_ ora leio ora vejo filmes ora brinco nos joguinhos do facebook rsrs o tempo foge rápido e temos que ir priorizando o que nos agrada nas horas livres.Mas valeu demais!
beijinhos e boa semana

Luis Eme disse...

dores comuns a tantas famílias divididas e injustiçadas por um poder fascista...

abraço Elvira

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

estive a ler agora os dois posts que não tinha lido e achei que desde ao último capitulo, a história ou conto, foi bem conduzido e acabou bem.

beijinhos

:)

Isamar disse...

Finalmente o reencontro da família graças àqueles que nunca ousaram desistir da resistência apesar das sevícias que lhes eram infligidas. Um momento muito feliz para muitas famílias.

vendedor de ilusão disse...

Mesmo respeitando tua consideração, eu não achei nada repetitivo, pois teu Conto é simplesmente divino, magistralmente escrito.

Zilani Célia disse...

OI ELVIRA!
CONTINUO AQUI, LENDO.


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