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3.1.22

OS MAGOS QUE NÃO CHEGARAM A BELÉM - LUÍSA DACOSTA

 

Há sempre os que conseguem e os outros. Os que ficam pelo caminho. Com os magos aconteceu o mesmo. Só três – os reis Baltasar, Melchior e Gaspar – chegaram a Belém e deixaram os seus presentes, de ouro, incenso e mirra, aos pés do Menino. Mas os magos, sacerdotes que estudavam o céu e os seus astros, eram muitos. E outros se puseram a caminho, seguindo aquela estrela, súbito, nascida no firmamento e mais brilhante do que todas as outras que aqueciam a noite.

Desses, três sacerdotes da Caldeia, adoradores do sol e da natureza, porque dela se sentiam dependentes, decidiram também partir juntos para melhor enfrentarem os perigos de uma viagem, sem estrada conhecida, na esperança de alcançarem a Luz que aquele sinal anunciava. Não eram reis, nem tinham coroa, nem sequer montada de camelo ou burrinho manso. Também não levavam presentes, apenas a ansiedade dos seus corações. 

E, confiantes, abandonaram as margens verdes do Eufrates, o trilho conhecido das caravanas e, guiados pela estrela, puseram-se a seguir a liberdade dos caminhos, crentes de que a força da esperança e da fé (não conheciam ainda o Amor) lhes permitiria chegar. Onde? Não sabiam. Mas lá, junto daquela Luz que havia de transformar o mundo, de águas transparentes, fulvos desertos varridos pelo vento e frescos oásis, que reflectiam o azul entre o verde nas palmeiras, no paraíso, aonde os homens ansiavam regressar. E nessa esperança caminhavam. Não por carreiros atapetados pelo musgo dos presépios, que vieram séculos depois, e se nos tornaram familiares, na infância, com seus trilhos fáceis de serrim, lagos-espelhinhos onde nadavam patos, anacrónicas gentes quotidianas: lavadeiras, vendedoras de castanhas e galinhas, pastorzinhos de gado tresmalhado por veredas, cortadas por mudos riachos de papel prateado. 

Também não caminhavam por entre as sombras frondosas e frescas, com possibilidade de pousada em palácios e castelos, como quis a pintura e os seus mestres. Caminhavam pelo silêncio, com a sua fome e a sua sede, o calor do dia e o frio das noites, solitárias. Palmilhavam o oceano das dunas do deserto, à luz da lua, como se o fizessem pelo pó de todas as clepsidras do tempo. E nem sequer dormiam num leito, irmanados pelo mesmo lençol de pedra, como o românico fixou os outros três, mais conhecidos, com as suas coroazinhas na cabeça. Enrolavam-se apenas no sono que os descansava do cansaço dos dias e lhes dava novas forças, que refaziam com a água e as tâmaras dos oásis, o pão e os figos secos que tinham trazido.

Às vezes, quando o olho do sol se tornava ígneo ou paravam para uma refeição ou um descanso, discutiam a direcção que vinham a seguir.

— Não vos parece que a estrela aponta a Judeia? — perguntava um.

Os outros, incrédulos, pensavam secretamente se haveria alguma coisa a esperar de um povo escravizado pelos romanos e encolhiam os ombros.

— A mim parece-me antes o Egipto o rumo indicado — atrevia-se o mais novo. — E a vós?

— É ainda cedo para uma certeza, mas em breve o saberemos…

E retomavam a caminhada até pela noite dentro – a estrela sempre adiante, lanterna que os não deixaria perder. Duas noites de névoa, porém, esconderam-na aos seus olhos, ansiosos. E então, desorientados, disputaram azedamente, perdidos e sem rumo. Todavia, na terceira noite, a estrela reapareceu, mais cheia de brilhos, como se no seu bojo houvesse mil reflexos de espelho. Quem, conhecendo a Luz, deseja continuar nas trevas? Nem sentiam o cansaço, a língua encortiçada pela sede, o olhar enceguecido pelas tempestades de areia, o ventre cavado pela marcha e pelo magro alimento. A esperança, serpente de água, a esgueirar-se, fugidia, entre os juncos, tinha regressado aos seus corações.

7 comentários:

ematejoca disse...

OS MAGOS QUE NÃO CHEGARAM A BELÉM de LUÍSA DACOSTA é um dos melhores textos que li sobre esse tema bíblico.
Uma escolha cinco estrelas ⭐️ Elvira!!

Tintinaine disse...

Gostei de ler!

Fatyly disse...

Desconhecia e gostei imenso de ler. Obrigada pela partilha.
Beijos e um bom dia

Maria João Brito de Sousa disse...

Belo conto, minha amiga!

Saúde e um abraço grande!

Cidália Ferreira disse...

Soberba partilha para com os leitores! 🙏🌹
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A vida recomeça a cada oportunidade
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Beijos. Bom Ano e uma excelente semana.

" R y k @ r d o " disse...

Não li mas acredito que seja um bom livro de textos de se ler
.
Votos de um Feliz Ano de 2022
Cumprimentos
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Não conhecia esta história de Luísa Dacosta, que está a surpreender-me pela positiva.
Obrigada por partilhar.
Beijinhos,
Ailime