A noite do solstício aproximava-se e eles estavam certos de que, se aquela Luz anunciava algum acontecimento, ele teria lugar na noite sagrada, pois o sol era a alegria e o pão da terra. E, ao mesmo tempo, não podiam deixar de sentir uma certa inquietação em face daquela claridade que aumentava de brilho como a anunciar uma Outra que apagaria a do próprio astro de que eram adoradores.
Seria realmente aquela a Luz que tornaria o mundo de manhãs claras, tardes ardentes e noites estreladas, mais perfeito, menos rasgado por ódios, guerras e injustiças? Quem podia ter a certeza? Do que parecia não haver dúvidas era de que a estrela indicava a Judeia. Tinham de render-se à evidência. E nessa direcção seguiam agora, os pés já feridos do caminho, cada vez mais áspero e pedregoso.
Mas, mesmo forçando a marcha e lutando contra o tempo e o cansaço, a
noite desejada encontrou-os à boca do Mar Morto e a estrela fazia jorrar a sua
cratera de brilhos mais para além, mais para o norte. Exaustos, não podiam
seguir adiante. Mas o cristal de miríades de luzeiros, que pareciam mais belos
e mais luminosos no silêncio suspendido do ar gelado, permitia-lhes procurarem
uma gruta para se abrigarem e dormirem, antes de continuarem a jornada. E foi o
que fizeram.
— Aqui! —
gritou o mais jovem, que caminhava na dianteira.
Os outros,
mais trôpegos e cansados, juntaram-se-lhe.
Era uma
caverna escurecida pelo fumo das fogueiras dos pastores e que, embora vazia,
parecia uma boca de forno, ainda quente do bafo dos animais.
— Escutem! —
disse um deles.
À medida que
penetravam na gruta, ouviam vagidos, que julgaram de animal ferido. Todavia,
quando reacenderam o fogo, deparou-se-lhes uma criança recém-nascida, nua e
roxa, a chorar de frio e fome.
— Quem teria
tido a coragem de a abandonar?! — indignou-se o mais velho, que rasgou logo um
pedaço de manto e a envolveu.
— Pobrezinha,
como chora!
Os outros
debruçaram-se também, carinhosos e solícitos, sobre o pequeno fardo. Depois
olharam-se, perplexos. Que fariam? Podiam aquecê-la, protegê-la – mas como
alimentá-la?
E foi então
que ouviram, vindos do fundo da gruta, outros vagidos.
— Ide ver! —
pediu o mais idoso, que se tinha sentado perto do lume, tentando aquecer a
criança, enquanto a embalava, desajeitadamente, nos seus braços, nodosos e
velhos.
Os outros juntaram uns gravetos secos e atearam-nos nos tições, acesos, e com aquela débil claridade varreram as sombras. No fundo da gruta estava uma ovelha, de úberes cheios e dolorosos, que lambia a sua cria morta. Era uma noite santa aquela. Ali estava a prova. E, contentes, arrastaram o animal até junto do companheiro e da criança.
Depois, com muito jeito e devagar, enquanto um
segurava o animal, o outro fazia pingar umas gotas de leite para a boquinha,
que em breve se tornou sôfrega. Pacientes, continuaram a tarefa e viram-se
recompensados. Aquecida e consolada, a criança aquietou-se. O mago que a tinha
nos braços, como um avô, e os outros começaram a tratar da magra ceia e a
assar, nas brasas, os figos secos que lhes restavam.
— Temos de
regressar… — disse, então, o mais velho, depondo a criança adormecida num
recôncavo largo de rocha, não longe do borralho.
— Assim terá
de ser — concordou logo outro.
— Somos
homens e sacerdotes e nunca seremos uma família para a criança. Temos de nos
apressar a entregá-la a uma mulher piedosa que cuide dela e a eduque juntamente
com os filhos.
— Sim, ou a
uma mulher estéril para quem seja a bênção desejada — tornou o primeiro. — Mas
isso resolveremos depois do regresso. O urgente é regressarmos.
— Regressar?!
E a Luz que vínhamos a seguir? — protestou o mais novo, para quem era doloroso,
depois de tantos trabalhos e canseiras, não levar a cabo o que se tinha
proposto. — Desistimos assim da Luz que nos guiou até aqui? Desistimos, agora,
quando estávamos já perto?
7 comentários:
FELIZ ANO NOVO
Parece-me que o conto ainda voltará amanhã!
Cá virei espreitar a ver se adivinhei.
Boa terça-feira!
Gostei.
Aproveito para desejar um Excelente Ano de 2022.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Muito bom! :)
-
Sentimentos escondidos na palavras
-
Bom Ano. Beijos.
Texto religioso que gostei de ler
.
Votos de um Feliz Ano de 2022
Cumprimentos
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.
Lindíssimo texto
Beijinhos
Boa noite Elvira,
Acabei de ler o segundo capítulo e estou a gostar imenso.
Uma história lindíssima.
Beijinhos,
Ailime
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