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4.1.22

OS MAGOS QUE NÃO CHEGARAM A BELÉM II - LUÍSA DACOSTA

 



A noite do solstício aproximava-se e eles estavam certos de que, se aquela Luz anunciava algum acontecimento, ele teria lugar na noite sagrada, pois o sol era a alegria e o pão da terra. E, ao mesmo tempo, não podiam deixar de sentir uma certa inquietação em face daquela claridade que aumentava de brilho como a anunciar uma Outra que apagaria a do próprio astro de que eram adoradores. 

Seria realmente aquela a Luz que tornaria o mundo de manhãs claras, tardes ardentes e noites estreladas, mais perfeito, menos rasgado por ódios, guerras e injustiças? Quem podia ter a certeza? Do que parecia não haver dúvidas era de que a estrela indicava a Judeia. Tinham de render-se à evidência. E nessa direcção seguiam agora, os pés já feridos do caminho, cada vez mais áspero e pedregoso.

 Mas, mesmo forçando a marcha e lutando contra o tempo e o cansaço, a noite desejada encontrou-os à boca do Mar Morto e a estrela fazia jorrar a sua cratera de brilhos mais para além, mais para o norte. Exaustos, não podiam seguir adiante. Mas o cristal de miríades de luzeiros, que pareciam mais belos e mais luminosos no silêncio suspendido do ar gelado, permitia-lhes procurarem uma gruta para se abrigarem e dormirem, antes de continuarem a jornada. E foi o que fizeram.

— Aqui! — gritou o mais jovem, que caminhava na dianteira.

Os outros, mais trôpegos e cansados, juntaram-se-lhe.

Era uma caverna escurecida pelo fumo das fogueiras dos pastores e que, embora vazia, parecia uma boca de forno, ainda quente do bafo dos animais.

— Escutem! — disse um deles.

À medida que penetravam na gruta, ouviam vagidos, que julgaram de animal ferido. Todavia, quando reacenderam o fogo, deparou-se-lhes uma criança recém-nascida, nua e roxa, a chorar de frio e fome.

— Quem teria tido a coragem de a abandonar?! — indignou-se o mais velho, que rasgou logo um pedaço de manto e a envolveu.

— Pobrezinha, como chora!

Os outros debruçaram-se também, carinhosos e solícitos, sobre o pequeno fardo. Depois olharam-se, perplexos. Que fariam? Podiam aquecê-la, protegê-la – mas como alimentá-la?

E foi então que ouviram, vindos do fundo da gruta, outros vagidos.

— Ide ver! — pediu o mais idoso, que se tinha sentado perto do lume, tentando aquecer a criança, enquanto a embalava, desajeitadamente, nos seus braços, nodosos e velhos.

Os outros juntaram uns gravetos secos e atearam-nos nos tições, acesos, e com aquela débil claridade varreram as sombras. No fundo da gruta estava uma ovelha, de úberes cheios e dolorosos, que lambia a sua cria morta. Era uma noite santa aquela. Ali estava a prova. E, contentes, arrastaram o animal até junto do companheiro e da criança. 

Depois, com muito jeito e devagar, enquanto um segurava o animal, o outro fazia pingar umas gotas de leite para a boquinha, que em breve se tornou sôfrega. Pacientes, continuaram a tarefa e viram-se recompensados. Aquecida e consolada, a criança aquietou-se. O mago que a tinha nos braços, como um avô, e os outros começaram a tratar da magra ceia e a assar, nas brasas, os figos secos que lhes restavam.

— Temos de regressar… — disse, então, o mais velho, depondo a criança adormecida num recôncavo largo de rocha, não longe do borralho.

— Assim terá de ser — concordou logo outro.

— Somos homens e sacerdotes e nunca seremos uma família para a criança. Temos de nos apressar a entregá-la a uma mulher piedosa que cuide dela e a eduque juntamente com os filhos.

— Sim, ou a uma mulher estéril para quem seja a bênção desejada — tornou o primeiro. — Mas isso resolveremos depois do regresso. O urgente é regressarmos.

— Regressar?! E a Luz que vínhamos a seguir? — protestou o mais novo, para quem era doloroso, depois de tantos trabalhos e canseiras, não levar a cabo o que se tinha proposto. — Desistimos assim da Luz que nos guiou até aqui? Desistimos, agora, quando estávamos já perto?

7 comentários:

Pedro Coimbra disse...

FELIZ ANO NOVO

Tintinaine disse...

Parece-me que o conto ainda voltará amanhã!
Cá virei espreitar a ver se adivinhei.
Boa terça-feira!

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Gostei.
Aproveito para desejar um Excelente Ano de 2022.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Cidália Ferreira disse...

Muito bom! :)
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Sentimentos escondidos na palavras
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Bom Ano. Beijos.

- R y k @ r d o - disse...

Texto religioso que gostei de ler
.
Votos de um Feliz Ano de 2022
Cumprimentos
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Paula Saraiva disse...

Lindíssimo texto
Beijinhos

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Acabei de ler o segundo capítulo e estou a gostar imenso.
Uma história lindíssima.
Beijinhos,
Ailime