Quando voltou depois de almoço, encontrou em cima da secretária, uma caixa com papel de impressora, que ela abriu para tirar algumas folhas e guardar as restantes. Acabara de ligar o gravador, quando ele entrou no escritório.
- Olá. Já viu o papel?
- Sim. Já o guardei. Acabei de verificar que já cheguei ao fim do que estava no gravador. A cópia, está impressa e arquivada numa pasta.
- Muito bem. Gostaria que lesse para mim. Há muito tempo que não leio um livro.
- E tem algum preferido?
- Sim. Tinha comprado “Os poemas possíveis” de José Saramago, que não cheguei a ler. Deve estar algures nessa estante. Gosta de poesia?
- Sim, embora não conheça o livro em questão, mas procuro-o já.
Percorreu a estante até encontrar o que ele pediu. Sentou-se dizendo:
-Aqui está. Posso começar?
-Por favor.
Processo (a)
As palavras mais simples, mais comuns,
As de trazer por casa e dar de troco,
Em língua doutro mundo se convertem:
Basta que, de sol, os olhos do poeta,
Rasando, as iluminem.
As palavras mais simples, mais comuns,
As de trazer por casa e dar de troco,
Em língua doutro mundo se convertem:
Basta que, de sol, os olhos do poeta,
Rasando, as iluminem.
Com voz pausada, ela foi lendo, um após outro, os poemas do autor, perante o silêncio dele. Um quarto de hora depois foi interrompida.
- De momento chega. Importa-se de conversar um pouco? A Isabel lê muito bem. Sente o que está a ler. E decerto, este não é o tipo de poeta, que uma jovem prefere.
- Porquê?
- Pelo que me leu, não são poemas de amor e esses são normalmente, os que as jovens mais gostam de ler.
- Realmente nunca tinha lido poemas de José Saramago, embora tenha lido muitas das suas obras em prosa. Mas contrariamente ao que diz, senti, que eram poemas de amor. De amor à liberdade, à fraternidade, e à luta por um mundo melhor. É talvez um amor diferente, mas nem por isso deixa de ser amor.
- Tem um excelente sentido de análise. Não é muito vulgar nas jovens de hoje.
- Talvez eu nem seja tão jovem assim. Ou talvez tenha tido um bom mestre, - respondeu perscrutando-lhe o rosto, tentando adivinhar alguma emoção.
- E teve?
- Sim. Um grande amigo, que me iniciou nas leituras, ensinando-me a buscar o
verdadeiro sentido daquilo que lia.
Será que ele se lembraria dela? De quando leram juntos, os "Contos da Montanha" de Miguel Torga, ou "Por Quem os Sinos Dobram" de Hemingway? Ou ainda como lhe ensinou a gostar de Saramago, lendo-lhe "Levantado do chão" e explicando-lhe um Alentejo sofrido e lutador, que ela não conhecera e ainda não dera na escola. Dos livros que lhe emprestou, e que ela lia com sofreguidão, só pensando em estar à altura dele? Se o fez, não deixou transparecer no seu rosto nenhum sinal visível.
- Pode-se dizer então, que gosta muito de ler.
- Gosto? Sou uma leitora compulsiva.
(a) - José Saramago, em "Os poemas possíveis". 3ª ed., Lisboa: Editorial Caminho, 1981.
18 comentários:
Contrariamente à protagonista, eu adoro a poesia de Saramago e já nem me dei tempo de chegar a gostar da sua prosa. Desisti logo na primeira tentativa. Foi justamente «Levantado do Chão» que abandonei após a leitura das primeiras páginas.
Voltando ao que interessa.
Duvido muito que dentro em pouco o escritor não desconfie da verdadeira identidade da secretária.
Gostei especialmente deste capítulo. :)
Boa noite, Elvira.
Essa de ler o Saramago é que estragou tudo! :))
Bfds
:) Hoje atrevi-me um pouco mais e pus a leitura em dia.
Estou a gostar muito deste seu "Sonho ao Luar", amiga!
Forte abraço e muita saúde!
A passar para acompanhar a historia.
Elvira, que belo capítulo este!
O livro de Saramago foi aqui muito bem "metido".
(Não conheço a poesia do nosso Nobel. Vou procurar nas livrarias.)
Beijo, fique bem.
A passar para acompanhar a historia.
minha querida Elvira.
Nem sabia que o Saramago tinh apoesia ...grata pela partilha
Um bom fim de semana em segurança
mais uma linda historia que estou adorar ler obrigada bjs saude bfs
É que Saramago pode não agradar!!! 👏👏👏👏👏... Cada capítulo... cada emoção!
Estou a gostar de acompanhar o conto!!
-
A voz que me afaga e endoidece
.
Beijo, e bom fim de semana.
Boa noite Elvira,
Capítulo muito belo.
O diálogo entre os dois, a leitura dos poemas de Saramago...
Adorei!
Um beijinho e bom fim de semana, com saúde.
Ailime
Poesia, mal, Saramago, pior!!!
Bom fim de semana!
É incompreensível que haja quem sobreponha o preconceito acima do valor do escritor. São os que ficarão sempre no anonimato da sua insignificância porque Saramago é grande e reconhecido em todo o mundo. Gostei da homenagem feita no seu texto.
Um abraço.
Elvira, amei o comentário que acabou de deixar no pétalas.
Me emocionou de verdade.
(Amanhã, aniversário da minha mãe... ausente!)
Beijo, boa noite.
Todos lutam por uma vida melhor. A diferença é que uns conseguem outros não!
Com saúde, tenha um bom fim de semana amiga Elvira. Um abraço e proteja-se.
Tento que vou ler Os poemas Posiveis de Saramago. Gostei daquel bocadinho. As palavras de andar por casa som as que eu gosto. Beijhinho.
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