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12.11.14

ROSA PARTE XII



                     O posto médico da Seca do Bacalhau
                            A foto é minha.




De Setembro a Março, Rosa trabalhava na Seca do bacalhau. Trabalho duro e não muito certo pois, quando o Inverno era rigoroso e não se podia pôr o bacalhau na rua para secar, não havia trabalho. Às vezes, ficava-se uma semana inteira sem ganhar um tostão. Mas, ainda assim, vivia-se melhor que no Verão, pois sempre eram dois a ganhar. E depois era a oportunidade dela ver gente da sua aldeia e de outras aldeias vizinhas, de rir, cantar e esquecer um pouco a miséria que tinha em casa. Ali, naquele mundo maioritariamente feminino, não havia segredos. Todas sabiam quando alguma levava “porrada” do marido, quando não tinham que comer ou quando punham “um filho a estudar”.a)  Muitas vezes, sem dinheiro para procurarem uma parteira, faziam – no elas próprias sem quaisquer condições. Por causa disso, não raras vezes, alguma morria com uma infecção. Algumas, trabalhavam na seca com os maridos, outras, os maridos trabalhavam nas fábricas de cortiça, ou na C.U.F. mas todas viviam irmanadas na mesma vida difícil e contudo aparentavam uma alegria difícil de explicar, pois passavam muitas horas de trabalho sempre cantando, ou contando anedotas como se o trabalho fosse leve e a vida lhes sorrisse lá fora. Então quando tocava a lavar o bacalhau nas grandes tinas de água, que levavam seis mulheres de cada lado, era ouvi-las cantar o tempo todo, ora como um só coro de muitas vozes, ora desafiando-se umas às outras em quadras repentistas que pareciam não acabar nunca. Algumas faziam graça com a própria fome, como a Rosalina, que enfiava um dedo no meio do pão e comia à roda do dedo, dizendo que comia pão com chouriço, ou a Virgínia que dizia estar a almoçar um cozido à portuguesa, enquanto emborcava uma sopa deslavada.
Por esses dias, a Ti Urbana perguntou-lhe:
-Ó Rosa, tu já estás prenha outra vez, mulher?
- Não! - A resposta foi quase um grito. Pela sua saúde, não me diga isso, que me desgraça.
- Eu não te digo mas que estás é verdade. Basta olhar as tuas pernas. Ó mulher mas tu não tens juízo?
- Ai Ti ‘Urbana, se for verdade, tenho que dar um jeito. Não quero ter mais filhos. O meu Alberto ainda não fez os sete meses.
- Vai ao posto médico. Mas olha que eu nestas coisas nunca me engano.
Na Seca, havia um posto médico, com um enfermeiro, e às quintas-feiras ia lá um médico.
Nessa semana, Rosa foi ao médico que confirmou as palavras da Ti' Urbana .  Mais uma vez estava grávida!
Pediu ajuda a algumas mulheres mais velhas. Nunca fizera um aborto mas, desta vez, tinha que ser. Estava decidida a não ter mais filhos. Mas não tinha dinheiro para ir à parteira. A Adélia ensinou-lhe a fazer escalda-pés com grãos de mostarda. Fez durante 3 dias mas não resultou. Depois foi fazendo tudo o que as outras lhe diziam já ter feito até terminar por picar o útero com um talo de aipo até sangrar. "Resulta sempre", tinham-lhe dito. E resultou. Numa grande hemorragia, seguida de infecção, que a ia matando. Acabou numa sala de cirurgia, no hospital de Almada, onde sofreu uma histerectomia total.  "Caparam-na" como ela costumava dizer. E nunca mais engravidou.


Continua

a) pôr um filho a estudar, era na linguagem das mulheres da seca, a designação para aborto, que nessa época em Portugal,  era ilegal e podia até dar cadeia.


15 comentários:

Edum@nes disse...

A história da Rosa contada por amiga Elvira dá vontade de rir, sem maldade claro. Falta de informação porque em vez de ter causado a dita infecção para abortar, senão queria ter mais filhos antes disso tinha pedido para ser capada e cortado a mal pela raiz, a árvore não dá mais fruto. Nesse tempo havia muita miséria, mas também havia alegria e esperanças de um futuro melhor e hoje o que é que se espera do futuro, pobreza e mais pobreza se os futuros políticos continuarem com as mesmas políticas erradas dos actuais!

Tenha uma boa segunda-feira chuvosa, um abraço amiga Elvira.
Eduardo.

Existe Sempre Um Lugar disse...

Boa tarde, a rosa não era privilegiada para poder decidir em liberdade e em segurança, infelizmente muitas mulheres morreram por falta de condições.
AG

chica disse...

Estou impressionada com a história de Rosa e tanto que já lhe aconteceu! Tem que acabar bem! Vamos esperar! bjs,chica

Laura Santos disse...

Quando hoje pensamos na vida destas mulheres sem acesso a planeamento familiar e a contraceptivos,é que vemos como o 25 de Abril foi importante para tantos aspectos da nossa vida social, e também para a "liberdade" da mulher em termos de gerência da sua vida pelo menos em relação ao número de filhos que quer e pode ter.
Estou a gostar muito da história, embora por vezes até fique um pouco triste.
Boa semana, Elvira.
xx

Unknown disse...

Uma vida bastante dura e uma linguagem desta vez muito próxima das pessoas do campo.
Parece milagre como estas pessoas levam a vida com um sorriso e cantam até morrer.

Pedro Coimbra disse...

Mesmo só a ler mete muita impressão, entristece :(

Emília Pinto disse...

Tudo isto que aqui contas, Elvira, eu presenciei lá na ldeia onde nasci; grande número
de filhos e abortos sem conta e sem condições. Não havia informação e lá também nunca ouvia falar dos preservativos. Agora, vamos ver se o marido da Rosa não se aborrece com isso; também havia antigamente a mania de que uma mulher sem útero não era mulher. Vamos ver o que está
reservado à Rosa; pela promessa que fez o marido parece-me muito religioso e se calhar não vai aprovar. Esperarei até Terça, amiga. Um beijinho e muito obrigada pelo belo conto
Emília

Isamar disse...

Fiquei impressionada, Elvira, com o teu texto. Só pode ser escrito por uma pessoa que conheceu bem o quotidiano destas mulheres, verdadeiras heroínas, que ainda conseguiam ter sentido de humor apesar da vida dura e cruel que levavam.Tudo evoluiu desde esse tempo e apesar da crise os tempos são incomparáveis. Beijinhos

António Querido disse...

Era assim que antigamente os maridos prendavam as esposas pelo seu trabalho, agora é diferente, bendita televisão e bendito Facebook!

Com o meu abraço

Graça Pereira disse...

Há tanto tempo que não passava por aqui ...para me deliciar com os teus contos.Parabéns. Um beijo
Graça

Lilá(s) disse...

Começo a ficar com pena da pobre Rosa, tanta coisa lhe tem acontecido! que vida difícil!
Bjs

lourdes disse...

Vida difícil, que me lembra a de outras "Rosas" que existiam antigamente.
Vamos ver o que vai acontecer no futuro à nossa Rosa.

Rogério G.V. Pereira disse...

Se continua, eu continuo
(quando gosto, grudo)

lis disse...

Oi Elvira
E a vida da Rosa vai dando suas reviravoltas_ e numa dessas pode não ter volta... ainda bem que felizmente, e de muito mal jeito se livrou de mais filhos_ é preciso ter coragem pra enfrentar um aborto com um método destes! coitada das mulheres principalmente as mal informadas...e até as outras (?)não escapam quando se envolvem demais e os parceiros estão pouco se lixando...a culpa sempre recai onde mesmo?? rsrs
Achei curiosa a linguagem feminina de 'pôr um filho a estudar' seria genial se fosse 'pôr o marido a correr' rs
_ as vezes me revolto um pouco Elvira porque acontece muito ainda.
Beijinhos e continuo contigo.

Zilani Célia disse...

OI ELVIRA!
A ROSA TEM PASSADO SEUS "PEDAÇOS", MAS ESPERO QUE TENHA ALGO DE BOM RESERVADO A ELA.
MUITO BOM, ESTOU ADORANDO.
ABRÇS

http://zilanicelia.blogspot.com.br/