LUÍSA
O som estridente duma campainha sobressaltou a jovem
arrancando-as das suas recordações. Pousou a caneta sobre o livro que tinha na
sua frente, levantou-se, alisou a bata branca e depois de um breve olhar ao
quadro, onde uma luz assinalava o quarto 9 dirigiu-se para lá.
Uma mulher precocemente envelhecida debatia-se na cama com
imaginários inimigos, gritando e puxando a ligadura que a prendia à cama, para
que na sua loucura não se magoasse.
Luísa tentou acalmar a mulher enquanto a fazia engolir um
calmante. Movimentou a cama para deixar a doente mais confortável, e ajeitou-lhe
a almofada. Aos poucos a mulher acalmou e Luísa voltou para a sala das
enfermeiras.
O relógio aproximava-se das 3 da madrugada, a colega de
turno, dormitava, e o hospital mergulhara de novo no silêncio.
Luísa passou a mão pela testa inquieta. E deixou que aflorassem à memórias as recordações que a atormentava.
João fora o seu
primeiro e único amor. Começaram a namorar nos bancos da escola, e cresceu a
sonhar com aquele casamento. Sempre pensara que ele a amava do mesmo jeito. Mas
sem saber como Luísa achou-se grávida. E desde aí João insistia para ela fazer
um aborto. Recordou a última conversa na tarde do dia anterior.
“- Mas Luísa, isso não pode ser minha querida. Não pudemos
casar já. Acabei o curso agora. Nem sequer tenho trabalho. E tu acabaste de
conseguir emprego. Mas ainda estás no período experimental. Se descobrem que
vais ter um filho…
- Um filho que é teu, não esqueças. E porque é que não podemos
casar já? Não podemos comprar tudo o que precisamos? De acordo. Compramos o
indispensável.
-Mas Luísa nós somos tão novos. Um filho em princípio de
vida vai ser uma prisão. Se tu quisesses…
- Não João não me venhas com propostas imorais. Não somos tão
jovens que não tenhamos idade para tomar a responsabilidade dos nossos atos.
- Mas Luísa podíamos…
- Não, não e não. Já te disse que não posso nem quero fazer o
que me pedes. Se não queres o teu filho, vai-te embora de vez. Eu arrostarei
com as consequências da minha leviandade. Mas não me digas mais nada. O meu filho
não pediu para nascer, mas tem esse direito.”
Luisa saíra batendo a porta da casa onde sonhara viver um dia, com a certeza de que estava acabado um capitulo da sua vida. Mas essa era a única certeza porque de resto tudo em si eram dúvidas.
Se João a amava
porque reagira assim quando ela descobrira que estava grávida? Porque lhe
queria impor um aborto que ela não desejava?
Como poderia João ser um ser tão imaturo e egoísta? E como é
que ela nunca se apercebera disso? Sentia-se perdida. Ela nunca desejara aquela
gravidez. Não sabia mesmo como fora possível pois sempre tomava a pilula. Mas
alguma coisa anulara o efeito desta. Seria um sinal Divino para lhe mostrar o
verdadeiro caracter do João? De uma coisa ela tinha a certeza. Nunca faria o
aborto. Ainda que perdesse o namorado. E o emprego. Acabara de enterrar as suas
mais caras ilusões. A sua decisão estava tomada, mas não podia deixar de se
questionar. Claro que lá bem escondido num recanto do coração, morava a esperança de que João reconsiderasse. E ela poderia olhar para ele com o mesmo amor
depois de tão grande desilusão? Até onde iria a sua capacidade de perdoar? E de apanhar os cacos e reconstruiu o encantamento que fora a sua vida até à descoberta da gravidez?
A noite decorrera na maior normalidade e Luisa acabou deixando o trabalho às 8 da manhã, completamente extenuada. Mas quando alcançou o portão e João surgiu na sua frente com um pedido de perdão no olhar, e umas minusculas botinhas de lã na mão, dissiparam-se todas as dúvidas, e o rosto abriu-se num sorriso radioso.
Este texto faz parte da minha participação na blogagem coletiva, promovida pelas amigas