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7.5.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXIX


"a frigideira" Sala de torturas do Tarrafal. A foto penso que seja de António Costa da Silva e  foi tirada DAQUI .

O ano de 1954 começou com grande agitação no Brasil. João Goulart imprime ao Ministério do trabalho um rumo que visa implantar no Brasil uma República Socialista, e isso causa inquietação e preocupação às forças militares que irão lançar em Fevereiro o “manifesto dos coronéis”. Precisamente no mês em que Goulart propõe um aumento do salário mínimo em 100%.
 Ainda em Janeiro, russos e americanos reúnem-se para discutir a proibição das armas atómicas.
 Enquanto isso encerra em Cabo Verde, o Campo de Concentração do Tarrafal. O “Campo da Morte Lenta” como lhe chamavam, ganhou esse nome, porque os prisioneiros submetidos a maus tratos, má alimentação, e clima insuportável, iam morrendo lentamente. Reabriria em 61
 Para acolher os presos políticos dos movimentos de libertação das colónias.
 O mês de Fevereiro começa com uma vaga de frio que assola toda a Europa. Portugal não escapa ao frio e a 2 de Fevereiro nevou durante várias horas em todo o país. Lisboa, foi surpreendida por um extenso manto branco, e até o Algarve foi invadido pela neve. Na Seca o pessoal ficou sem trabalho durante vários dias. A água congelou nos canos. No barracão o frio intenso entrava por todas as frestas da madeira, e as mantas de trapo não conseguiam aquecer os habitantes, que de dia se juntavam à roda do fogo e de noite se agrupavam nas camas para se aquecerem uns aos outros.
Em Paris Chanel reabre a sua casa, fechada desde o início da guerra.
 A meados de Março, termina a safra do bacalhau e o Manuel agora com mais tempo livre e os dias a crescer tem uma ideia fixa. Tem que abrir um poço. E como a ideia não lhe saia da cabeça, e seguindo o método da vara que aprendera na terra, achou que tinha água mesmo à porta do barracão.
 Levantava-se cedo, e começava a cavar. E quando chegava do trabalho e até ao sol-pôr pegava na enxada e o buraco estava cada dia mais fundo, perante a aflição da mulher com medo que o terreno desabasse e o marido ficasse lá sepultado. Pensando nisso o Manuel conseguiu que o patrão lhe desse umas tábuas que não serviam para os botes, e construiu uma espécie de caixa quadrada sem fundo que ficou escorando o buraco. Na verdade conseguiu água a 3 metros de profundidade. Era um pouco salobra, mas potável.
 Agora já podia plantar umas couves, tomates, alfaces, cebolas, feijão verde… Era uma grande ajuda.
 A 3 de Abril, morreu em Lisboa no hospital dos franciscanos Aristides de Sousa Mendes. O homem que salvou milhares de vidas, resgatando-as das garras nazis dando-lhes passaportes portugueses. Entre essas vidas estava Ilse Losa que haveria de ser anos mais tarde uma famosa escritora. Perseguido pelo regime de Salazar, aquele a quem apelidaram de o Schindler português, morreu na maior miséria, tendo sido enterrado com o hábito franciscano, por não ter na altura sequer um fato próprio. Nesse mesmo mês é inaugurada a linha aérea Lisboa – Luanda com a TAP a aterrar pela primeira vez na capital angolana.
 A 19 de Maio, em Baleizão, no Alentejo, uma ceifeira analfabeta de 26 anos, de seu nome Catarina Sabino Eufémia, foi assassinada com tiros à queima-roupa por um oficial da GNR, o tenente Carrajola, durante uma manifestação que reivindicava um aumento salarial de dois escudos pela jorna. O Manuel soube disso dias depois pelo Varandas. Ele conhecia alguém que sabia tudo o que se passava e queria apresentá-lo ao Manuel. Mas ele não quis. “Quando temos 5 pessoas que dependem de nós para comer, não podemos dar-nos ao luxo de arriscar a nossa vida porque ela não nos pertence.” – Dissera ele ao cunhado.
 Ainda nesse mês o Manuel construiu uma Galena. Era um aparelho muito rudimentar, mas que dava para ele ouvir à noite as notícias e os relatos de futebol. Mal sabia ele que na América há muito havia Televisão e a NBC iniciava nesse ano as emissões a cores.
 No inicio de Julho a Alemanha vence o campeonato mundial de futebol, ao derrotar a Hungria por 3-2 depois de ter estado a perder por 2-0. E Elvis grava o seu primeiro disco.


Tenham uma ótima semana

27 comentários:

MARILENE disse...

Rico relato, onde a história marca todos os momentos da vida de Manuel, ainda que sua preocupação maior estivesse no sustento da família.

Bjs.

BlueShell disse...

Uma época terrível essa de que tão bem nos falas, meu anjo...
E aprende-se qui, ou pleo menos recordamos conhecimentos há muito esquecidos. Te admiro e deixo um beijo
Isabel

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Como admiro o Manuel,acho-o inteligente e cheio de boa vontade.
A preocupação dele para com os seus me comove, lembra-me muito a meu pai.
Lembra-me a minha família.
Esta história é muito rica em sabedoria, admirável, Elvira!
Um grande abraço!
Mariangela

Fátima Pereira Stocker disse...

Elvira

O Manuel é um espanto. E parece que, finalmente, a sua persistência começa a dar alguns frutos.

Bem-haja pelo relato.

Beijos

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

A persistência e forte determinação do Manuel começa a dar alguns frutos, no seu pequeno mundo que continua difícil, pouco sabendo do outro maior onde tantas coisas vão acontecendo.E que aqui vamos revivendo, ou pela primeira vez conhecendo, neste muito bem ordenado relato.

Abraço amigo; boa semana
Vitor

Graça Pereira disse...

Gosto da história do Manuel. Um homem de coragem no meio de tantas vicissitudes. Curiosamente eu, que só ouvi estes nomes do outro lado do mundo, parece-me tudo surreal e tenho agora a verdadeira noção do Tarrafal, dos heróis que morrem como franciscanos, da vida difícil em Portugal ( outra crise diferente da de agora - quando aboliremos esta palavra do nosso dicionário?) a par do luxo parisiense e de tudo o que acontecia pelo mundo! Era 1961 e o Elvis era o cantor da minha adolescência!
Saio daqui sempre mais rica!
Mil beijos
Graça

Mar Arável disse...

Mais uma excelente viagem

em todos os seus apeadeiros

Paulo Cesar PC disse...

Manuel tem deixado boas lições de vidas até aqui para os que acompanham sua trajetória. Querida Elvira, um beijo no seu coração.

Teté disse...

Penso que a escritora (judaica, de origem alemã e que se naturalizou portuguesa) se chama Ilse Losa, e não Rosa, como por vezes aparece escrito!

Enfim, esperemos que a vida do Manuel melhore, com a sua nova horta!

Beijocas!

Andre Mansim disse...

Elvira que legal mais este capítulo. O que eu estou achando mais interessante é que você conra a história do Manuel juntamente com a história do mundo!

Parabens minha amiga!

Luis Eme disse...

nunca tinha ouvido falar da "galena", Elvira.

(penso que a foto não pode ser da frigideira, já que esta era uma câmara de cimento, sem divisórias, isolada e de pequenas dimensões onde absorvia o calor diário e o frio nocturno...)

abraço

fus disse...

Una increible historia con un maravilloso relato.

un fuerte saludo

fus

Zé do Cão disse...

Elvira
Sabes que fico deliciado com estas historias.
Também tinha uma "galena" em Casa.
Anos mais tarde reconstruí tudo, comprando as peças na rua do Coliseu.
Era giro.

abraço. minha amiga

AC disse...

Movido na sua fé e determinação, em prol da família, o Manuel conseguiu mesmo cavar o poço para a água de que carecia...!
Que lição, Elvira!

Beijo :)

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Uma viagem numa vida real e em tempo real.
Uma lição completa.

Abraço

Evanir disse...

Uma mãe é uma pessoa que ao ver que só ficam quatro bocados de torta de chocolate tendo cinco pessoas,
é a primeira em dizer que nunca gostou de chocolate.
Às vezes, as palavras se perdem na expressão da palavra Mãe.
Nenhum dicionário definirá a magia do seu significado e,
em todos os idiomas, traduz o mesmo sentimento:
Ser mãe. No decorrer dessa semana só levarei mensagem do dia das mães.
A você mãezinha que viaja comigo meu eterno carinho e agradecimento.
Ser mãe é graça e benção por isso essa semana será só nossa.
Mães de todo esse mundo . Feliz dia das mães. Dia das mães é todos os Dias.

Emília Pinto disse...

Havia muitos como o Manuel naqueles tempos. A vida era tão difícil que não havia tempo e muito menos meios para se ter conhecimento do que se passava por outras bandas.Era uma vida dura de trabalho e pouco dinheiro; sim...naqueles tempos não se ouvia a palavra crise, mas eu de vez em quando falo nesses tempos onde o que havia era uma autêntica miséria em todos os aspectos; acho que agora nos queixamos de barriga cheia, como se costuma dizer. Sabe, Olinda, tenho muita pena que ainda hoje não se dê valor ao nosso Aristides de Sousa Mendes; um homem de tanto valor e completamente esquecido. É uma pena! Adorei o teu relato, como sempre, pois além de recordar muita da história aprendida, volto atrás no tempo e revejo muitos " Manuel " que conheci; os tempos já eram um pouco diferentes, mas nas aldeias de Portugal demorou muito para que nos chegasse algum conforto; eu já era adolescente quando tive televisão a preto e branco e só com um canal. Agora há uma televisão em cada dependência das casas. Beijinhos e obrigada pela partilha de tão belos documentários
Emília

Socorro Melo disse...

Elvira,

Temos aqui um grande relato histórico, que vai nos envolvendo e nos emocionando. Personagens heróicos, sofredores, perseguidos e perseguidores, grandes conquistas, vão tomando forma em nossa mente, e nos fazendo entender que a vida é feita de vitórias e derrotas.
O Manuel, na sua vida tão simples, tão prudente e perseverante, torna-se também um herói aos nossos olhos.

Grande abraço
Socorro Melo

BlueShell disse...

Só para deixar um beijo.....

BS/Isabel

José Lopes disse...

É importante lembrar que quando as condições de sobrevivência são muito difíceis as preocupações fundamentais resumem-se ao sustento da família, e que os regimes totalitários florescem nessas condições.
Cump

Maria disse...

Elvirinha querida:
A Saga continua e cada vez mais interessante.
Só quem não quiser, não aprende consigo.
À sua história, junta a história de Portugal, com pormenores, de que alguns nunca ouviram falar.
Quantos saberão, a história heróica e trágica, de Aristides Sousa Mendes? Agora, ficaram a saber que existiu.
A História Mundial recente, também é focada.
Grande trabalho, amiga.
Parabéns e beijinhos
Maria

Emília Pinto disse...

Desculpe a troca de nomes, Elvira. Eu sei que se chama Elvira, mas com certeza estive antes no Xaile de seda, da Olinda e daí a confusão.Estou desculpada? Um beijinho
Emília

MARILENE disse...

Um grande beijo e meus agradecimentos por sua sempre gentil presença.
Tenha uma linda quinta-feira!

MARILENE disse...

Um grande beijo e meus agradecimentos por sua sempre gentil presença.
Tenha uma linda quinta-feira!

Emília Pinto disse...

Oi Elvira!
Fiquei presa à história,histórias da vida real.
>Foram duros aqueles tempos, o cerco era bem apertado!
Elvira poderá dizer-me por favor ,qual a região da paisagem deste seu blog?
Parece-me que me é familiar! Agradeço-lhe !
Herminia

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Como a sua produção de texto aumentou, Elvira, hoje são dois a comentar...
É muito interessante rever a história, de certa forma recente, principalmente a de meu país. momentos que eu já vivenciava, como a atuação de João Goulart. Essa contextualização dos fatos históricos mundiais me fascinam.
Vou agora,ler o capítulo o capítulo XXX, onde eu já vi a foto do "Gegê" (assim minha mãe chamava Getúlio Vargas rsrs).
Um beijo,
da Lúcia

Olinda Melo disse...

Grandes nomes, grandes momentos aqui evocados a par de outros de má memória como o Tarrafal.

E Manuel na sua labuta pela vida. O poço apesar da água salobra sempre dava para plantar umas verduras, tão necessárias...uma grande lição de vida.

Bj

Olinda