- Um cancro, Doutor? - a voz saiu-lhe a medo, certo da resposta.
O médico assentiu em silêncio. Depois...
- Mais concretamente, uma leucemia. Existem vários tipos de leucemia e alguns são agudos, e estes são muito rápidos. Creio que é o seu caso atendendo a ser a primeira vez que se queixa e aos valores que as análises apresentam.
O silêncio que se seguiu parecia de chumbo. Por fim, Pedro perguntou:
- Não se pode fazer nada?
–Com estes valores é impossível. Se me tivesse procurado mais cedo, eu podia enviá-lo para um hospital em Lisboa, onde lhe fariam um mielograma, para terem uma noção exata do estádio em que se encontrava a doença, e com transfusões de sangue e quimioterapia, podiam controlá-la, até fazer um transplante de medula, única hipótese de cura. Neste momento é demasiado tarde. A doença está na fase terminal, só um milagre o poderia salvar. Lamento, não sabe o que me custa dizer-lhe isto, mas como o senhor disse, tem direito à verdade. Segundo o laboratório diz aqui, porque os resultados eram muito graves eles tiveram o cuidado de os confirmar. Se quiser pode procurar outro médico. Num caso destes, está no seu direito de duvidar do meu diagnóstico.
- Obrigado Doutor, confio no senhor, não tenciono consultar mais ninguém.
Naquele momento, Pedro sentia vontade de gritar, de bater no médico, de destruir o mundo. À raiva inicial, seguiu-se uma enorme vontade de correr para casa, esconder a cara no regaço materno, e chorar como fazia em criança, quando alguma coisa o fazia sofrer. Por fim, sentindo a cada momento as forças a desmoronar dentro de si, perguntou:
- Quanto tempo? Quanto tempo me resta?
– Não sei, ninguém pode dizer com precisão. Algumas semanas, um mês, no máximo uns três meses.
- Obrigado, Doutor, muito obrigado.
Levantou-se e dirigiu-se para a porta, sob o olhar consternado do clínico
– As suas análises -lembrou o médico.
Saiu sem se voltar, como se não o tivesse ouvido.