Naquela tarde, Ricardo saiu cedo do trabalho, mas em vez de seguir para casa, dirigiu-se à casa de Isabel. Tocou a campainha e ela veio abrir com a menina ao colo.
-Posso falar consigo? – perguntou
Ela afastou-se para o deixar passar e fechou a porta nas
suas costas. Encaminhou-o para a sala, e sentou a criança numa manta no chão
onde estavam alguns brinquedos. A um canto junto à janela, uma tábua de
engomar, um ferro elétrico, e uma cadeira com alguma roupa passada. Noutra
cadeira várias peças aguardavam o mesmo tratamento.
-Sente-se, -disse indicando-lhe o sofá. Desculpe a
desarrumação, mas não estava à espera de visitas.
-Vim porque recebi o resultado do ADN. Trouxe-lhe uma
cópia. Como pode ver não sou o pai dessa menina, mas parece que ela é
efetivamente da minha família. Aconselham-me a fazer um novo teste, para determinar o grau de parentesco, mas
não o considero necessário, uma vez que tenho apenas um familiar direto vivo. De
algum modo, a sua irmã conheceu o meu irmão, não sei como, nem quando, uma vez
que ele casou com uma francesa há quase treze anos e vive em Bordéus.
- Mas se a Susana nunca saiu do país, como é isso possível?
- Essa é uma pergunta a que só um dos dois poderia responder-lhe. Talvez o tenha conhecido em alguma das vezes que veio a
Portugal, de férias. Lamento dizer-lhe isto, mas o meu irmão não é flor que se cheire. Deve ter
dado à sua irmã o meu nome por duas razões. A primeira, para que não pudesse
localizá-lo e descobrir que era casado. A segunda se alguma coisa corresse mal
eu seria o lesado. Nós somos gémeos e bastantes parecidos fisicamente mas não
somos gémeos idênticos. Segundo um amigo meu, ex-inspetor da Judiciária, se
fossemos gémeos idênticos ou monozigóticos, o resultado do ADN seria bem
diferente. Eu seria considerado pai da menina, mesmo nunca tendo conhecido a sua irmã, pois ele disse-me que esses gémeos partilham o
mesmo ADN. Sendo assim parece que ambos temos o mesmo vínculo familiar com a
criança, ou seja, ambos somos tios dela, embora eu seja oficialmente o pai.
- E o que vai fazer com esse facto?
-Nada. Na verdade, não sou casado, não tenho filhos, nem
espero vir a ter. Não sou milionário mas tenho o suficiente para não ter que me
preocupar com o futuro. Não tenho outros herdeiros que os filhos do meu irmão e
portanto posso perfeitamente considerá-la minha filha e fazer dela a minha
herdeira. Posso dar-lhe uma vida muito melhor do que aquela que tem nesta casa.
- Mas não pode dar-lhe o principal. Amor. Esquece que ela
nunca conheceu outra mãe que não eu, e que a amo como se fosse minha filha?
- Não. Nem vou lutar por ela na Justiça, fique descansada. Embora saiba que se o
fizesse ganharia com facilidade. Não só porque conforme o registo sou o seu
pai, como porque tenho uma boa situação económica, e a senhora nem emprego tem.
Ainda não tenho uma solução mas tão logo a tenha, falarei consigo e tenho a
certeza, que no interesse da criança chegaremos a um acordo.