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7.6.19

UM PRESENTE INESPERADO - PARTE XVI




 Naquela tarde, Ricardo saiu  cedo do trabalho, mas em vez de seguir para casa, dirigiu-se à casa de Isabel. Tocou a campainha e ela veio abrir com a menina ao colo.
-Posso falar consigo? – perguntou
Ela afastou-se para o deixar passar e fechou a porta nas suas costas. Encaminhou-o para a sala, e sentou a criança numa manta no chão onde estavam alguns brinquedos. A um canto junto à janela, uma tábua de engomar, um ferro elétrico, e uma cadeira com alguma roupa passada. Noutra cadeira várias peças aguardavam o mesmo tratamento.
-Sente-se, -disse indicando-lhe o sofá. Desculpe a desarrumação, mas não estava à espera de visitas.
-Vim porque recebi o resultado do ADN. Trouxe-lhe uma cópia. Como pode ver não sou o pai dessa menina, mas parece que ela é efetivamente da minha família. Aconselham-me a fazer um novo teste, para determinar o grau de parentesco, mas não o considero necessário, uma vez que tenho apenas um familiar direto vivo. De algum modo, a sua irmã conheceu o meu irmão, não sei como, nem quando, uma vez que ele casou com uma francesa há quase treze anos e vive em Bordéus.
- Mas se a Susana nunca saiu do país, como é isso possível?
- Essa é uma pergunta a que só um dos dois poderia responder-lhe. Talvez o tenha conhecido em alguma das vezes que veio a Portugal, de férias. Lamento dizer-lhe isto, mas o meu irmão não é flor que se cheire. Deve ter dado à sua irmã o meu nome por duas razões. A primeira, para que não pudesse localizá-lo e descobrir que era casado. A segunda se alguma coisa corresse mal eu seria o lesado. Nós somos gémeos e bastantes parecidos fisicamente mas não somos gémeos idênticos. Segundo um amigo meu, ex-inspetor da Judiciária, se fossemos gémeos idênticos ou monozigóticos, o resultado do ADN seria bem diferente. Eu seria considerado pai da menina, mesmo nunca tendo conhecido a sua irmã, pois ele disse-me que esses gémeos partilham o mesmo ADN. Sendo assim parece que ambos temos o mesmo vínculo familiar com a criança, ou seja, ambos somos tios dela, embora eu seja oficialmente o pai.
- E o que vai fazer com esse facto?
-Nada. Na verdade, não sou casado, não tenho filhos, nem espero vir a ter. Não sou milionário mas tenho o suficiente para não ter que me preocupar com o futuro. Não tenho outros herdeiros que os filhos do meu irmão e portanto posso perfeitamente considerá-la minha filha e fazer dela a minha herdeira. Posso dar-lhe uma vida muito melhor do que aquela que tem nesta casa.
- Mas não pode dar-lhe o principal. Amor. Esquece que ela nunca conheceu outra mãe que não eu, e que a amo como se fosse minha filha?
- Não. Nem vou lutar por ela na Justiça, fique descansada. Embora saiba que se o fizesse ganharia com facilidade. Não só porque conforme o registo sou o seu pai, como porque tenho uma boa situação económica, e a senhora nem emprego tem. Ainda não tenho uma solução mas tão logo a tenha, falarei consigo e tenho a certeza, que no interesse da criança chegaremos a um acordo.


6.6.19

UM PRESENTE INESPERADO - PARTE XV





Ricardo deixou-se cair pesadamente na cadeira. Ele e João, o irmão nunca se deram muito bem. Apesar de serem gémeos. A gravidez da mãe fora de risco, e as coisas não correram muito bem na hora do parto.  A mãe esteve muito mal, o pai chegou a dizer ao médico que se não fosse possível salvar os filhos, que salvasse a mãe. Felizmente os dois, eram prematuros,  nasceram saudáveis, mas a mãe esteve muito doente, e levou largos meses para se recompor. Não conseguia tratar dos dois bebés e em casa não havia dinheiro para contratar uma empregada, pois naquela época uma grave crise, se estendera por toda a Europa, e Portugal à beira da bancarrota, tivera que apelar para o FMI, a fim de conseguir sobreviver. O negócio do pai, estava quase na ruína, a maioria das pessoas, deixara de utilizar os seus automóveis, passando a utilizar os transportes públicos. A madrinha do João, que não podia ter filhos, pediu para o levar para sua casa, e os pais acabaram por o deixar ir. Os pais não  o deram para adoção, e quiseram ir buscá-lo logo que a mãe melhorou, mas a comadre convenceu-a para que o deixasse ficar mais um tempo, ela tinha melhores condições para o criar, pelo menos mais uns meses até à festa do aniversário, já que eles estavam prestes a fazer dois anos. Aconteceu que quando a mãe o levou para casa, João estava demasiado apegado à madrinha, chorava noite e dia, e ela convenceu-os a devolverem-lho com o argumento de que a criança estava infeliz, e ela podia criá-lo até ele ter entendimento para perceber as coisas.
  Não foi assim. João rejeitou os pais e tinha ciúmes do irmão. Dizia que eles  o tinham rejeitado e se tinham livrado dele ainda bebé, porque só gostavam do irmão. E estava sempre a fugir para casa da madrinha.
Na escola, fazia todos os disparates de que se lembrava para o prejudicar. Isso durou dois anos, depois a madrinha convenceu os compadres a deixarem-no definitivamente com ela,  dizendo que não era bom para nenhum dos miúdos a situação. Pouco tempo depois mudou-se para Coimbra, e embora a mãe fosse vê-lo todos os  meses, Ricardo nunca mais o viu, até ao seu regresso de Angola. Só nessa altura, soube que o irmão viera viver com os pais há quase dois anos, logo após a morte da madrinha e trabalhava num escritório de uma firma de importações e exportações. Mas também nessa altura os dois não se entenderam. João, a quem a madrinha dera uma vida de pequeno príncipe, coisa que os pais nunca lhe deram a ele, era um revoltado, continuava com ciúmes dele, e Ricardo chegou a dormir na oficina, de modo a passar o mínimo de tempo possível em casa, para evitar discussões que só serviam para fazer os pais sofrerem. Felizmente uns meses depois, João foi de férias para o Algarve, conheceu uma francesa, por quem se apaixonou, e quando ela acabou as férias, partiu com ela. Mandou mais tarde, uma carta aos pais, contando que se tinha casado lá, e estava a trabalhar com o sogro.
Nos últimos doze anos, Ricardo poucas vezes o viu. Quando o pai morreu, ele veio de França com a esposa, e resolveu levar a mãe com ele. Claro, era uma empregada a quem não teriam de pagar.
Depois disso, só voltara a vê-lo em Bordéus quando fora ao funeral da mãe. Desde aí não sabia nada dele, nem sequer se vinham ou não de férias, embora a mãe, antes de morrer, lhe tivesse dito, numa das conversas telefónicas, que ele lhe fazia semanalmente para saber como estava, que o compadre, tinha oferecido à filha uma casa em Campolide, para passarem férias. No funeral da mãe, conhecera a cunhada, bem como os dois sobrinhos, mas não sentiu por eles qualquer empatia.
 Por muito que lhe custasse a acreditar, o amigo tinha razão. Os seus pais eram ambos filhos únicos, pelo que ele não tinha nenhum outro familiar direto que não fosse o João. Mais uma vez o irmão fizera asneira e o culpara a ele.