Três dias depois, Ricardo telefonou ao seu amigo Artur. Disse-lhe que precisava de um conselho e convidou-o para jantar com ele nessa noite.
Às oito horas, como combinado encontraram-se no café-restaurante, na mesma rua onde se situava a sua empresa. Cumprimentaram-se e
depois escolheram uma mesa um pouco afastada, onde podiam conversar mais à
vontade. Mal se sentaram, o empregado apareceu. Escolheram o prato e quando ele
se afastou com o pedido, Artur perguntou:
- Que se passa? Descobriste alguma coisa sobre o teu
irmão?
- Nem tentei. Os meus pais eram ambos filhos únicos, e
uma vez que tanto eles, como os seus pais, meus avós já morreram, a única
hipótese da menina ser da minha família, é ser filha dele. Não sei como nem
onde, mas aqueles dois tinham que se ter encontrado. De resto, pensando na
Susana pela carta de despedida que ela deixou, e conhecendo o João, diria que
ambos se moviam nas mesmas águas do ódio, revolta e inveja. Acontece que eu não
deixo de pensar naquela menina. É minha sobrinha e gostaria de cuidar dela e
lhe dar um bom futuro.
-E porque não o fazes? Oficialmente é tua filha.
-A sua tia não ma entregaria, e eu não quero
entrar na justiça. Não seria justo com elas. A menina nunca conheceu outra mãe.
Já pensei abrir uma conta em seu nome e depositar uma verba para quando
atingir a maioridade ir para a Universidade. Mas até atingir essa idade, ela
precisa de tudo, pois segundo o teu relatório, a tia está desempregada. Que
me aconselhas?
-Casa-te com ela.
-Estás doido?
-Porquê? É a solução ideal. A menina será criada pelos
dois, como pai e mãe. Sei o que te aconteceu há anos, e sei o que pensas em
relação ao casamento. Conheço-te desde que andavas de bibe. Mas Isabel, não é
como Ivone. Não te vai convencer a casar, serás tu quem terá de a convencer. Não te irá trair, pois não tem namorado, nem é jovem de amizades masculinas, toda a gente na rua, me deu as melhores informações dela. Além disso, nenhum dos dois está apaixonado, mas ambos querem o melhor para a
criança. Será um casamento de conveniência, ninguém engana, ninguém vai
enganado. Acredita é o melhor que podes fazer.
- Não era essa a solução que esperava me desses.
-Eu sei. Mas se pensares bem, não é só a melhor solução. É a
única, uma vez que não serias capaz de recorrer à Justiça para separares as
duas. Pelo que descobri nas minhas investigações, ela é capaz de fazer qualquer sacrifício
pela menina. E tu tens quase quarenta anos, ainda és jovem, mas os anos passam a
correr. Um dia começas a sentir o peso da solidão. Olha para mim. Pouco tempo depois de ter entrado na polícia, o meu colega foi morto quando procedíamos a uma investigação na Cova da Moura. Fiquei muito traumatizado. Podia ter sido eu, pois segundos antes, era eu que estava naquele sítio. Na altura pensei que o mesmo me podia acontecer a qualquer momento e que não tinha o direito de arrastar uma mulher e possíveis filhos para um tal destino. E decidi ficar solteiro. Todavia agora, dava qualquer coisa para ter
uma companhia. E sabes de uma coisa? Se uma certa senhora me der uma oportunidade,
não morro sem ir ao altar.
O empregado veio servi-los e os dois começaram a comer em
silêncio, ambos embrenhados nos seus pensamentos.
Mais tarde, terminada a refeição, quando se despediram,
Artur voltou a dizer.
-Pensa no que te disse. É a melhor solução.
-Vou pensar –retorquiu ele.