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16.4.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE XXVI




Ficámos muito ricos, voltamos a Portugal, criamos vários negócios e aumentámos em muito a nossa fortuna. Mas eu continuava com a obsessão de me vingar daquele homem, e não descansei enquanto não o arruinei. Pareço-lhe um monstro?- Perguntou fixando os seus olhos negros no rosto afável do Padre.
- Apenas humano. Mas acredito que não encontrou na vingança, a satisfação com que sonhou durante todos esses anos.
- Acabei por não a levar até ao fim, embora ele pense que sim. O homem em questão é o pai da jovem que acabou de sair. Não tem sido nada fácil para mim, Padre. Tenho vivido os últimos cinco anos dividido entre o amor que sinto por ela e o ódio pelo pai. Agora estou decidido. Vou devolver-lhe tudo no final do mês, embora ele ainda não saiba. 
- Porque lhe perdoou, ou por causa da jovem?
- A verdade é que não sei. Durante anos, odiei-o e só sonhava com o dia em que me pudesse vingar dele. Acreditava que o meu pai morrera, por sua causa, apesar de saber que a saúde dele já estava muito periclitante quando tudo aconteceu. Minha mãe sempre me disse que o médico já a tinha alertado para a possibilidade de uma recidiva fatal, logo após ele ter tido o Acidente Vascular Cerebral. Ela sempre acreditou que a sua morte nada teve a ver com o facto de eu ter sido despedido por suspeita de roubo. Hoje interrogo-me se ela não estaria certa. 
Por outro lado, não fora a atitude cruel daquele homem, eu nunca teria emigrado, não teria conhecido o Júlio, não teríamos feito aquele boletim,e provavelmente hoje teria uma vida medíocre, e sem interesse.
- Já é bom que tenha conseguido compreender isso. Mas existe alguma coisa que ainda não está muito clara no seu espírito, não é verdade?
- Trata-se da jovem que esteve aqui há pouco, e que é filha desse homem.  Estou profundamente apaixonado por ela,talvez até tenha estado a vida inteira, pois nunca me interessei verdadeiramente por outra mulher. E parte da raiva que sentia por esse homem, era também por ela, e pelo desinteresse com que ele a tratava. Todavia penso que posso ter destruído as hipóteses de a conquistar, por causa da minha sede de vingança contra o seu pai. Que me aconselha, Padre?
- Esqueça o passado e foque-se apenas no presente. Por muito que faça, nunca conseguirá mudá-lo. E corre o risco de estragar o presente e o futuro. Seja sincero consigo mesmo e com ela. E se os seus sentimentos são tão fortes como parecem, pode ser que ela venha a corresponder. Mas se assim não for, esqueça e procure ser feliz com outra pessoa. O amor conquista-se, não se compra, por muito dinheiro que o amigo tenha. Já viveu grande parte da vida, preso a más recordações e a sentimentos de vingança. Liberte o coração de rancores e permita-se ser feliz.
-Obrigado, muito obrigado por me ter escutado, Padre. Acredite que me sinto bem melhor agora do que quando aqui entrei.
-Volte quando quiser. Estou sempre por aqui e estarei pronto a escutá-lo quando sentir necessidade de falar com alguém.
Estendeu-lhe a mão, que António apertou calorosamente, sentindo que mais do que um padre, tinha encontrado um amigo.
Saiu da Igreja e dirigiu-se ao carro, pensando que o sacerdote tinha razão. Aquela vingança não tinha sentido.
Pôs o carro em movimento, mas em vez de se dirigir à empresa, foi direto para casa. Precisava meditar sobre o que acontecera naquele dia e por as ideias em ordem.