Emocionada, sentindo as lágrimas prestes a escapar-se,
Helena ouvia Gonçalo falar do acidente, dos muitos dias em que estivera em
coma, dos meses de recuperação no hospital de Braga, da perda de memória, das
dezenas de exames e das muitas consultas com neurologistas, psiquiatras,
psicólogos e fisioterapeutas. Do ano
perdido na faculdade, da tristeza que o acometera por causa da amnésia.
-Eu desesperava-me por não me recordar de nada. O meu telemóvel ou se perdera, ou ficara destruído no acidente, mas eu nem sequer me lembrava de que tinha tido um telemóvel. Um dia meu pai levou-me um novo, eu podia precisar pedir alguma coisa para eles levarem na hora da visita. Mas ele não lembrara de pedir o número antigo e eu não estava capaz de pensar em nada.
Meus
pais e minha irmã visitavam-me todos os dias, levavam—me cds, livros, mas eu
tinha perdido o interesse por tudo e não queria ver ninguém além deles. Aos
poucos eu fora recuperando a memória, mas há uma parte que ficou esquecida
talvez quem sabe se para sempre.
Helena não se atrevia a interrompê-lo. Ele estava pálido,
tinha o olhar perdido, o maxilar apertado e a testa perlada de suor.
-Quando quase oito meses depois do acidente regressei a casa, muitos dos amigos de infância e da faculdade foram ver-me. Não tinha contado à família que havia uma lacuna na minha memória e também não o contei aos meus amigos.
Um dia um deles, perguntou-me se eu continuava a namorar “aquela jovem”. Quem? – perguntei. “desculpa ainda estou meio atordoado com o que me aconteceu” desculpei-me. E ele então continuou a falar. Segundo o que ele disse apercebi-me que teria passado férias com ele e mais dois amigos no Algarve com era habitual há uns anos. Teria conhecido uma jovem e vivido uma história de amor esquecendo-me por completo deles.
Eu ter-lhes-ia garantido uns dias antes do acidente, que ia casar com essa jovem. Nem me recordo o que lhe respondi, ensimesmado com a nova descoberta. Quem seria aquela jovem? Onde estaria? Teria eu contado alguma coisa aos meus pais, ou à minha irmã?
Laura a
minha irmã é pouco mais nova do que eu e sempre fomos muito unidos. Então
decerto eu teria feito confidências. Então num momento em que estávamos sós, perguntei:
“Alguém avisou a minha namorada?” Ela olhou-me admirada e respondeu: “Como
podíamos fazê-lo se não a conhecíamos, não tínhamos qualquer contacto, e nestes
meses nunca falaste nela, nem pediste para a avisar? Se queres que a avise
agora, dá-me o seu contacto” “Não tem importância” - respondi.
Portanto era verdade. Todavia eu não queria que eles soubessem como estava a minha cabeça. Já me bastavam os médicos. Mas a partir daí, nunca mais me cruzei com mulher alguma, sem pensar, se era aquela a mulher que eu jurara ser a mulher da minha vida. No ano seguinte, terminei o meu curso de medicina.
Tinha sonhado especializar-me em cirurgia, mas desisti, porque continuo com pesadelos do acidente e por vezes durante o dia sofro palpitações e flashbacks do acidente que me deixam momentaneamente paralisado. Não dura muito, apenas alguns segundos, mas no bloco operatório, seria tempo mais que suficiente para acabar com a vida de um doente. Não podia arriscar.
14 comentários:
Uma branca total que afinal explica tanta coisa.
A passar por cá para acompanhar o desenrolar da história.
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Passando, lendo, acompanhando a Estória.
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Cumprimentos poéticos
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Bom dia
Reações ???
JR
Hoje, o papel principal foi dele. E amanhã? Será a vez dela abrir o rol de memórias que guardou durante todo este tempo? Ou vai ser o contacto do corpo dela que o vai despertar?
Muitas perguntas, vou esperar pelas respostas!
Mais um excelente capitulo.
Um abraço e continuação de uma boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Que fará ela com esta informação?
Bom dia, Elvira
E É ASSIM QUE A PROTGONISTA DESCOBRE QUÃO ENGANADA ESTAVA ACERCA CARÁTER DO PAI DA SUA FILHA...
FORTE ABRAÇO, ELVIRA!
Acompanhando e gostando! beijos, tudo e bom,chica
Boa tarde Elvira,
Um excelente capítulo em que a Elvira foi brilhante na forma como descreveu todo o drama de Gonçalo.
Adorei!
Um beijinho e saúde.
Ailime
A falar é que as pessoas se entendem. Gonçalo falou, Helena escutou! De certeza não irá contrariar a sua vontade?
Tenha uma boa tarde amiga Elvira. Um abraço.
E agora, o que faz a Helena com esta informação?
Só vou saber na sexta-feira, claro!
Belo capítulo Elvira, e muito bem escrito.
Beijo.
Será que este começar de novo vai ficar para depois da Páscoa? Mãe e filha ainda vão para a aldeia?
Voltarei para acompanhar...
Um abraço e continuação de boa semana.
Imagino - só imagino - como ficou apertadinho o coração da nossa personagem Lena. Um milhão de sentimentos e tristeza que não vão ser fáceis de digerir, depois de tanto tempo a pensar ter sido deliberadamente esquecida.
Um abraço e muita saúde.
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