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12.10.14

ROSA PARTE III


No invólucro da Rosa mulher, que era a sua figura, vivia uma inocente menina que nada sabia da vida, nem dos maus instintos de alguns homens. Talvez por isso não se assustasse, nem pensasse em fugir, quando no Domingo seguinte os dois rapazes, apareceram lá no monte onde ela passava as tardes com o gado. De resto tinha-os visto na desfolhada, não eram totalmente estranhos.
Chegaram de mansinho, como quem não tem pressa, e, de súbito, um segurou-lhe os braços e o outro meteu-lhe a mão entre o corpete e apalpou-lhe um seio. Aterrorizada, lutava para se desenvencilhar e quanto mais lutava, mais eles riam. Atiraram-na ao chão, levantaram-lhe a saia e rasgaram-lhe as cuecas. Ela continuava a gritar e a estrebuchar, mas de nada lhe valeu. De repente, sentiu-se esmagada sob o peso do corpo masculino e a dor fê-la gritar ao sentir o seu corpo rasgado pelo alarve desejo do homem. A dor, a raiva, a humilhação foi tanta que a pobre quase desmaiou. Mas não teve essa sorte. E teve de suportar não só a dor física, como o resfolegar do homem e o bafo quente do segundo homem que se apossou dela mal o primeiro a deixou. Rosa sentia-se morta, nem força tinha já para protestar. Nem disse nada quando os dois a ameaçaram, que davam cabo dela, se  contasse a alguém o que lhe tinham feito, antes de abalarem rindo em direção à aldeia. Ao Domingo, o Zé Rato, sempre ia tocar a sua concertina para o adro da igreja, onde se fazia um bailarico, e foi para lá que eles se dirigiram.
Rosa, não sabia, por quanto tempo ficara ali descomposta, deitada sobre a relva. Teriam passado alguns minutos, que lhe pareceram horas, quando a custo se levantou, o corpo e a alma destruídos. Agarrou no que restava das cuecas,  e limpou-se como pôde.  Depois ajoelhou e com as mãos cavou um buraco, onde as enterrou.
Levantou-se, pegou no bordão e começou a tocar as ovelhas para o curral. Não chorava. O seu desespero era como fogo que lhe devorava as entranhas.
Assustou-se a avó, com a sua entrada em casa. Primeiro, porque costumava chegar mais tarde, segundo porque o seu aspeto era por demais estranho. Trazia o cabelo e as roupas desalinhadas, e os olhos orlados por grandes círculos roxos, encontravam-se vidrados. Pela experiência, que lhe davam os muitos anos de vida, a avó soube imediatamente o que tinha acontecido à sua menina. Pôs uma panela de água ao lume, foi buscar o alguidar de zinco, despejou-lhe um cântaro de água fria. Enquanto a água não fervia, foi buscar uma combinação da neta e um lençol velhinho mas limpo. Depois, com as mãos trementes, tirou-lhe o vestido e não pode deixar de reparar nas manchas sanguinolentas nas coxas, nem nas manchas roxas num dos seios. Despejou o tacho da água a ferver no alguidar, já mais de meio de água fria, experimentou a temperatura e agarrando na mão da neta disse:
- Vem. Não podemos lavar a alma, mas o corpo sim. Vais sentir-te um pouco melhor.
Ajudou-a a meter-se no alguidar e deu-lhe banho como se ela fosse uma criança. Depois, com imenso carinho, enrolou-a no lençol, enxugou-a  e enfiou-lhe a combinação de estopa grosseira. E ajudou-a a, a deitar-se na cama.
Rosa não chorara nem dissera uma única palavra desde que chegara a casa e a velha senhora começava a assustar-se.



Continua na próxima terça.
As minhas desculpas pela dureza do capítulo.
Bom fim de semana 

28 comentários:

Lilá(s) disse...

Duro sim mas, bonito!
Bjs

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Meu Deus...Coitada da Rosa...Nem um bicho merece passar por momento tão terrível!
Fico no aguardo Elvira, para a continuação dessa bonita e triste história.
Abraços de uma boa noite!
Mariangela

lis disse...

É doído demais quando lemos casos como esses Elvira e ainda hoje acontece,por mais que não queiramos acreditar.
Uma selvageria !É a força bruta que a maioria das mulheres não consegue vencer.São vencidas, caladas e muitas vezes ainda sentem-se culpadas.
Está no ponto certo,nada a desculpar.
Muito bem descrito, forte _ com toda a emoção feminina que sabe bem imprimir.
Parabéns,
abraços

Lua Singular disse...

Ai! Que dor!
Doeu até minha alma, se fosse com minha filha eu capava os dois sem dó e piedade.
Desculpe, mas eu faria mesmo.
Beijos no coração
Lua Singular

Unknown disse...

Estou sem palavras como essa jovem.
Um silêncio que me rasga de dor.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

muito dorido...e triste, muito triste.

o que me mais me incomoda é que pode ser ficção, e eu acho que não é.

:(

chica disse...

Agora em casa, consegui ler com calma os capítulos anteriores para bem poder acompanhar. Lindo conto e duro, sim, mas a doçura do gesto da avó, linda!!! Um banho reconfortante depois de tudo acontecido!1 bjs, lindo fds! chicva

Edum@nes disse...

Pelos espinhos da roseira não picados,
as pétalas da Rosa machucaram
pousados, nela, dois abutres esfaimados
nela e onde quiseram à vontade picaram!

Desprendida da mãe roseira uma rosa,
ainda em botão, no campo desprotegida
amiga Elvira, essa sua bem escrita prosa
da Rosa menina violada, história comovida!

Desejo-lhe um bom fim de semana amiga Elvira, um abraço.
Eduardo

António Querido disse...

Infelizmente são cenas verdadeiras, em que quase sempre o sexo feminino é a personagem principal, vítimas de verdadeiros monstros à solta!
O mais grave é que as leis não permitem acabar com eles e ainda mais grave é que depois das investigações se descobre que são amigos, ou ligados à família.
Tenha um bom fim de semana!

Emília Pinto disse...

Cheguei atrasada, mas isso não impediu que lesse tudo. Não esperava que acontecesse isso à Rosa, mas tenho esperanças de que supere e encontre a paz e a felicidade. É um capítulo duro, de facto, mas real; infelizmente acontecem muitos desses casos e na maior parte deles não existe uma avó carinhosa que tente a todo o custo diminuir o sofrimento causado. Voltarei para saber da Rosa. Um bom fim de semana, Elvira. Um beijinhos e até breve.
Emília

Lu Nogfer disse...

Uma historia dura e triste mas super bem escrita, logo, nao precisa se desculpar, Elvira. Pois é uma honra poder contemplar o seu grande talento!
Espero que tudo termine bem com Rosa!

Um abraço!

Nilson Barcelli disse...

A violação é uma coisa muito nojenta e os seus autores são seres desprezíveis.
Um capítulo bem realista.
Tem um bom fim de semana, querida amiga
Beijo.

José Carlos Sant Anna disse...

Vigorosa narrativa, Elvira. Um fragmento de uma realidade cruel que ainda abate famílias. Uma ficção tão verossímil que a dor da neta e avó nos pegam em cheio. Parabéns!

Andre Mansim disse...

Puxa... A Rosa tá sofrendo, mas a avó vai cuidar dela.

Belo terceiro capítulo.

Anónimo disse...

Da ficção para a realidade... do nosso País, em nome de muitas Rosas.

Tudo de bom.



BeatriceMar disse...

forte e triste...

Olinda Melo disse...


Um desfecho triste para a menina pastora, que ainda nem tinha despertado para a vida. Mas, infelizmente, casos destes acontecem com tanta frequência que nos perguntamos se depois tantos anos de civilização ainda não se aprendeu nada...

Amiga Elvira:

O problema no meu computador já está resolvido. Era tão sério que cheguei a pensar que nunca mais me veria livre daquilo.

Muito obrigada pela sua ajuda.

Bom domingo.

Bjs

Olinda

Existe Sempre Um Lugar disse...

Boa tarde, a cobardia sempre houve e continua nos tempos atuais de uma forma ainda mais violenta, será que algum dia vai parar?.
AG

http://momentosagomes-ag.blogspot.pt/

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

É muito dura e crua a natureza do texto. E ainda o é mais ao adivinhar-se que por detrás dele haverá um fundo de verdade...

Boa semana e um abraço.
Vitor

Lua Singular disse...

Oi Elvira,
Senti muita raiva com alguns trechos do seu conto, comigo eles iriam pagar no mesmo dia.
Uma pessoa que faz isso merece quando morrer um lugar pior que o inferno, pois o inferno é na Terra.
Beijos no coração
Lua Singular

lourdes disse...

Antigamente aconteciam muitos casos destes. Hoje são mais raros, embora ainda aconteçam.
Vamos ver o que vai acontecer agora à Rosa.

Lua Singular disse...

Oi Elvira,
Passando para agradecer o carinho das suas palavras na minha poesia na mostragem poética do Viviani.
Um lindo dia!
Beijos no coração
Lua Singular

Fernando Santos (Chana) disse...

Espectacular....

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Quando eu era mocinha lia as histórias de santas, mártires, e a que mais me impressionava era a de Santa Maria Goretti. Lendo agora esse capítulo tão dramático, de tanta violência, veio-me à mente a vida daquela jovem que foi violentada. Pobre Roaa! Pobres mulheres que passam por dramas assim...

Berço do Mundo disse...

Caramba, não estava à espera desta. Um capítulo muito cruel, tem razão. Mas este mundo em que vivemos nem sempre é luminoso. Espero que denunciem esses criminosos.
Beijinhos
Ruthia

RENATA CORDEIRO disse...

Há crimes que são mais terríveis que os outros. Muito bem escrito.
Beijo*

Zilani Célia disse...

OI ELVIRA!
UMA HISTÓRIA TRISTE QUE AINDA SE VÊ NOS DIAS ATUAIS.
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EXISTE DESDE QUE O MUNDO É MUNDO, FIQUEI COM MUITA PENA DA ROSA, NINGUÉM MERECE.
ABRÇS

http://zilanicelia.blogspot.com.br/

Isamar disse...

Dói-nos a alma,o coração, tudo com a leitura deste episódio. Há muita gente cruel capaz de cometer as maiores atrocidades e gente boa que parece vir predestinada para sofrer. É o caso da Rosa. Gostei muito. Beijinhos