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3.10.14

ROSA PARTE I



Obra licenciada pelo IGAC

nº 1283


Olhou-se uma vez mais no velho espelho do desconjuntado armário. Não se reconhecia naquela estranha de grandes olhos negros que a olhavam com um misto de pena e desespero, na imagem que o espelho lhe devolvia. Sentia-se cansada e sem vontade de nada. Era como se dentro daquele corpo não habitasse ninguém. E se habitava não era ela. Ela ficara lá longe, na sua aldeia, muitos anos atrás. Quem sabe, andava lá pelo monte da Landeira, pastoreando as ovelhas.
Como era feliz nessa altura! Por que é que estamos sempre desejando mais do que aquilo que temos e lastimando a nossa infelicidade, para depois chegarmos à conclusão que aquela era afinal a felicidade?
Ela fora uma miúda normal numa aldeia do interior, maioritariamente povoada por gente pobre. Tivera uma infância exatamente igual à das outras meninas na aldeia. Só com a diferença que nunca conheceu o pai. Mas nem nisso era muito original, já que havia na aldeia, mais duas ou três meninas que ela pensava que eram suas irmãs, porque eram filhas do mesmo pai. Sim porque ela sabia que o seu pai se chamava “ pai incógnito” e o pai dessas meninas também se chamava assim. Um dia, a avó explicou-lhe que “pai incógnito” significava que ninguém sabia quem era o seu pai. Não era nome de gente. Rosa ficou espantada. Como era possível? Não sabiam quem era o pai? Não era da aldeia? Então e as outras meninas? Também não sabiam quem era o pai? Então se calhar eram mesmo irmãs. Que não, tornou a avó. Eram filhas de outro pai. Ela não percebia. Então se não sabiam quem era como é que sabiam que não era o mesmo? Mais tarde, quando fora para a escola, atreveu-se a perguntar à professora e esta fizera-lhe entender o mistério. Ela gostava da escola. Como gostava! Os livros contavam cada história! Infelizmente, quando tinha oito anos, a mãe morreu e ela ficou sozinha com a velha avó. A vida que lá em casa já não era fácil, piorou drasticamente. Teve que deixar a escola.
O Sr. António era o homem mais rico da aldeia. Tinha terras, bois, vacas, cabras e ovelhas. Vivia numa casa grande, feita de grandes blocos de granito, e diziam os que já lá tinham entrado, por dentro parecia um palácio. A avó conseguiu que ela fosse trabalhar para lá como guardadora do rebanho. Foi um pedido feito à Ti‟Zefa, a criada do Sr. António. Ganhava um dinheirito, pouco, no fim do mês, mas tinha a barriga cheia, pois segundo se dizia era casa farta. E assim a avó sempre ficava mais descansada. Ela, a avó, sempre conseguia um prato de sopa a troco de algum trabalho. Era exímia a cerzir e as vizinhas tinham sempre o bibe dum filho ou a camisa do marido com um rasgão a pedir a sua intervenção.




Continua



Nota: Este conto foi publicado há cerca de 4 anos. Porque na altura ainda não o tinha registado, retirei-o do blogue logo após a publicação.
Agora que são poucos os leitores dessa época, resolvi voltar a publicá-lo.
Sinceramente espero que vos agrade e me desculpem se algum capítulo ferir a vossa sensibilidade.
Excepcionalmente sai hoje o primeiro capítulo, as próximas postagens sairão às Terças e Sextas, para que tenha tempo de vos visitar e ler as vossas publicações já que para a semana recomeçam as aulas e o meu tempo diminui muito.

34 comentários:

chica disse...

Consegui um pouco de internet que me permitiu te ler! Lindo, vamos acompanhar SEMPRE que der...bjs praianos, chica( Obrigadão pelos carinhos)

Edum@nes disse...

Lá no campo as ovelhas...
a Rosa pastoreando elas
menina tem cuidado com as abelhas
pousadas nas noutras rosas amarelas.

Essa história, da Rosa, poderá ou não ser verdadeira, mas acredito que o seja. Era assim, no antigamente, lá nas aldeias, que acontecia. Uma vida quase sem futuro, que obrigava muitas jovens e jovens a procurarem outros horizontes, que às vezes não eram bem aqueles que desejava que fossem!

Tenha um bom dia amiga Elvira, um abraço.
Eduardo.

Lua Singular disse...

Oi Elvira
Lá vem outro conto que promete.
Eu adoro os seus contos, pois é uma ótima contista.
Beijos no coração
Lua Singular

Teresa Brum disse...

Cara amiga Elvira, vou acompnahr sim, não sou portuguesa, mas tenho sangue portugues, meu avô nasceu em Lisboa, não o conheci, morreu quando mamãe era pequena, mas sei das histórias que vovò contava dele.
Estarei sempre aqui lendo vc maiga querida.
Um abraço e fique com Deus sempre.

Anne Lieri disse...

Elvira,começou bem interessante e sofrida a história da Rosa. Vou aguardar os próximos capítulos. bjs,

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Boa tarde Elvira!
Com certeza será uma belíssima história!
Abraços!
Mariangela

Zé Povinho disse...

O meu forte não é a memória e não me recordo da trama que devo ter lido no passado, mas vou seguir com atenção...
Abraço do Zé

Unknown disse...

A vida é dura e muitos dia o pão sabe a suor e sangue.
Muitas meninas e meninos se viram forçados a trabalhar por um naco de pão.

Lilá(s) disse...

Acho que ainda sou do tempo deste conto mas, vai ser bom voltar a ler.
Bjs

Zilani Célia disse...

OI ELVIRA!
CÁ ESTOU, COM MUITO PRAZER POIS, SABES QUE SOU TUA LEITORA FIEL E QUE ADORO TEUS CONTOS.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/

Emília Pinto disse...

E cá estou eu, Elvira, para acompanhar desde o início este conto que muito me diz. Nasci e vivi numa aldeia até ao casamento. Conheci muitas Rosas filhas de pais incógnitos e que se viam obrigadas a ir " servir " para casas abastadas, porque a fome era muita na casa da mãe. Eram novinhas ainda, muitas sem terem completado a quarta classe e com muitas dificuldades em completá-la porque o trabalho era muito. Tempos difíceis aqueles, amiga. Muitas dessas Rosas hoje estão bem , mas algumas delas não conseguiram esquecer aquela infância de trabalho em casa de patrões que nem sempre as respeitavam como seres humanos; havia de tudo, mas algumas eram verdadeiras escravas. Um beijinho, querida amiga e obrigada por me levares aqueles tempos em que muitas vezes me senti priviligiada, apesar de ser filha de um taxista de aldeia que a única coisa que desejava era conseguir dar um curso aos filhos; lutou muito, mas conseguiu. Cá estarei para acompanhar a vida desta Rosa. Beijinhos e...parabéns pela capacidade que tens de nos encantar com as tuas histórias.
Emília

António Querido disse...

ADOREI!
Estes contos fazem-me recuar no tempo, logo, espero acompanhar os próximos capítulos.
Com o meu abraço

Existe Sempre Um Lugar disse...

Boa tarde, mais uma vez reflecte a mulher, infelizmente assim continua nos tempos de hoje, pelas aldeias do interior ainda se encontras mulheres sofridas, como a rosa do seu belo conto.
AG
http://momentosagomes-ag.blogspot.pt/

lis disse...

Tomara eu lembre de voltar Elvira porque estou adorando essa safra de contos seus, e as vezes me distraio um pouco e quando vejo lá se foram muitos capítulos _ tento não deixar o famoso 'tempo' me privar de boas leituras ,nem sempre consigo.
Tomara também a Rosa se dê bem nesse emprego de 'guardadora do rebanho' , queria muito um emprego destes ! deve ser bom conviver com as ovelhas e carneiros ... rs
um abraço Elvira _ fique bem!

vendedor de ilusão disse...

Como sempre me encanta ler teus Contos e não quero perder nenhum dos próximos trechos deste fabuloso Conto, que aguçou minha curiosidade; gostaria saber no que vai dar a vida da coitada moça - Rosa que, além de não saber quem era o pai, pobre e necitada como era, teve que abandonar a escola da aldeia para junto da, não menos coitada, avozinha trabalhar...
Logo estou de volta, um bom fim de semana.

Lua Singular disse...

Oi Elvira
Passando para lhe desejar um ótimo fim de semana.
Beijos
Lua Singular

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

Histórias do antigamente.De tempos difíceis, e mesmo de crua miséria - como a desta Rosa, que apenas quer sobreviver...

Um abraço, e cá ficamos à espera.
Vitor

esteban lob disse...

Vale la pena volver a publicarlo, tras esos 4 años, amiga Elvira.

Lu Nogfer disse...

Olá Elvira,

Belíssimo enredo!
Vamos ver como termina pois que promete, promete...

Um abraço.

lourdes disse...

Vamos então acompanhar o desenrolar da vida da Rosa.
Bjs

RENATA CORDEIRO disse...

Acompanharei a vida da sofrida Rosa neste belo conto.
Beijo*
Renata

AC disse...

Elvira,
Passei por aqui para, principalmente, lhe deixar um beijinho. Em breve passarei com mais tempo, que a história da Rosa promete.

Beijo :)

Berço do Mundo disse...

Ansiosa para saber os desenvolvimentos da história. Gostei particularmente da parte dos "pais incógnitos"... irmãs pelo menos na miséria.
Beijinho, uma linda semana
Ruthia d'O Berço do Mundo

paideleo disse...

Simpático o detalle do pai incógnito.

rosa-branca disse...

Olá amiga Elvira, tenho estado um pouco afastado dos amigos, mas aos poucos cá vou passando. Adorei a primeira parte deste seu conto e cá fico em pulgas para ver a continuação. Beijos com carinho

Bell disse...

Eu acho que tem coisa tão dura para uma criança viver e ouvir, e é a realidade =/

bjokas =)

Nilson Barcelli disse...

Não me lembro se li este conto na altura. De qualquer modo, foi como se fosse a primeira vez. A não ser que a segunda parte tenha algum facto que me avive a memória.
E gostei, venha o resto...
Boa semana, querida amiga Elvira.
Beijo.

São disse...

Esperando a continuação...

Bons sonhos

Olinda Melo disse...

Rosa, minha amiga Rosa! :) Lembrei-me agora do romance de Alice Vieira, mas que em vez de amiga é irmã...

Começa este conto de um modo que dá logo vontade de continuar a lê-lo.

Obrigada por me ter proporcionado esta leitura.

Voltarei para ir relendo.

Outra coisa, Elvira.

O Xailedeseda tem estado a ser invadido por publicidade, de uma forma agressiva, na área de trabalho dificultando-me até a publicação dos comentários. Quando accionei agora, aqui, o comentário vi que também apareceram publicidades do género que me tem aparecido. Será que é um ataque geral aos blogues?

Se alguém estiver a passar pelo mesmo, por favor, diga-me alguma coisa. Obrigada.

Bj

Olinda

Olinda Melo disse...


Está a ver a hiperligação que se estabeleceu? Este é um dos problemas em relação a algumas palavras...

Se reparar, em alguns dos outros comentários também aconteceu o mesmo.

Olinda

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Oi Elvira, infelizmente essa é a realidade de tantas pessoas que moram nas roças. Mas de todo mal se tira um bem!
Obrigada pelos comentários no meu blog e no Prosas Poéticas!
Abraços, e uma bela tarde.
Mariangela

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Tive que que vir ler essa primeira parte, para pegar o "fio da meada".
Já comecei a gostar pelo nome: Rosa!
Era o nome daminha avozinha paterna. Vou lá, ler os outras partes, que está bem interessante.
Um abraço!

Sónia Micaelo disse...

Vim pegar o conto desde o inicio, Elvira. Gosto muito da sua forma de contar e encantar, até com histórias de vida mais sofridas.

Vou ler as outras partes agora.

Deixo um abraço.

Isamar disse...

Já conheço o conto mas foi com muito gosto que reli este episódio e irei relendo todos os outros e deixando um comentário. O problema que relatas, do tempo da outra senhora, não era tão invulgar quanto algumas pessoas possam pensar. Felizmente foi ultrapassado e hoje a situação já não se regista. Porém,como a massa humana é imperfeita, haverá sempre maus pais e filhos infelizes que não recebam o carinho e a protecção daqueles que são os seus progenitores e que têm a obrigação de o fazer. Gostei muito do texto! Beijinhos