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3.6.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXXVI



Janeiro de 57 trás o chamamento de um dos cunhados do Manuel para a tropa.  O outro arranjara trabalho numa vacaria na quinta do Himalaia e só vinha dormir a casa. Os filhos do Manuel, já andavam os três na escola da Telha.  A mais velha com 10 anos cuidava dos dois mais novos.   Nesse inicio de 57, o António foi para a tropa para a Trafaria. Uns meses antes fora às sortes, e como ficara apurado o Manuel achou que era altura de o levar à  “desobriga”. Caramba o rapaz não havia de ir para a tropa antes de ser homem. Então um dia levou-o a Lisboa, a uma casa que conhecia bem dos seus tempos de solteiro e entregou-o aos cuidados duma experiente “menina”.  A “dama do pente verde” escolhida pelo próprio jovem, quando a dona da tal casa, posta ao corrente do que o Manuel pretendia,  chamou à sua presença algumas jovens.
Era o tempo em que os estudantes se manifestavam em massa , contra a interdição das Associações dos estudantes, obrigando o governo a anular o decreto lei.
Em Fevereiro  na sede da PIDE  no Porto, é torturado até à morte Joaquim Lemos de Oliveira, trabalhador de Fafe e militante do PCP.
No dia seguinte chega a Portugal a rainha Isabel para uma visita de 4 dias. Na altura o exercito português não tinha lá grandes condições. Os soldados usavam botas demasiado grandes, as fardas tinham que as levar à costureira para um monte de arranjos, etc. De modo que aproveitando a visita da rainha alguém mais "engenhoso" pôs a circular a seguinte anedota. "Na parada em honra à rainha, Salazar querendo impressionar sua alteza, espetou a ponta da sua espada na bota de um soldado que se manteve firme e hirto sem pestanejar. No final da visita, a Rainha pediu para falar com o soldado e quando o teve na sua frente quis saber como ele se aguentara na parada, pois devia estar com enorme dor no pé. Resposta do militar. Saiba V. Excia, que sou soldado português. Calço o 39, deram-me o 43" Na seca os dias corriam na mesma rotina de outros anos e a safra estava quase a acabar. Os pesqueiros preparavam o stock de sal e de mantimentos para a partida que se faria nos primeiros dias de Março.  E em Lisboa a azáfama era grande para o começo regular das emissões de televisão que iriam começar também nos primeiros dias de Março. Manuel ouvira falar duma caixinha mágica que iria mostrar as pessoas dentro dela.  A ele que nem um rádio tinha, fazia-lhe grande confusão e nem acreditava muito nisso. Ver para crer costumava dizer.
A primeira notícia que ele ouviu em Março, nada tinha a ver com a TV. Contou-lha o cunhado Zé Varandas que a ouvira a um trabalhador da CUF. Manuel da Silva Júnior, um trabalhador de Viana do Castelo, fora torturado até à morte pela PIDE. Salazar mantinha o país preso pelo medo imposto por esta polícia ao mesmo tempo em que se fazia correr o boato de que Portugal iria passar de novo a monarquia quando ele abandonasse o poder. 
Por essa altura começam a ser julgados no Porto, 52 elementos da Unidade Democrática Juvenil, enquanto 72 advogados de Lisboa Porto e Coimbra protestam contra a prática da tortura pela PIDE e reclamam do Ministério a abertura de um inquérito.

A todos desejo um excelente Domingo.
Esta história volta dia 7.
 

31 comentários:

Unknown disse...

Gostei dessa da desobriga. Aqui também se falava nisso. Parecia uma linguagem codificada para não chocar sensibilidades.

Muitos já estavam desobrigados desde tenra idade...

As políticas de Salazar e seus colaboradores iam fechando o país cada vez mais.

manuela barroso disse...

A história vai -se aproximando mais do desfecho, penso, conforme a atualidade.
Um trabalho enorme e super bem feito Elivira.
Bom domingo
e
um grande abraço

vendedor de ilusão disse...

Olá, bom dia!
Vim lhe visitar e, além de saber das novidades, lhe desejar um ótimo domingo e uma semana proveitosa, plena de realizações, com muita paz, alegria e felicidade.

Anónimo disse...

Ás vezes é trste a "nossa" sina. O tempo vai passando e algumas coisas mudando. Ainda bem.

Tudo de bom.

Unknown disse...

Gosto desses seus textos em forma de apanhados históricos. É verdade que a PIDE foi horrível, mas foi tão horrível como o KGB soviético. Portanto isso é algo podre que não tem posição política.

Olinda Melo disse...

Olá, Elvira

Com a história mais perto de nós tanto no espaço temporal como em termos de recordações nossas ou de familiares.
A'desobriga', interessante, não conhecia esse termo. :)

Bom resto de domingo.

Bj

Olinda

Emília Pinto disse...

Hoje a tua história fez-me rir, Elvira. Sabia que era costume levarem os jovens às prostitutas para se tornarem homens, mas não conhecia esse desobriga; achei graça. Também me ri com a história das botas, pois não eram só os soldados que tinham de comprar os nºs maiores; quando eramos crianças os nossos pais compravam sempre o nosso calçado bastante folgado para servir muito tempo; quando deixava de sair dos pés já estavam rotos; naquele tempo andavamos sempre com os mesmos até rasgarem. Tempos difíceis esses!! Muito interessante, Elvira, como sempre. Um beijinho e uma excelente semana
Emília

Andre Mansim disse...

Muito bom mais uma vez Elvira!
Não sei se já te falei, mas tem um livro que se chama "o tempo e o vento" ele conta a saga de uma familia, eu acho que vc iria gostar muito de ler.
Ele existe também dividido em outros livros que formam a saga. Procure aí, quem escreveu é Erico Verissimo.

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Elvira, tempos difíceis estes.

Boa semana

Bjos

Rui Pires - Olhar d'Ouro disse...

Bela história e a foto... adorei!!!

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Oi Elvira!
Passei aqui para ver mais um desfecho da sua história e gostei muito!
Abraços de boa semana!
Mariangela

Celina disse...

OI ELVIRA UM BOM DIA, GOSTO MUITO DE LER E APRENDER UM POUCO DE HISTORIA E TÚ NOS PROPORCIONA,VEJO QUE OS COSTUMES SÃO PARECIDOS , AQÍ ANTIGAMENTE OS PAIS TINHAM ESSA IMCUBENCIA DE LEVAR OS FILHOS PARA VIRAREM HOMENS SERVIA TAMBEM DE TESTE PARA VER SE O FILHO ERA HOMEM. MESMO, ELVIEA AGRADEÇO A TUA VISITA, UM ABRAÇO FRATERNO CELINA

Maria disse...

Querida Elvirinha:
Fartei-me de rir, por causa da desobriga.
O resto da história, entusiasmante como sempre.
Continua, com o mesmo entusiasmo. Eu vou ler, com o mesmo interesse.
Beijinho
Maria

Zé Povinho disse...

Porque os tempos da repressão e da intromissão na vida privada estão de volta, é bom recordar que deviam ter ficado esquecidos na época retratada.
Abraço do Zé

Duarte disse...

Quatro letras que davam medo.
No "diário da B5", um libro que me deixo marcas profundas, também me serviu para ver a crueldade dum regime.
Fazes bem em divulgar estes feitos.
Abraços de vida

Luis Eme disse...

não me lembro de ouvir a expressão "desobriga", Elvira.

estamos sempre a aprender.

abraço

DE-PROPOSITO disse...

Um texto que lembra coisas que não deviam ter aontecido.
Felicidades.
Manuel

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

Este será certamente o capítulo com mais peripécias divertidas, como essa de chamar desobriga à ida até à casa das meninas, como forma de assinalar a entrada na idade adulta.
Mas muitas outras coisas aconteceram neste período de tempo,e a maioria delas de triste memória, como nesses casos terríveis com a Pide toda poderosa,neste encadeado de factos aqui muito bem relatados.
Um prazer seguir este relato - como sempre.

Abraço amigo

Vitor

Edum@nes disse...

Antes de ir para a tropa
Foi à "desobriga!"
Tinha que ser homem caramba
Lá se entregou nos braços de uma menina!

Os tempos eram outros
Melhores ou piores já não sei
Haviam muitos marotos
Por causa da miséria descalço andei!

Amiga Elvira, quanto ao seu comentário deixado em meu blog, achei muita graça, e por muita verdade dizer.
Português mesmo sem sorte
Sempre muita sorte ter,
Mesmo se vivo não ficar
Foi melhor ter morrido
para ficar a sofrer!

Continuação de boa semana para você, amiga Elvira,
Um beijinho
Eduardo.

Leninha Brandão disse...

Amiga Elvira,

Em primeiro lugar quero parabenizá-la pelo excelente trabalho de pesquisa e pelo teu empenho em nos mostrar a realidade dos fatos ocorridos.
Em segundo lugar,agradecer-te pelos comentários sempre tão carinhosos e benvindos.
Escreves muito bom e relatas os fatos históricos com perfeiçào.

Bjssssssss,
Leninha

Mar Arável disse...

Mais uma excelente viagem

pela memória

rosa-branca disse...

Olá amiga, gostei do texto como sempre. Beijos com carinho

Teté disse...

E hoje essas mortes às mãos da PIDE são caladas, por vezes até ignoradas ou apelidadas de caluniosas, como se esses esbirros do regime fossem uns meninos do coro. A memória do povo é curta, que ainda há quem diga que esses tempos é que eram bons. Bom era a idade que tínhamos e todos os sonhos e esperanças num mundo melhor... :)

Beijocas!

Paulo Cesar PC disse...

A cada narrativa, um aprendizado e, uma doce viagem, que tão bem nos oferece. Um beijo no seu coração.

Kim disse...

As "sortes" do António e a "desobriga" do mesmo eram chapa cinco, naquela época.
Salazar não se enganou muito. Hoje estamos já a ser governados pela monarquia daqueles que ostentam o rei na barriga. Está escondido mas está lá.
Um beijinho Elvia

Lilá(s) disse...

Mais um excelente texto! como sempre gostei imenso.
Bjs

Unknown disse...

Realmente hoje em dia este Portugal pós-abrilesco está muito melhor. A culpa deve ser da troika. :P

Beijinhos.

poetaeusou . . . disse...

*
amiga,
regredi aos anos sessenta,
imberbe,
ao Ginjal, que eu amo,
na outra margem . . .
margem sem margem . . .
á margem do Século XXI !
,
conchinhas da memória,
deixo,
*

vendedor de ilusão disse...

Olá Elvira, obrigado pela visita! Respondendo sua pergunta: os meus livros não são vendidos em Portugal, somente no Brasil, o que eu lamento! Entretanto, o lamento não apaga minha satisfação de saber que manifestou interesse em ler uma das minhas obras, o que me é lisonjeiro!
Um abraço e boa semana!

Tite disse...

Amiga Elvira,

Cá continuo a ler a saga do Manuel que eu sigo com avidez por, na minha infância não ter qualquer consciência política mas, lembro-me bem, vivi intensamente a visita da Rainha de Inglaterra e os alvores da Televisão em Portugal. A 1ª vi-a passar mesmo à frente do meu nariz na Av. da República, junto à esquina de Entre-Campos onde então residia. A mesma Rainha foi por mim revista nas televisões que as lojas de electrodomésticos resolveram ligar em grandiosa campanha de marketing sem que nós tenhamos tido essa consciência.

Vou continuar lendo

Isamar disse...

Um importante testemunho do Portugal de então. A ida à desobriga, que ouvi falar, era vulgar naqueles tempos e as casas onde esses encontros se processavam , pululavam por todo o país.O aparecimento da televisão, a caixinha mágica, quem não se lembra dela? Tanta magia!
E a PIDE sempre pronta a calar quem mostrava o seu descontentamento.Memória triste que não podemos esquecer. Gostei muito.

Beijinhos

Bem-hajas!