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6.5.12

FELIZ DIA DAS MÃES

Para todas as amigas que por aqui passam. Para aquelas que foram mães, e viram partir os seus filhos , para as que são mães e para as que um dia o serão. Dia das mães não é hoje. Dia das mães é desde o dia que toma conhecimento de que o vai ser até ao último suspiro de vida. Nesse intervalo fica toda a sua vida.
Para todas deixo aqui um dos textos mais belos que já li em toda a vida. Um pouco longo talvez mas vale a pena


ROSAS VERMELHAS
Nasci em Maio, o mês das rosas, diz-se. Talvez por isso eu fiz da rosa a minha flor, um símbolo, uma espécie de bandeira para mim mesmo.

E todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, no dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã (que foi a hora em que eu nasci), a minha mãe abria a porta do meu quarto, acordava-me com um beijo e colocava numa jarra um ramo de rosas vermelhas, sem palavras. Só as suas mãos, compondo as rosas, oficiavam nesse estranho silêncio cheio de ritos e ternura.

Nesse tempo o Sol nascia exactamente no meu quarto. Eu abria a janela. Em frente era o largo, a velha árvore do largo dos ciganos. Quando chegava o mês de Maio, eu abria a janela e ficava bêbado desse cheiro a fogueiras, carroças e ciganos. E respirava o ar de todas as viagens, da minha janela, capital do mundo, debruçado sobre o largo onde começavam todos os caminhos.

E tudo estava certo, nesse tempo, ou, pelo menos, nada tinha o sabor do irremediável. Nem mesmo a morte da minha tia. Por muito tempo ela ficou nos retratos e no jardim, bordando à sombra das magnólias, andando pela casa nos pequenos ruídos do dia-a-dia, até que, pouco a pouco, se foi confundindo com as muitas ausências que vinham sentar-se na cadeira, onde, dantes, minha tia se sentava.

E eu dormia poisado sobre a eternidade, como se tudo estivesse certo para sempre, eu dormia com muitos olhos, muitos gestos vigilantes sobre o meu sono. Por vezes tinha pesadelos, acordava, inquieto, a meio da noite, qualquer coisa parecia querer despedaçar-se e então exclamava:

- Mãe!

E logo essa voz, tão calma, entrava dentro de mim, mandava embora os fantasmas, e era de novo o meu quarto, a doce quentura da minha casa no cimo da ternura.

Não havia polícia nesse tempo. Ninguém roubaria a tranquilidade do meu sono, ninguém viria a meio da noite para me levar, porque bastava eu chamar:

- Mãe!E logo uma voz, tão calma, mandava embora os fantasmas. E era a paz, nesse tempo, em que todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, o dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã, a minha mãe abria a porta do meu quarto e colocava, religiosamente, um ramo de rosas vermelhas sobre a minha vida, nesse tempo, em que dormir, acordar, nascer, crescer, viver, morrer, eram um rito no rito das estações.

Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Por vezes, a meio da noite, um grito abalava as traves da minha cabeça, direi mesmo da minha vida, e eu acordava suado, dolorido, como se um rato (talvez o medo?) me roesse o estômago. E era inútil chamar. Onde ficara essa voz que dantes vinha repor o sono no seu lugar, repondo a paz dentro de mim? E as manhãs penduradas no mês de Maio, onde acordar era uma festa? Onde ficara a ternura? Onde ficara a minha vida?

Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Dormia – como direi? – acordado sobre cada minuto. Tinha aprendido o irremediável. Alguma coisa, dentro de mim, se despedaçara para sempre (para sempre? Que quer dizer para sempre?). Era inútil chamar. Tinha aprendido, fisicamente, a solidão. Embora na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse, como se fosse a voz longínqua do meu povo:

- Coragem!Eu estava, pela primeira vez, fisicamente só, dentro do meu sono povoado por esse grito que estalava por vezes as traves da minha cabeça (onde essa voz que mandava embora os fantasmas?).

E era terrível essa manhã sem manhã, essa realidade branca e gelada, toda feita de paredes, grades, perguntas, gritos. Mesmo que na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse:

- Bom dia!era terrível acordar nessa estreita paisagem com sete passos de comprimento por sete de largura, tão hostil, tão dolorosa como as regiões dos pesadelos. Porque acordar era ter a certeza de que a realidade não desmentiria o pesadelo.

Mesmo que os meus dedos batendo na parede transmitissem notícias dum homem que podia responder:

- Bom dia!de cabeça erguida era terrível acordar no mês de Maio, com a certeza de que no dia 12 a minha mãe não entraria pelo meu quarto, deixando-me na fronte um beijo, e rosas vermelhas sobre os meus vinte e sete anos.

Talvez seja preciso renunciar à felicidade para conquistar a felicidade. Eu estava na cadeia em Maio de 1963. Tinha aprendido a solidão. Tinha aprendido que se pode gritar com todas as nossas forças quando se acorda a meio da noite com um grito na cabeça e um rato (talvez o medo?), roendo-nos o estômago, que ninguém, ninguém virá repor a paz dentro de nós. E, então, é a altura de saber se as traves mestras dum homem resistirão. Pois só a tua voz, amigo, responderá ao teu apelo torturado na noite. E, nessa hora (a mais solitária das horas), se conseguires cerrar os dentes, dar um murro na parede, acender um cigarro, se conseguires vencer esse encontro com a solidão no mais fundo de ti próprio, com que alegria, com que estranha alegria, na manhã seguinte, tu responderás:

- Bom dia!,mesmo que seja terrível acordar no mês de Maio, nessa estreita paisagem, gelada e branca, com sete passos de comprimento por sete de largura.

É certo que se podem escolher outros caminhos. Mas poderia eu ter escolhido outro caminho? Acaso poderia dormir descansado, onde quer que estivesse, sabendo que algures, na noite, há homens que batem, há homens que gritam?

Os fantasmas tinham entrado no meu sono, invadiram a minha casa no cimo da ternura; os fantasmas eram donos do País. E se eles viessem de repente, a meio da noite, e eu chamasse:

- Mãe!A voz (tão calma) de minha mãe já nada poderia contra eles. Era um trabalho para mim, uma tarefa para todos aqueles que não podem suportar a sujeição. Eu nunca pude suportar a sujeição. Acaso poderia ter escolhido outro caminho?

Por isso, em Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto.

No dia 12 não acordei com o beijo de minha mãe.Porém, nessa manhã (não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez – quem sabe? -, às dez e um quarto, que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas que vinham dentro do sobrescrito violado, a pétala vermelha, duma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela.

Manuel Alegre "A praça da canção"

20 comentários:

Unknown disse...

Elvira, boa noite!
Valeu a pena ler, é um texto fabuloso e dificilmente encontraria um melhor para publicar no dia da mãe.

Feliz dia da Mãe, minha amiga!

Beijinho,
Ana Martins

Anónimo disse...

Feliz Dia da Mãe,minha Amiga.
Belíssimo texto de Manuel Alegre!
Beijo.
isa.

chica disse...

Lindo texto e desejo um lindo, cheio de amor DIA DAS MÃES! beijos,chica

Nilson Barcelli disse...

Elvira, querida amiga, faço minhas as tuas palavras.
Feliz dia da mãe.
Beijo.

Lilá(s) disse...

Querida amiga, neste dia especial deixo um grande beijinho.

São disse...

Foi bom reler este texto de Alegre.

Um excelente Dia da Mãe também para si, amiga.

Fátima Pereira Stocker disse...

Elvira

É o texto com que Manuel Alegre abre o seu primeiro livro de poesia: A "Praça da Canção". Desde que o li, menina, gravou-se-me na memória.

Não tenho filhos, mas sou filha que já não pode abraçar a mãe.

Para si, um dia muito feliz porque tem de quem receber abraços.

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Bom dia Elvira,
Maravilhoso texto de Manuel Alegre!
Te desejo um feliz dia das mães cheio de paz, alegria e saúde!
abraços,
Mariangela

Edum@nes disse...

Rosas vermelhas
E amor no coração
Dentro das cadeias
Esta linda canção.

Mãe seus filhos adora
Por eles tudo faz
Por sofre e chora
Para eles deseja a paz.

Bom domingo,
abraços e beijos para todas as mães.
Eduardo.

Edum@nes disse...

Corrijo: sofre e chora, e não por sofre e chora.

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Boa tarde, querida amiga Elvira.

Linda postagem!
Texto forte e muito significativo, mostrando o que é ser mãe.

Muito obrigada, muitas felicidades pra você também.

Que a luz divina ilumine todos os seus caminhos.

Beijos.

lis disse...

Lindo Elvira
Doído e comovente!
Que nossos filhos possam escolher caminhos que os leve sempre ao primeiro berço.
um abraço grande

tulipa disse...

Feliz dia das Mães

Fico comovida com as palavras
que têm deixado no meu blog
sobre o dia das Mães.
...
Durante todo o dia
recebi de fora,
dos estranhos
o carinho pelo dia da Mãe,
mas de casa, do filho,
nada recebi...
a minha Vida é muito triste,
por isso tento compensar
com outras actividades para esquecer essa tristeza!

Um beijinho carinhoso

MARILENE disse...

Amei sua postagem! Em meio aos fantasmas que as mães não têm o poder de afastar, elas ainda conseguem se fazer presente.

Bjs.

Luma Rosa disse...

Um texto muito dígno!! Obrigada por trazê-lo ao blogue, dando-nos oportunidade para Sentí-lo. Parabéns pelo dia das mães!!

Elvira, tem como aumentar a parte central do seu blogue e deixar um espaço maior para ler, assim não parecerá que o texto é tão grande, aproveitando que as laterais ficam sobrando. Isso é muito fácil de fazer dentro do "design do modelo" -> "ajustar largura"

Boa semana!! Beijus,

Vitor Chuva disse...

Olá. Elvira!

Mãe ausente,mãe presente, naquele dia tão especial.

Texto tocante; parabéns, com atraso, pelo dia das mães - que é sempre.

Um abraço
Vitor

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Não sei se entrou o meu comentário anterior.
Vou tentar novamente.
Abraço

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Não entrou mesmo, não entendo...enfim,repito.
Dizia que é sempre dia das mulheres-mães do Universo.
Desculpe-me não ter passado no dia.

O texto emocionou-me.
Obrigada por esta partilha.

Abraço

Socorro Melo disse...

Oi, Elvira!

Não conhecia o texto do Manuel Alegre, e fiquei emocionada ao ler, pois é simplesmente maravilhoso.
Sou mãe, e com certeza lágrimas de sangue, pétalas de rosas, ternura e amor é o que não nos falta, para vivermos essa aventura de ser.

Obrigada pela felicitação!
Socorro Melo

Maria disse...

Que ideia mais bonita, querida Elvira!
Esta carta de Alegre, é das coisas mais lindas, que ele escreveu.
Comovo-me sempre que a leio.
Beijinhos
Maria