Em Maio de 1919, Manuel dava os seus primeiros passos sob o olhar atento do irmão. A vida na aldeia continuava a sua marcha monótona, e de miséria. Laurinda a irmã mais velha, apenas com 7 anos acompanhava a mãe para o trabalho e já fazia pequenos recados, ganhando assim o direito ao seu sustento. Por essa altura começava a Guerra Greco-Turca que duraria 3 anos, e que oporia a Grécia aos revolucionários turcos, na luta pela posse dos territórios do antigo império Otomano. Desta guerra nasceria a Turquia. Nesse mesmo mês, Portugal assistia à maior concentração de trabalhadores jamais vista, no Parque Eduardo VII, e Lisboa via-se mergulhada numa onda sucessiva de greves, iniciadas em Abril nas fábricas da CUF, e nas corticeiras do Barreiro. Estas serviram de rastilho para um mês de Maio em que dos trabalhadores aos estudantes, todo o País se viu envolvido em greves e comícios e em que não faltaram até eleições. Se Manuel tivesse percepção do que se passava à sua volta, poderia pensar que a sua Pátria lutava por um mundo melhor, com menos miséria e mais igualdade. Poderia até pensar que iria ter um futuro melhor, do que aquele de miséria em que vivia. Mas ele era ainda um bebé e nada sabia do que ia pelo País. Manuel crescia, magro mas saudável, sempre debaixo da vigilância do irmão João que entretanto se tornara seu padrinho, no baptizado feito pelo Sr. Abade. A mãe continuava a trabalhar de sol a sol, ora nos campos, ora no rio lavando roupa. Foi por essa altura que a irmã mais velha foi trabalhar para casa do maior lavrador da aldeia. Servia de companheira de brinquedos da filha deste e quando “a menina” estava na escola, saía para o pasto com as ovelhas. Menos uma preocupação para a mãe, menos uma boca a alimentar naqueles tempos tão difíceis. João, tinha graves problemas de saúde. “Não sei que raio o gaiato tem no peito, que parecem gatos e o atefegam todo” costumava dizer a mãe. Coitada ela sabia lá o que era asma.
Pois devido à saúde, João ficava em casa e cuidava do irmão afilhado, de quem muito gostava. Os anos 20, os gloriosos, os loucos anos 20 começam com uma enganadora e próspera era económica, que se estende até à Crise de 29 com a quebra da bolsa de Nova Iorque. A música, a ópera, a moda, as artes em geral, sofreram um grande impulso. Coco Chanel, impunha-se na moda, Rodolfo Valentino, fazia sonhar as mulheres de todo o mundo, que tinham acesso ao cinema. Glória Swanson era o sonho de todos os amantes do cinema. O jazz impunha-se na Europa, Pablo Picasso e Joan Miro, expunham em Paris um novo tipo de pintura, mais tarde apelidado de surrealismo. Por todo o lado, surgem novos escritores, escultores, músicos, pintores. Na dança Josephine Baker encantava e escandalizava, pelo arrojo dos seus trajes. Mas a par desta “revolução artística” grassa o descontentamento, a miséria, o anarquismo, a revolta. A Itália caminha a passos largos para o fascismo, o nazismo aproveita as dores duma Europa a ressacar da guerra, para iniciar a sua ascensão, e em Portugal tudo se encaminha para o golpe militar que viria a ter lugar, na 2ª metade da década.
PRÓXIMA POSTAGEM DIA 27.
16 comentários:
elvirinha, tenho que por a leitura em dia, tenho que ir aos postes anteriores... mas este trecho que acano de ler continua a mostrar esse "jeitinho" narrativo que nos leva a uma "atrás" não muito distante, onde poderemos até reconhecer personagens e modos de vida...
beijinho grande
É muito bom, muito conveniente divulgar a maneira como se vivia em Portugal não há muito tempo atrás.
Uma semana muito boa para si e para os seus, amiga
Memórias vivas
Elvira
Estes primeiros capítulos que, creio, servem de prólogo, são de se lhes tirar o chapéu!
Bravo!
___
Estive impossibilitada de entrar no Sexta-feira, bem como no Cata-Vento (neste ainda estou)porque me surgia um aviso estranho no monitor. Vejo que, felizmente, já ultrapassou o problema. Espero que não tenha sido nada de grave.
Beijos
História autêntica.Identificada por estas gerações que atravessaram as várias épocas aqui descritas.
Similar a muitas das vivenças das famílias portuguesas de então.
Gosto imenso de reviver muitas destas passagens pelo tempo.
Beijinho
jrom
Não me tinha apercebido neste novo conto! vou ler o anterior e cá estarei dia 27...a não perder sem dúvida este jeitinho especial de cativar na leitura.
Beijinhos
É maravilhoso esse seu jeito de contar paralelamente a história de Manuel e da Europa, situando no tempo os acontecimentos de uma família.
beijos e um bom dia
A riqueza dessas histórias é o retrato fiel da inspiradora autora desse blog. Escrever qualquer um pode escrever, ter o que escrever é mais difícil. Querida Elvira, você sabe escrever, tem o que escrever e sabe como escrever. Parabéns, minha querida. Um beijo no seu coração.
Fantástica narrativa da nossa história que nos transporta para uma época de pobreza e conflitos sociais que tanto gostaríamos ver definitivamente extintos da terra!
E apesar da pobreza, o manelito vai crescendo, feliz na sua inocência.
Gostei
Um beijo e cico à espera da continuação
Coitado do Manuel! Nem sabia o que o esperava ainda.
Quando me lembro da miséria de então, que eu felizmente não passei, mas ma contaram os meus pais, apetece-me chorar!
Beijinho Elvira
Interessante. Gostei. Se não for antes, aqui estarei no próximo dia 27. Abraço
Um pedaço de história de Portugal e da Europa.
Gosto do modo como apresenta a história do Manuel e a sua família.
A miséria que nos impunham e que religiosamente as pessoas acatavam.
As greves e manifestações tão severamente reprimidas mas que fizeram os governantes repensarem as suas políticas.
Tantas coisas que nos fazem meditar em tempos passados e recentes.
Como se assemelham, muitas histórias de famílias portuguesas com famílias brasileiras!
Estou acompanhado a narrativa, Elvira. Faz bem o meu "gênero", essas histórias maravilhosas...
Beijinhos,
da Lúcia
Impressionante a quantidade de informação nos é aqui dada.
Entretanto o Manuel continua a sua vida, no meio da miséria que na época reinava um pouco por todo o lado.
Parabéns, Elvira.
Abraço
Ná
Depois de um descalabro (guerra) a humanidade queria viver a vida, mas já havia quem quisesse apenas o poder, o totalitarismo.
Cumps
Maravilhosa forma de contar essa história vivida tão sofridamente pelos portugueses, juntamente com a de Manuel.
Gosto muito de ler sobre tudo o que aconteceu, e como descendente,
me entristeço pelo sofrimento de todos os portugueses que viveram nessa época de tantos conflitos.
Parabéns!
Beijo
Mariangela
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