Seguidores

Mostrar mensagens com a etiqueta trovoada. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta trovoada. Mostrar todas as mensagens

8.1.20

OS SONHOS DO GIL GASPAR - PARTE XXIII



PARA QUEM NÃO SE LEMBRA, OU NÃO LEU O ÚLTIMO CAPÍTULO

PODE FAZÊ-LO AGORA AQUI








Levantou-se atordoado, apoiando-se no tronco de uma árvore. A roupa molhada e o vento agreste tinham-no enregelado. Passou a mão pela testa e sentiu que estava ferido. Possivelmente era por isso que lhe doía tanto a cabeça. Tentou lembrar-se do que lhe acontecera, mas a sua cabeça estava oca. Pensou que tinha de sair dali rapidamente, ou iria morrer de frio em pouco tempo. Olhou à sua volta com a luz de um relâmpago, mas só viu árvores. O ribombar do trovão, quase fez estremecer o chão.
“A trovoada está demasiado próxima, preciso sair daqui estas árvores podem ser uma armadilha mortal” - pensou.
Mas para onde ir? As pernas não o ajudariam a subir pelo que foi descendo, devagar, procurando não voltar a cair. Quem sabe lá em baixo havia alguma casa, onde pedir ajuda.  Ouviu o barulho da água e pensou que devia correr um rio perto.
Pouco depois chegava ao fim do arvoredo. Estava relativamente perto de um rio, mas até onde a vista alcançava, cada vez que um relâmpago iluminava a terra não via nenhuma casa. Cansado e gelado, sentia vontade de se deitar no chão e dormir.
“Não podes fazer a vontade ao corpo, ou nunca mais te levantas” – gritou a si mesmo, enraivecido pela fraqueza que o invadia .
Tinha parado de chover, mas a trovoada continuava, embora agora parecesse mais afastada. Sem saber onde poderia arranjar ajuda, ficou por momentos indeciso. Devia caminhar em frente, ou voltar para trás? O vento continuava a soprar enraivecido, gelando-o até aos ossos. Uma rajada mais intensa quase o atirou ao chão, e deu-lhe a resposta. O vento soprava nas suas costas, e ele não chegaria a lado nenhum lutando contra ele, no seu atual estado de debilidade. Tinha que aproveitar a força do vento, para compensar a sua falta de forças, pelo que seguiu em frente.
Não queria saber quem era, nem o que fazia naquele sítio. Recusava-se a pensar noutra coisa que não fosse chegar a um sítio habitado onde pudesse pedir ajuda. Apesar do latejar constante na cabeça, das dores no corpo, e da falta de força nas pernas, ele murmurava como se quisesse hipnotizar-se a si próprio. “Não pares, já falta pouco para que encontres uma casa e alguém te dê uma chávena de chá quente e um cobertor, para te aquecer. Anda, estás quase lá. Não vais desistir agora. São só mais meia dúzia de metros”
Quando finalmente viu uma luz iluminando a entrada de uma casa, quase não acreditou. Não sabia quanto tempo tinha andado, mas juraria que tinha percorrido vários quilómetros. Apressou o passo na tentativa de chegar mais depressa, e aproximou-se de uma pequena horta que dava acesso à casa. Jogou a mão à cancela e um cão veio ladrando direito a ela. A vista nublou-se-lhe e as forças faltaram-lhe, fazendo-o perder os sentidos e cair, derrubando a cancela.
O cão parou de ladrar. Aproximou-se, cheirou-o, e partiu a correr até à porta de casa, onde se pôs a ladrar, e a arranhar a porta como se quisesse chamar a atenção do dono da casa.
A mulher que se encontrava sentada num cadeirão junto da lareira, levantou os olhos do livro e franziu o sobrolho com ar interrogativo.
Olhou o relógio no delicado pulso. Meia noite e quarenta. Muito tarde. Já devia estar a dormir, mas entusiasmara-se com a leitura.
Pousou o livro e levantou-se. Pegou na tenaz para revolver as achas na lareira, preparando-se para ir dormir. Porém o cão continuava a ladrar aflitivamente, e a arranhar a porta, pelo que se dirigiu para lá e abriu-a. O animal abocanhou a barra do seu robe e começou a puxá-la para a rua. Inquieta, sem saber o que a esperava, segui-o ao mesmo tempo que lhe falava, tentando acalmá-lo.
--Meu Deus! – murmurou quando o animal parou junto à cancela, e ela viu o vulto caído no chão.






26.2.16

MANUEL DA LENHA PARTE XVI


                                                                            foto minha

 Ele e a mulher não se importavam de ir viver para lá se o gerente autorizasse. E ele autorizou.
No fim de Março, eles mudaram-se para essa ”casa”. Era uma barraca de madeira, com uma cozinha, e dois quartos. Não tinha electricidade, não tinha água, mas tinha o telhado forrado, o que a tornava mais confortável no Inverno. E no Verão, a sombra do pinheiro, refrescava a casa.
Manuel era um homem muito habilidoso. Com uma fita métrica, um martelo, escopro e plaina, farinha e água, (para fazer cola), pregos e madeira, ele era capaz de fazer maravilhas. Mas onde ir arranjar a madeira?
Todos os anos, quando os navios chegavam, os botes eram trazidos para terra, para que fossem reparados. Eram trocadas as tábuas que estavam em mau estado, substituídas por novas, e calafetados, para que não apresentassem perigo quando voltassem ao mar. Á porta da oficina, amontoavam-se as tábuas velhas, e pequenos pedaços de novas. Manuel conseguiu autorização para utilizar essas tábuas, e com elas fez um armário para a cozinha, uma arca para guardar as roupas, o berço para o filho e uma mesa. No ferro velho comprou uma cama e duas cadeiras de ferro, que lixou e pintou de novo, comprou um fogão a petróleo, e o resultado foi a casita “mobilada" e pronta a habitar, para onde se 
mudaram.
O tempo segue a sua marcha inexorável, Umas vezes mais rápido outras vezes mais lento, do que o nosso próprio desejo. O Manuel estava desejando, que o filho nascesse, embora ele só fosse esperado para o final de Setembro. 
Porém no início de Setembro, uma daquelas tempestades de Verão, que fazem duvidar se estamos realmente nessa estação. Na noite do dia dois para três, a trovoada rugia estrondosa como se estivesse por cima das suas cabeças. Ele abraçava a mulher que tremia de medo, e tentava esconder dela o seu próprio pavor, quando um enorme relâmpago fez da noite, dia, e o trovão os ensurdeceu, ao mesmo tempo que lhes parecera que o chão tremia. A mulher apavorada sentia a criança “aos saltos” e ambos sentiram o cheiro a queimado. Pouco depois a trovoada afastou-se mas eles não mais dormiram. A mulher começou com contracções antes de tempo. Talvez por causa do medo, do susto que a mãe sofrera, o certo é que a criança se aprestava para vir ao mundo. Quando pelas sete da manhã, Manuel tentou abrir a porta de casa, não o conseguiu, pois metade do pinheiro, fora cortado de alto a baixo pelo raio que o ferira, e encontrava-se caído frente à porta. Tremendo, a pensar no perigo que correram, ele chamou a mulher. Ela no entanto não se levantou e apenas lhe pediu que fosse chamar a parteira.
Sem poder abrir a porta, aprestava-se a partir os vidros da janela para sair, quando o vigia, os outros moradores da seca chegaram para remover o pinheiro, e saber se eles estavam bem.
Nessa mesma manhã às onze horas e vinte da manhã, Manuel sofreu a sua primeira decepção depois do casamento.O menino com que ele sonhara, desde o início do ano, não existia. O filho era afinal uma rapariga.

                                                             A  1 º filha do Manel da lenha