PODE FAZÊ-LO AGORA AQUI
Levantou-se
atordoado, apoiando-se no tronco de uma árvore. A roupa molhada e o vento
agreste tinham-no enregelado. Passou a mão pela testa e sentiu que estava
ferido. Possivelmente era por isso que lhe doía tanto a cabeça. Tentou
lembrar-se do que lhe acontecera, mas a sua cabeça estava oca. Pensou que tinha
de sair dali rapidamente, ou iria morrer de frio em pouco tempo. Olhou à sua
volta com a luz de um relâmpago, mas só viu árvores. O ribombar do trovão,
quase fez estremecer o chão.
“A
trovoada está demasiado próxima, preciso sair daqui estas árvores podem ser
uma armadilha mortal” - pensou.
Mas
para onde ir? As pernas não o ajudariam a subir pelo que foi descendo, devagar,
procurando não voltar a cair. Quem sabe lá em baixo havia alguma casa, onde
pedir ajuda. Ouviu o barulho da água e
pensou que devia correr um rio perto.
Pouco
depois chegava ao fim do arvoredo. Estava relativamente perto de um rio, mas até onde a vista
alcançava, cada vez que um relâmpago iluminava a terra não via nenhuma casa.
Cansado e gelado, sentia vontade de se deitar no chão e dormir.
“Não
podes fazer a vontade ao corpo, ou nunca mais te levantas” – gritou a si mesmo, enraivecido pela fraqueza que o invadia .
Tinha
parado de chover, mas a trovoada continuava, embora agora parecesse mais
afastada. Sem saber onde poderia arranjar ajuda, ficou por momentos indeciso.
Devia caminhar em frente, ou voltar para trás? O vento continuava a soprar
enraivecido, gelando-o até aos ossos. Uma rajada mais intensa quase o atirou ao
chão, e deu-lhe a resposta. O vento soprava nas suas costas, e ele não chegaria
a lado nenhum lutando contra ele, no seu atual estado de debilidade. Tinha que
aproveitar a força do vento, para compensar a sua falta de forças, pelo que
seguiu em frente.
Não
queria saber quem era, nem o que fazia naquele sítio. Recusava-se a pensar
noutra coisa que não fosse chegar a um sítio habitado onde pudesse pedir ajuda.
Apesar do latejar constante na cabeça, das dores no corpo, e da falta de força
nas pernas, ele murmurava como se quisesse hipnotizar-se a si próprio. “Não
pares, já falta pouco para que encontres uma casa e alguém te dê uma chávena de
chá quente e um cobertor, para te aquecer. Anda, estás quase lá. Não vais desistir
agora. São só mais meia dúzia de metros”
Quando
finalmente viu uma luz iluminando a entrada de uma casa, quase não acreditou.
Não sabia quanto tempo tinha andado, mas juraria que tinha percorrido vários
quilómetros. Apressou o passo na tentativa de chegar mais depressa, e
aproximou-se de uma pequena horta que dava acesso à casa. Jogou a mão à cancela
e um cão veio ladrando direito a ela. A vista nublou-se-lhe e as forças
faltaram-lhe, fazendo-o perder os sentidos e cair, derrubando a cancela.
O
cão parou de ladrar. Aproximou-se, cheirou-o, e partiu a correr até à porta de
casa, onde se pôs a ladrar, e a arranhar a porta como se quisesse chamar a
atenção do dono da casa.
A
mulher que se encontrava sentada num cadeirão junto da lareira, levantou os
olhos do livro e franziu o sobrolho com ar interrogativo.
Olhou
o relógio no delicado pulso. Meia noite e quarenta. Muito tarde. Já devia estar
a dormir, mas entusiasmara-se com a leitura.
Pousou
o livro e levantou-se. Pegou na tenaz para revolver as achas na lareira,
preparando-se para ir dormir. Porém o cão continuava a ladrar aflitivamente, e
a arranhar a porta, pelo que se dirigiu para lá e abriu-a. O animal abocanhou a
barra do seu robe e começou a puxá-la para a rua. Inquieta, sem saber o que a esperava, segui-o ao mesmo tempo que lhe falava, tentando acalmá-lo.
--Meu
Deus! – murmurou quando o animal parou junto à cancela, e ela viu o vulto
caído no chão.