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31.12.23

FELIZ ANO 2024





A todos os amigos que por aqui passem eu desejo um Feliz Ano Novo, com muita Saúde, Paz, Amor, e se possível também algum dinheirito que até pode não dar felicidade, mas dá sempre muito jeito.

Na numerologia 2024 é o nº 8. Nela, o significado do número 8  representa  renascimento, renovação e regeneração. Dizem os entendidos que representa o equilíbrio entre a energia que sai da terra e sobe para o espaço celeste e a que  desce de lá para o planeta. É um número poderoso, diz-se que representa o Infinito.

Em algumas religiões o número 8 representava Deus e o Universo,  noutras representa o céu. Em quase todas as culturas e ideologias, o número 8 representa poder. Para os chineses simboliza fortuna.

Portanto como a esperança é a última a morrer, vamos esquecer as terríveis previsões de Nostradamus  e esperar um ano a nível pessoal e mundial, melhor do que foram os últimos.

FELIZ 2024

30.12.23

A CAIXINHA DE BEIJOS




.Há algum tempo atrás, um pai castigou a sua filha de três anos por desperdiçar um rolo dourado de papel de presente. 

O dinheiro era pouco naqueles dias, razão pela qual o homem ficou zangado ao ver a menina a embrulhar uma caixinha com aquele papel dourado e a colocá-la debaixo da árvore de Natal.

 Apesar de tudo, na manhã seguinte, a menina levou o presente ao pai e disse:

 — Isto é para ti, Papá! 

Ele sentiu-se envergonhado da sua reação, mas voltou a zangar-se quando viu que a caixa estava vazia. — Não sabes que, quando se dá uma caixa de presente a alguém, se coloca sempre alguma coisa lá dentro? 

A menina olhou para cima, com lágrimas nos olhos, e disse: 

— Oh, Papá, não está vazia. Eu soprei beijos para dentro da caixa. Todos para ti, Papá.

 O pai, envergonhado, abraçou a menina e suplicou-lhe que lhe perdoasse. Dizem que ele guardou a caixa dourada ao lado da cama durante anos e, sempre que se sentia triste e deprimido, pegava nela e tirava um beijo imaginário, recordando o amor que a filha ali tinha colocado. Quantos de nós têm recebido, ao longo da vida, uma caixa dourada cheia de beijos… 

De uma forma simples, mas sensível, cada um de nós tem recebido uma caixinha dourada, cheia de amor incondicional e beijos dos nossos pais, filhos, irmãos e amigos...

Ninguém tem uma propriedade ou posse mais bonita que esta.



Nota : Este pequeno e terno conto, está publicado em vários sites na Internet classificado como uma parábola. 


 

29.12.23

SER PAI

 

SER PAI

Daniel quer uma boneca pelo Natal mas tem de ter olhos que abram e fechem. Ele quer deitá-la à noite e tapá-la.

Tem de ter cabelo comprido. Quer penteá-la e fazer-lhe uma trança.

Tem de ter braços e pernas que mexam.

Os pais ficam admirados.

— Não preferes um comboio? — pergunta a mãe.

— Ou uma caixa de legos? — pergunta o pai.

Eles estão preocupados.

— Um rapaz que brinca com bonecas não vai ser um homem a sério — argumenta o pai.

Mas Daniel não muda de ideias. Quer receber uma boneca pelo Natal.

— Mas porquê? — pergunta a mãe.

Daniel pensa e responde:

— Também quero ser pai.



Max Bolliger
30 Geschichten zum Verschenken
Lahr, Verlag Ernst Kaufmann, 1991
adaptado

28.12.23

BOLO -REI



BOLO-REI


 Todos os anos, quando os velhos Reis Magos acabam de atravessar a pequena estrada de areia que se esboça entre caminhos de musgo e lagos feitos de bocados de espelho partido; quando a estrela de prata que se suspende entre os dois exemplares de “A Paleta e o Mundo” de Mário Dionísio se recolhe para regressar à velha caixa de papelão, com trinta anos de viagens, cheia de bocados de jornal amachucados que ainda guardam notícias de dias que já foram e onde se embrulham os cordeirinhos, os pastores, as oferendas várias que o Menino Jesus recebeu, apesar de já lhe faltar a mãozinha direita que alguém partiu em excesso de limpeza; todos os anos, dizia, recordo a história que o Fernando Midões me contou, certa tarde em que misturámos poemas com lágrimas.

De calças à golfe, lacinho à Baptista Bastos, fato de ver a Deus e celebrar o Dia de Reis, Fernando foi com a mãe jantar a casa das senhoras, gente de talher de prata, criadas de avental branco e crista engomada, cheias de silêncios e reverências.

Com olhos de amora madura, esse sorriso que ainda hoje conserva, sempre molhado de uma melancolia que tem de adivinhar-se mais do que ver-se, Fernando entrou na sala de jantar das anfitriãs, cujas portas só o espírito natalício abria, raros que eram os gestos de caridade e partilha. Assim se explicava a presença do rapazinho e sua mãe, viúva recente e que ali trabalhava de manhã à noite, para que a vida se assemelhasse ao que já fora.

Servidos os manjares da época: a canja onde as bolhas de gordura lembravam pequenos sóis fumegantes, o leitão de maçã vermelha na boca que olhava Fernando em gritos de sufoco que só ele, poeta em germinação, conseguia ouvir; os fritos vários que nas travessas exibiam a abastança, chegou finalmente e foi colocado em lugar de honra, no centro da mesa, ladeado por dois castiçais onde as velas vermelhas ardiam, o bolo-rei, roda magnífica de cores, frutas, pinhões, bocados de açúcar que lembravam neve e cujo esplendor ofuscava o dourado das filhós, os reflexos das garrafas de licor, o brilho dos copos de cristal.

Fernando, pequenino, queixo tocando a toalha de renda, olhava aqueles mistérios de cor e perfume e falava, falava, dizia coisas tão a propósito que as senhoras, enlevadas, não se cansavam de sorrir e felicitar a mãe que tal filho tinha. Então, a mais velha, cabeção de renda e camafeu de marfim a fechar as golas, pega na faca de prata e com solenidade, meticulosamente, parte o bolo. A criada ajuda à distribuição nos pratinhos de sobremesa.

— Agora, não se esqueçam: aquele ou aquela a quem calhar a fava terá de pagar o bolo-rei no ano que vem!

E entre comentários de enlevo, gula, elogios à tessitura e ponto ideal do levedo da massa, à abundância das frutas, à maciez e agrado do paladar, se comeu a sobremesa.

A prenda calhou à criada.

— Que sorte! Mostre lá!

— Olhe que medalha tão bonita! Parece uma libra de verdade. Até pode usar no fio que ninguém diz que não é autêntica.

— E tu, Fernandinho, não acabas de comer a tua fatia de bolo?

— Come que está bom e fofinho!

Fernando, subitamente silencioso, abanava a cabeça em negativas.

— Então, filho! Não sabes falar? Responde às senhoras: queres mais um bocadinho de bolo?

— Ao menos acaba esse!

— Está cansado, coitadinho! Deixe-o lá.

Fernando baixava a cabeça, cabelos lisos na testa. A noite ia adiantada. A Miguel Bombarda, onde moravam, ainda ficava longe. Sim, minha senhora, amanhã às oito cá estarei, se Deus quiser, para cortar o vestido novo e pôr em prova a saia do “tailleur”. Foi uma noite muito bonita. Muito obrigada! Fernando dá um beijo às senhoras e agradece. Diz obrigado, Fernando!

Fernando deu o beijo às senhoras, esticou a cara, pôs-se em bicos dos pés, encheu os olhos de gratidão.

— Diz obrigado, filho! Mas o que te aconteceu?

— Deixe-o lá, coitadinho, perdeu a língua. É o sono, não é?

Descem o elevador, abrem a porta da rua. A mãe, agastada, ralha:

— Mas que vergonha! Umas senhoras tão boas, recebem-nos como família, estavas a portar-te tão bem e agora isto, nem uma palavra de agradecimento, nem boa noite, é esta a educação que te tenho dado? Se o teu pai fosse vivo…

Então, já na rua, o frio de Janeiro a gelar-lhe as mãos e o nariz, a névoa a transfigurar a rua e as pessoas, Fernando, finalmente, abre a boca e lá do fundo deixa voar o mistério da sua inesperada mudez:

— É que me calhou a fava, mãezinha. Eu sei que tu não tens dinheiro para, no ano que vem, comprares um bolo-rei igual àquele.

E, na palma da mão pequenina, cuspiu a fava que ali nascia, quente ainda, do esconderijo em que estivera.

E ainda hoje, nas horas mais dolorosas, quando se esquece de mastigar a comida que arrefece no tabuleiro da cantina e prefere viajar no país da infância, Fernando Midões, meu irmão mais antigo, sente a ternura solidária do abraço e o húmido das lágrimas com que a mãe o aconchegou junto de si.

Sem palavras, mãe.

Sem palavras.


Maria Rosa Colaço

Viagem com Homem dentro (adaptação)

Leiria, Editorial Diferença, 1998

27.12.23

O PRIMEIRO NATAL DO PARDALITO





O primeiro Natal do pardalito

 


Aqui há coisa de três semanas, um pardal do Rossio, daqueles que escolheram para poiso e morada os ramos das árvores que circundam a dita praça, começou assim a história que vamos contar:

— Companheiros pardais, pardalitos e pardalões, escutem todos, a notícia é importante.

Juntou-se a pardalada. Quem ali passe todas as tardes, à hora da saída dos empregos, não deve estranhar o arruído que vem das árvores despidas de folha, mas cheias, cheiinhas de passarinhos tagarelas. As pessoas andam na sua vida muito apressadas, e nem sequer dão conta da chilreada doida dos pardais:

“Chega-te para lá! Aí sou eu”

“Olha o pardalão a querer tomar-me o lugar…”.

“Ai que ainda te dou uma bicada…”.

“Não me provoques!”.

“Toma que é para saberes”.

“Deixa-me em paz”.

Mas voltemos à nossa história.

Oiçamos o que o pardal tem para dizer:

— Peço silêncio, se não calo-me — piava ele, tentando impor a ordem à assembleia.

Demorou o seu tempo.

Os pardais são uns espalhafatosos e uns gralhadores incorrigíveis.

— A notícia que vos trago importa a todos. Há bocadinho, estava eu poisado num ramo baixo, e ouvi uma conversa entre um cauteleiro e um engraxador. Sabem do que estavam a falar?

— De futebol — arriscou um.

— Nada disso. Estavam a falar da Lotaria do Natal, imaginem! Portanto, o Natal está à porta, meus amigos. Espero que saibam o que isto significa…

Os pardais mais jovens não sabiam, mas calcularam que devia ser coisa grave, porque os pardais velhos, mesmo os mais gaiteiros e risonhos, ficaram, subitamente, de bico caído. As expressões eram de alarme e desalento:

— Temos de mudar de vida.

— Que desconforto!

— Deviam ter-nos avisado.

— O tempo não está para grandes voos.

E cada qual debandou para o seu ramo.

Neste ponto da história, parece-nos indispensável ouvir a fala de um avô pardal para o seu neto que, tal como vocês,
amigos leitores, não percebera patavina do sucedido.

— Na quadra do Natal, que é uma grande festa dos homens — contava ele — multiplicam-se e crescem as luminárias por toda a parte. Nesta praça, então nem queiras saber! Fica tudo cheio de luzes e luzinhas de muitas cores, amarelas, azuis, vermelhas, verdes, que nos põem tontos. Onde os homens encontram um sítio para pendurar uma daquelas pêras de vidro que deita luz, penduram.

— Deve ser bonito — observou o neto.

— Bonito talvez seja, mas não para nós. Aparecem fios por toda a parte e, nos ramos das nossas árvores, estendem tantos, com as tais pêras penduradas, que ninguém se entende. Há dois anos, aproximei-me de uma dessas pêras, que se tinha partido, e apanhei um arrepio pelo corpo todo que julguei que me ficava de vez!

— Então para onde vão os pardais passar o Natal? — perguntou o pardalito, atarantado.

— Saltinho aqui, saltinho acolá, alguns escondem-se numas palmeiras, lá para cima, num sítio que os da cidade chamam Avenida. Outros conseguem chegar a um jardim, que me dizem ser muito tranquilo e saudável, um tal Jardim Botânico ou coisa parecida.

— E nós, avô?

— Nós ficamos. Podíamos ir para um telhado próximo, se não andassem por lá os gatos que têm olhos mais perigosos do que todas as luminárias juntas. Olha, naturalmente, vamos para um sítio sossegado que eu conheço, num buraco daquele edifício, ali, no cimo da praça. É um bocado desabrigado e pouco cómodo, mas vais poder dizer, daqui em diante, que dormiste no Teatro Nacional…

Assim que chegaram os electricistas com as escadas, os cabos e os fios, a pardalada sumiu-se…

Numa destas noites, o pardalito deixou o avô a dormir com a cabeça debaixo da asa, e foi dar uma voltinha pelos arredores do seu novo poiso. O Rossio silencioso e exuberantemente iluminado pareceu-lhe um jardim de sonho.

— Tanta luz de tanta cor! — exclamou.

Nesse momento, um avião sobrevoava a cidade, em direcção ao aeroporto. No escuro do céu só se distinguia as luzes vermelhas da cauda.

— Olha, lá vão duas luzes a fugir…

E dispunha-se a voar atrás delas, se o avô não tivesse acordado, entretanto.

— Para onde ias? — perguntou-lhe ele.

O pardalito explicou. Comentário do velho pardal:

— Que patetice! Ainda tens muito que aprender, pequeno, até te transformares num pardalão sabido!

É o que nós também achamos, ao cabo desta história.


António Torrado
http://www.historiadodia.pt


26.12.23

O NATAL EM QUE FIQUEI RICA

 


Ser pobre e satisfeito é ser rico. 
E bastante rico.

William Shakespeare

Havia uma árvore naquele Natal. Não tão grande e frondosa como outras, mas estava pejada de enfeites e tesouros e resplandecia de luzes. Havia presentes, também. Alegremente embrulhados em papel vermelho ou verde, com etiquetas coloridas e fitas. Mas não tantos presentes como de costume. Eu já tinha reparado que a minha pilha de presentes era muito pequena.

Nós não éramos pobres. Mas os tempos eram difíceis, os empregos escassos, o dinheiro à justa. A minha mãe e eu partilhávamos uma casa com a minha avó e com os meus tios. Naquele ano da Depressão, toda a gente espaçava refeições, levava sanduíches para o trabalho e ia a pé para poupar nos bilhetes de autocarro. Anos antes da Segunda Guerra Mundial, já vivíamos no dia-a-dia, como muitas outras famílias, o que então se iria ouvir como slogan“Usa-o, aproveita-o ao máximo; faz com que funcione, ou passa sem ele.”

Havia poucas escolhas. Compreendia pois porque era tão pequeno o meu monte de presentes. Compreendia, mas sentia, ainda assim, uma ponta de pesar à mistura com um complexo de culpa. Sabia que não poderia haver surpresas empolgantes naquelas poucas caixas vistosamente embrulhadas. E sabia que uma delas tinha um livro. A minha mãe arranjava sempre um livro para mim. Mas nada de vestidos novos, camisolas ou um roupão acolchoado e quentinho. Nenhum dos miminhos tão desejados na altura do Natal…

Havia uma caixa com o meu nome da parte da minha avó. Guardei-a para o fim. Talvez fosse uma camisola nova, talvez um vestido — um vestido azul. A minha avó e eu gostávamos ambas de lindos vestidos e de todas as tonalidades de azul. Soltando os devidos “Ohs” e “Ahs” ao ver a aromática barra de sabonete feito de mel, as luvas vermelhas, o já esperado livro (um novo da Nancy Drew!), rapidamente cheguei àquele último embrulho. Dei por mim a sentir uma centelha do entusiasmo do Natal… Era uma caixa bastante grande. Com vergonha de mim mesma por ser tão gananciosa, por esperar receber um vestido ou uma camisola (mas esperando na mesma!), abri a caixa.

Meias! Só meias! Soquetes, meias altas, até mesmo um par daquelas meias horrorosas de algodão branco que estavam sempre a escorregar e se enrodilhavam em volta dos joelhos.

Esperando que ninguém tivesse dado conta do desapontamento, peguei num dos quatro pares e agradeci à minha avó, com um grande sorriso. Ela também sorria. Não com o seu sorriso educado e distraído de “Sim, querida,” mas com o seu sorriso feliz e radiante, de “Isto são coisas importantes para uma mulher!” Será que me esquecera de alguma coisa? Olhei de novo para a caixa no chão — nada, a não ser as meias. Só que agora eu conseguia ver que havia outro par por debaixo do que eu tinha pegado. Duas camadas de meias. E mais uma! Três camadas de meias!

A sorrir de verdade, comecei a retirá-las da caixa. Meias cor-de-rosa, meias brancas, meias verdes, meias de todos os tons inimagináveis de azul. Toda a gente estava a olhar, rindo comigo, enquanto eu atirava as meias ao ar e as contava. Doze pares de meias!

Levantei-me e dei um abraço tão apertado à minha avó que até nos doeu às duas. “Feliz Natal, menina Joan!” disse ela. “Agora, todos os dias, terás muitas escolhas a fazer. Estás rica, minha querida! ” E era verdade. Naquele Natal e durante todo o ano, todas as manhãs, eu escolhia do meu elegante armário da roupa interior qual o par de meias a usar. E sentia-me rica. E ainda sinto!

Mais tarde, a minha mãe disse-me que a minha avó tinha andado a esconder aquelas meias durante quase um ano — poupando todas as moedinhas, comprando um par de cada vez. Um dia, tendo visto um lindo par de meias azuis com as beiras elásticas bordadas à mão, ela pedira mesmo ao compreensivo vendedor para deixar um sinal a reservá-las durante três semanas.

Dentro daquela caixa estava embrulhado um ano de amor.

Foi um Natal que eu nunca esquecerei.

A prenda da minha avó mostrou-me como as pequenas coisas podem ser importantes.

E como o amor nos faz a todos imensamente ricos.


Joan Cinelli

Jack Canfield & Mark Victor Hansen
Chicken Soup for the Soul – Christmas Cheer
Chicken Soup for the Soul Publishing, LLC, 2008
(Tradução e adaptação)



Nota: Lamento pelo que aconteceu ontem com a fonte de onde li o conto que vos apresentei, nem sei porque o endereço da página saiu encriptado. Mais tarde voltei à página e emendei, mas não sei se viram. As minhas desculpas.



25.12.23

HOJE É NATAL




O avô Fernando chegou de longe com uma mala muito pesada. Ajudei-o a levá-la para o meu quarto e não o larguei mais, enquanto não a abriu. O que traria ele dentro daquela mala tão grande? Prendas de Natal? Surpresas? Brinquedos? Livros? – perguntava a mim próprio. Mortinho de curiosidade, andei à sua volta como uma mosca, a zumbir perguntas.
— Ó avô, o que é que trazes?
— Tem calma, tem paciência, que logo te mostro! – aconselhou, ainda com a voz ofegante por ter carregado comigo aquela mala.
— Anda lá, diz-me só a mim, que eu não digo a mais ninguém!
— As prendas e as surpresas só se mostram logo, depois da ceia. Não sejas chato!
— Diz-me, que eu prometo guardar segredo! – insisti.
Como tinha de entregar à minha mãe uns produtos para a ceia, que tinha trazido da sua terra, começou a abrir a mala devagarinho e eu fiquei à espera que de lá de dentro saísse qualquer coisa de mágico: um avião que voasse – vrrruuum, vrrruuummm – ou uma coisa assim… capaz de fazer pasmar os meus amigos.
Mas não. Apareceram, entre a escova de dentes, a gilete, o pincel da barba, uma toalha de rosto e o pijama do meu avô, vários embrulhinhos amarradoscom fitas coloridas, uma garrafa de azeite, um queijo, uma broa de Avintes, um frasco de azeitonas e uma garrafa que parecia ter dentro água amarela.
— Avô, que prenda me vais oferecer?
— Que prenda me vais dar a mim?
Não lhe respondi. A um canto, estava um rolo envolvido em papel azul-marinho, prateado.
— E isso, o que é? É um telescópio? É um caleidoscópio?
— Olha que tu és muito pegajoso! Está bem, pronto! Eu digo-te, se não, nunca mais te calas. Isso é uma luz para o Natal!
— É de ligar à electricidade? É de acender? É uma estrela para pôr no presépio? – perguntei, agitado.
— Não. Isto é o Espírito do Natal! – exclamou o meu avô, com mistério na voz.
— Espírito? Igual àquele da Lâmpada do Aladino? Se esfregar, sai um génio que faz tudo o que a gente quer? Ó avô és mesmo fixório! Mostra, avô, mostra!
Para não me aturar mais, ele ia a desembrulhar o rolo de papel prateado, quando foi salvo da minha curiosidade pelo chamamento da minha mãe:
— Venham para a mesa!
O meu avô, ainda a arfar da viagem, desceu devagar com a mão no corrimão, e eu acompanhei-lhe os passos.
O meu pai fechou-se na sala de jantar e, querendo fazer um bonito, não nos deixou entrar na sala, onde a mesa já estava posta para a ceia.
As luzes estavam apagadas e a porta fechada. Quando íamos para entrar, o meu pai, muito teatreiro e eufórico, fez:
— Te te te tzzéééé! ! ! – e abriu a porta e as luzes.
Senti uma baforada quente e fui abraçado por um cheirinho a rabanadas, a sonhos, a filhoses, a aletria com desenhos de canela e a bilharacos, que era um doce que o meu avô apreciava muito.
A iluminação da sala estava um espanto, a mesa um espectáculo, a lareira soltava línguas de fogo e a música ambiente eram as vozes de anjos de um CD que a minha mãe comprara de propósito para aquela noite.
Por cima da lareira, o meu pai pôs o presépio e ao canto construiu uma Árvore de Natal, apenas com ramos de pinheiro, porque pensava ele que as árvores não se deviam abater.
Disse-me uma vez:
— Se um dia tiveres de cortar uma árvore, deves pedir-lhe desculpa, ouviste? Uma árvore é um ser vivo!
O meu avô dirigiu-se ao presépio, mirou-o e remirou-o e, por fim, disse:
— Que engraçado! Nunca vi um presépio assim: o Menino Jesus está ao colo da mãe e a manjedoura vazia. Ó Castro, dou-te os meus parabéns, o presépio está muito bonito!
Os olhos do meu pai brilharam com o elogio.
E sabem porquê? É que o meu avô achava que o meu pai era um bocado azelhote para fazer coisas e habilidades com as mãos.
Era a primeira vez que ele vinha a nossa casa, depois do segundo casamento da minha mãe.
Para o impressionar, os meus pais receberam-no com mimos e atenções como se fosse um rei.
Por causa disso, eu comecei a ficar um bocado chateado. Até parecia que os meus pais, naquela noite, decidiram riscar-me do mapa das suas atenções.
Mas não, para mim, aquele Natal não foi só uma noite de paz, foi uma noite de pazes.
— Ah, já me esquecia… Olha, Mário, vai à minha mala buscar o Espírito do Natal, mas trá-lo com cuidado, não lhe mexas, ouviste? – pediu-me o avô Fernando.
O meu pai e a minha mãe cruzaram os olhos de interrogação, ao saber que o meu avô tinha trazido para casa um espírito.
Subi a correr as escadas que davam para o meu quarto e senti que os bichos carpinteiros da curiosidade me atacavam com perguntas:
— O que estaria dentro daquele rolo de papel prateado? Seria mesmo um espírito? E os espíritos têm a forma de um charuto comprido? Seria uma brincadeira ou uma história do meu avô? Pelo sim e pelo não, passei os dedos, ao de leve, pelo rolo.
E se o tal espírito saísse do tubo e me falasse: “Diz-me, Mário, meu amo, que desejas? Diz-me, que a tua vontade será satisfeita!”
Se isso me acontecesse, o que é que eu desejaria? Sei lá, se não ficasse atrapalhado, era capaz de pedir:
— Ó alma boa, ó espírito da luz, quero que arranjes alguém que me faça os deveres de casa, quero um avião a sério que aterre no meu pátio e quero uma moto a motor!
Estava a minha imaginação com gás na tábua quando ouvi a voz do meu avô:
— Então, vens ou não?!
Desci as escadas a correr e entreguei-lhe o rolo de papel prateado. Fiquei à espera, para ver o que de lá saía.
Era agora, era agora que eu ia conhecer o tal Espírito do Natal. Como o avô desembrulhou o rolo com muito cuidadinho, eu comecei a acreditar que, se calhar, havia ali mesmo qualquer mistério.
Desenrolou, desenrolou, até que… apareceu uma simples vela de cera branca.
— Oooohhhh! Uma vela! – disse de mim para mim, muito desiludido.
Embora a sala estivesse inundada de luz, o avô Fernando riscou um fósforo, pediu à minha mãe um castiçal, acendeu a vela e colocou-a no centro da mesa. Depois, disse:
— Na chama desta vela mora o Espírito do Natal! Nesta noite, nesta mesa e nesta chama, para mim estarão presentes todos os nossos antepassados, todas as nossas recordações e todas as pessoas de quem gostamos. Está o meu pai e a minha mãe, está a tua… está a tua… avó que Deus tenha…
O meu avô parou de falar e, em vez de palavras, saíram apenas lágrimas grossas que escorreram pela cara abaixo.
O silêncio que se fez foi tão grande que ficámos todos muito encolhidos, sem saber o que dizer.
Quem nos salvou do peso do silêncio e das lágrimas foi a minha mãe:
— Então, então, pai, hoje é Natal! – falou baixinho a minha mãe, misturando a fala com um beijo.
— Vamos à ceia! – disse, por fim, o avô, ainda com a coragem engasgada.
Depois, comemos, rimos, jogámos ao rapa, ao tira, ao deixa e ao põe até que chegou a hora da distribuição das prendas.
O meu pai deu-me um livro, a minha mãe uma camisa aos quadrados e o meu avô umas grossas meias de lã.
Eu fiquei muito desconsolado porque esperava um brinquedo de espanto, daqueles que fizessem roer de inveja os colegas da rua. O meu avô andava sempre com os pés frios e trouxe meias de lã porque, se calhar, pensou que sofríamos todos do mesmo mal.
Estava tudo a correr bem. Até o meu pai, que andava quase sempre, “cabisbundo” e “meditabaixo”, ria-se, ria-se até mais não. A certa altura, o avô chamou-me para a sua beira e disse-me:
— Olha para a luz da vela. Fixa o Espírito do Natal! O que vês? Eu lá olhei, mas o que via era que a chama se inclinava, lenta mente, ora para um lado, ora para o outro.
— Vês alguma coisa?
— Não vejo nada. Só a chama a dizer não, devagarinho!
— Para mim, na Noite de Natal, esta chama significa tudo o que o ser humano tem de bom dentro de si: a saudade do amor, da amizade e da partilha das coisas. É por isso que lhe chamo o Espírito do Natal. Nesta noite, quando fixo a luz da vela, diante dos meus olhos passam, como se fosse em cinema, histórias e vidas das pessoas que amei e se cruzaram comigo ao longo dos anos.
Estou agora a olhar para ela e estou a lembrar-me do Natal mais lindo que eu tive em toda a minha vida. Queres que te conte?
— Conta, avô, conta!
— Mas olha que é uma história triste! Mas verdadeira!
— Não faz mal! Mesmo assim, conta!
A minha mãe e o meu pai aproximaram-se do sítio onde nós estávamos. O avô fixou os seus olhos de formiga na chama da vela e, com uma voz quente e pausada…
— No tempo em que o Natal custava a chegar, vivia eu numa casa pequenina. Eu era pobre e não tinha brinquedos, mas não me importava. Bastava o cheiro que andava pelas ruas e pelos caminhos a fazer miminhos de fraternidade no coração das pessoas.
Era por isso que, quando tinha a tua idade, na véspera de Natal, ao passar pelas outras pessoas, dizia, cheio de alegria:
— Hoje é Natal!
A pouca distância de minha casa, havia uma outra, que não era bem casa. As paredes eram de chapa velha e o chão de terra batida.
O vento entrava por tudo o que era frincha e o frio estava ali plantado.
Uma fogueira fazia de fogão e a única cama que havia era feita de paus de pinheiro, ainda por descascar.
E nessa casa que não era bem casa, tão pequenininha e tão pobre de tudo, morava a Ti Adelaide Tintureira e os seus filhos: a Rosa e o Domingos.
Esta mulher de pele enrugada, de olhos verdes e vida amargurada foi, um dia, transformada em pássaro negro. Por duas vezes se quis matar, atirando-se da ponte de D. Luís para o rio Douro.
Da primeira vez, as saias largas que usava amorteceram a queda e um barqueiro que por ali andava viu-a e, remando rapidamente, retirou-a do rio, ainda com vida.
Da segunda vez que se quis matar estava muito vento. Ao atirar-se da ponte, uma rajada empurrou-a contra os fios de electricidade e neles ficou enrodilhada. Os bombeiros tiraram-na com vida, apenas ficando magoada no peito.
Disseram as velhas da aldeia que tudo isso aconteceu porque o Anjo da Guarda da Ti Adelaide Tintureira, cansado de a proteger durante uma vida cheia de aflições, adormeceu duas vezes.
E, nessas duas vezes, a Morte, ao ver aquela mulher de olhos tristes, transformada em ave negra, não a quis e devolveu-a, sã e salva, para viver o resto do seu destino.
Naquele tempo, a Ti Adelaide Tintureira e os filhos viviam da venda da lenha, apanhada nos pinhais, e de pequenos serviços que lhe encomendavam. Ela e os filhos vestiam do que algumas “almas caridosas” lhe davam.
Passavam muito mal e, quando se vive assim, nem é bom sentir o cheiro do Natal nem ouvir falar de prendas nem de rabanadas. Isso só serve para entristecer a vida de quem tem pouquinho.
— Natal é um dia como os outros! – dizia a Ti Adelaide Tintureira para tentar convencer os filhos a não olharem para as roupas novas que os outros meninos vestiriam no dia seguinte.
Na noite de Natal, em cima da nossa pequena mesa, já fumegava a travessa de bacalhau cozido com batatas e couves-galegas.
Nesse ano, para além das rabanadas, havia um bocadinho de queijo, uns pastéis comprados no Porto e uma garrafa de vinho fino, oferecida pelo Ti Zé Estureta, como consoada, por lhe gastarmos da mercearia.
Para operários de vida dura, aquela ceia de Natal era quase um banquete de rei.
Quando íamos iniciar a refeição da noite de Natal…
— E se fôssemos chamar a Ti Adelaide Tintureira e os seus filhos para cearem com a gente? – propôs o meu pai.
A minha mãe disse que sim e, momentos depois, eu batia à porta da barraca da Ti Adelaide Tintureira.
Lá dentro, a chama da candeia de azeite furava a escuridão e os olhos da Rosa e do Domingos enchiam de tristeza aquela noite, que não era bem igual às outras.
Sem saber o que dizer nem fazer, seguiram-me até à porta da minha cozinha.
Disseram boa noite com voz sumida e, quando se sentaram à volta da mesa daquela família de pobres operários, que era a minha, dei com uns olhos verdes, acesos de alegria.
Eram os da Ti Adelaide Tintureira que pagava aquele gesto bonito com um olhar que já não usava há muito tempo: um olhar de felicidade.
Quando acabámos de comer e de jogarmos o rapa a pinhões, vim cá fora e, pelo intervalo das folhas de uma laranjeira, vi, lá longe, o brilho de uma estrelinha que mais ninguém viu.
Agora, quando olho para o céu, lembro-me dos olhos acesos da Ti Adelaide Tintureira, que foram morar para as estrelas e que me aparecem, na noite de Natal, para me recordarem dos bons sentimentos que ainda não foram apagados do coração das pessoas.
Quando o avô Fernando se calou, olhei para a chama da vela e senti que o Espírito do Natal estava ali e me tinha visitado naquela noite.
 José Vaz
Hoje é Natal
Ed. Gailivro, 2000