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4.4.17

INÊS




Naquele fim de tarde, Inês estava sentada à beira mar, os olhos fitos no horizonte, onde céu e mar se pareciam fundir num abraço.
Era uma jovem e bonita mulher, e o seu corpo elegante, ostentava uma proeminente barriga de grávida, que de vez em quando ela acaricia com nostalgia. Da gaveta da memória, saltam recordações, que se espalham à sua volta, dançam ao seu redor, como borboletas loucas. E de repente se juntam, e o mar não é mais mar, mas uma tela gigante, onde se projeta um filme. Mas este não é um filme qualquer. É um filme onde ela tem um dos papéis principais. É… a película, da sua vida. E lá está João, com o seu maravilhoso sorriso, que lhe ilumina a face e lhe põe um brilho no olhar, capaz de fazer inveja à estrela mais brilhante. E o seu rosto enche por completo todo o ecrã. Desvia o olhar para a areia à sua volta, e o rosto dele sai da tela, espalha-se pela areia, beijando os seus pés nus, rodeando o seu corpo saudoso.
João, o grande amor da sua vida. O homem com quem casou, o amante que lhe ensinou todos os segredos do amor, que lhe despertou os sentidos, e os desejos.
João fora a Primavera, que fizera desabrochar e resplandecer a rosa que habitava, num recôndito da sua alma. 
Ao lado de João, Inês tinha tudo para ser uma mulher feliz.
E contudo não o era.  João era militar, várias noites por obrigação ficava no quartel, e essas noites eram uma tortura para ela.                                 
Não que ela fosse uma mulher insaciável, que não pudesse passar uma noite sem fazer amor. Nada disso. Mas era nessas noites de solidão, que os fantasmas da guerra e da profissão do marido, se vinham deitar com ela, e a amedrontavam de tal modo que a faziam passar a noite insone.
E um dia, o que mais temia aconteceu. João foi destacado para uma missão no Kosovo. O tempo que a missão durou, foi de angústia, temor e saudade. Apesar de todos os dias falarem ao telemóvel, estes demoravam a passar e as noites de insónia, na solidão do leito de casal pareciam eternas.
O dia em que ele voltou foi de enorme alegria. O mês de férias que se seguiu, foi intensamente vivido pelo casal, numa espécie de segunda lua-de-mel. Um mês depois de João ter retomado o serviço no quartel, o seu comportamento começou a mudar. Primeiro eram dores de cabeça, depois cansaço, falta de apetite. Decorridos apenas dois meses, João não parecia o mesmo. Tinha emagrecido, estava sempre cansado, enjoado e por vezes tinha vómitos. Foi ao médico no quartel e depois fez imensos exames, foram-lhe dados alguns medicamentos, mas apesar disso não melhorava, antes pelo contrário, ia piorando, todos os dias um pouco, de tal modo que duas semanas depois da primeira consulta, foi hospitalizado. O cabelo caía, a cor desaparecia rapidamente do seu rosto e os vómitos e diarreias tornaram-se frequentes. Os médicos não respondiam às perguntas do casal, como se houvesse qualquer coisa estranha, que eles não queriam, ou não podiam divulgar.
Pouco menos de um mês durou o internamento de João que faleceu numa tarde de chuva no hospital militar.
Louca de dor, Inês fechou-se no quarto sem querer ver nem falar com ninguém. Não suportava a ausência do marido, não podia, nem queria, viver sem ele.
Compadecida a mãe tentava arrancá-la daquele desespero. E foi num desses momentos que Inês  desmaiou nos braços da mãe. Apavorada, pensando que a filha pudesse ter sido contagiada  pelo marido e ter a mesma doença, chamou o médico.
Este, depois de a examinar, disse sorrindo que não era nada grave. Apenas uma nova vida vinha a caminho. Inês ia ser mãe.
Foi um balsamo para o coração sofrido da jovem. A esperança de vir a ter nos braços um filho, fruto do grande amor que a unira ao marido, encheu de paz o seu espírito revoltado. E fez as pazes com a vida.
Por esses dias Inês recebeu um relatório do quartel. Segundo esse relatório, João morrera vítima de um envenenamento radioativo.
Apavorada Inês correu para o seu médico. Fez imensos exames, para ver como estava o bebé, mas estava tudo bem com ele. Claro que o médico não excluía a hipótese de problemas futuros, mas não passavam de hipóteses e de momento estava tudo bem.
A mãe de Inês dizia: “quando Deus fecha uma porta, abre sempre uma janela”.
Por isso, hoje, a jovem acaricia a sua proeminente barriga, acreditando que a criança que carrega no ventre, é a janela que Deus abriu para ela.


Elvira Carvalho



19 comentários:

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
pela janela que se vai abrir, vai entrar muito sol e muita luz , pois DEUS também compensa quem sofre. !!!
JAFR

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Um final feliz apesar do drama, gostei.
Um abraço e boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar as histórias!

Isabel Sá
Brilhos da Moda

chica disse...

Que bom que teve um final feliz pra Inês! Ela merecia, após ter sofrido com a dor da perda e tantas preocupações! lindo conto! bjs, chica

António Querido disse...

Há coincidências que não coincidem! A minha sobrinha Inês é professora de Física/química! O companheiro com quem vive, o João é médico dentista, que eu tenha conhecimento não está grávida e o João está a trabalhar nas suas clínicas! Ainda bem que essa tragédia aconteceu longe deles, embora triste.

Um feliz dia 5 de abril para o casal Carvalho, PARABÉNS ao filho da escola, com o meu abraço.

Os olhares da Gracinha! disse...

E pode não ser fácil mas que a Inês foi abençoada...ai isso foi!!!bj

Diana Fonseca disse...

É duro. Mas, ainda bem que algo bom vem para a ajudar e erguer-se.

Janita disse...

Há sempre as vítimas inocentes da guerra e, os que não morrem nela, mas em consequência dela, fazendo outras vítimas.
Felizmente, na história da Elvira, assim como na vida, outras vidas vêm dar sentido à vida.
Um abraço, boa semana.

Edum@nes disse...

A guerra destruidora, todavia, não destrói na totalidade. Aí está a prova de que a vida tem continuidade. Inês acariciando a sua barriga. Recordando o João seu falecido marido com saudade.

Tenha uma boa tarde amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.

AvoGi disse...

Envenamento radioactivo...E a criança será que foi concebida com radioactividade no corpo?
Um bebé é sempre uma alegria
Kis :=}

AvoGi disse...

Elvira..
Vais ao encontro/almoço em Braga?
Kis :=}

Tintinaine disse...

Coitadita da Inês!
Felizmente é apenas ficção!

José Lopes disse...

A vida e os seus altos e baixos...
Cumps

Prata da casa disse...

Felizmente a nossa heroína teve algo por que ansiar e lhe aliviar a dor.
Bjn
Márcia

Odete Ferreira disse...

Tocante este conto, Elvira.
Parabéns!
Bjinho, amiga

Roselia Bezerra disse...

Boa noite, querida Elvira!
Todas as vezes que Deus colocou um ser em meu ventre foi para melhor...
Bjm muito fraterno

Cantinho da Gaiata disse...

Um conto atribulado, mas com um final feliz.
Bj

Rosemildo Sales Furtado disse...

Primeiro a felicidade vivida decorrente de um amor intenso; segundo, a saudade e o temor quando João foi destacado para a missão no Kosovo; terceiro, a alegria e os prazeres de uma segunda lua-de-mel, quando nas férias de João; Quarto, a tristeza e a intensa dor da perda, decorrente da morte de João; Quinto, a felicidade ao saber que João havia lhe deixado uma semente, que em breve brotaria, e assim, não o deixasse cair no esquecimento. São os altos e baixos da vida. Realmente, DEUS fecha a porta e deixa sempre uma janela aberta, assim como, com certeza, dá o frio conforme o cobertor. Belo conto amiga Elvira.

Abraços,

Furtado.

Ana Freire disse...

Um belíssimo conto... bastante real... muitos soldados, foram contaminados... e muitos outros... certamente nem saberiam que há cenários trágicos, que deixam marcas para o resto da vida...
Ainda hoje morrem imensos bombeiros em NY que combateram o fogo das torres gémeas, por exemplo...
Adorei o conto, com um final feliz, apesar de tudo!
Beijinho!
Ana