Naquele fim de tarde, Inês estava
sentada à beira mar, os olhos fitos no horizonte, onde céu e mar se pareciam
fundir num abraço.
Era uma jovem e bonita mulher, e
o seu corpo elegante, ostentava uma proeminente barriga de grávida, que de vez
em quando ela acaricia com nostalgia. Da gaveta da memória, saltam recordações,
que se espalham à sua volta, dançam ao seu redor, como borboletas loucas. E de
repente se juntam, e o mar não é mais mar, mas uma tela gigante, onde se
projeta um filme. Mas este não é um filme qualquer. É um filme onde ela tem um
dos papéis principais. É… a película, da sua vida. E lá está João, com o
seu maravilhoso sorriso, que lhe ilumina a face e lhe põe um brilho no olhar,
capaz de fazer inveja à estrela mais brilhante. E o seu rosto enche por
completo todo o ecrã. Desvia o olhar para a areia à sua volta, e o rosto dele
sai da tela, espalha-se pela areia, beijando os seus pés nus, rodeando o seu
corpo saudoso.
João, o grande amor da sua vida.
O homem com quem casou, o amante que lhe ensinou todos os segredos do amor, que
lhe despertou os sentidos, e os desejos.
João fora a Primavera, que fizera
desabrochar e resplandecer a rosa que habitava, num recôndito da sua alma.
Ao lado de João, Inês tinha tudo
para ser uma mulher feliz.
E contudo não o era. João
era militar, várias noites por obrigação ficava no quartel, e essas noites eram
uma tortura para ela.
Não que ela fosse uma mulher
insaciável, que não pudesse passar uma noite sem fazer amor. Nada disso. Mas
era nessas noites de solidão, que os fantasmas da guerra e da profissão do
marido, se vinham deitar com ela, e a amedrontavam de tal modo que a faziam passar a noite insone.
E um dia, o que mais temia
aconteceu. João foi destacado para uma missão no Kosovo. O tempo que a missão
durou, foi de angústia, temor e saudade. Apesar de todos os dias falarem ao
telemóvel, estes demoravam a passar e as noites de insónia, na solidão do leito
de casal pareciam eternas.
O dia em que ele voltou foi de
enorme alegria. O mês de férias que se seguiu, foi intensamente vivido pelo
casal, numa espécie de segunda lua-de-mel. Um mês depois de João ter retomado o
serviço no quartel, o seu comportamento começou a mudar. Primeiro eram dores de
cabeça, depois cansaço, falta de apetite. Decorridos apenas dois meses, João não
parecia o mesmo. Tinha emagrecido, estava sempre cansado, enjoado e por vezes
tinha vómitos. Foi ao médico no quartel e depois fez imensos exames, foram-lhe
dados alguns medicamentos, mas apesar disso não melhorava, antes pelo contrário,
ia piorando, todos os dias um pouco, de tal modo que duas semanas depois da
primeira consulta, foi hospitalizado. O cabelo caía, a cor desaparecia
rapidamente do seu rosto e os vómitos e diarreias tornaram-se frequentes. Os
médicos não respondiam às perguntas do casal, como se houvesse qualquer coisa
estranha, que eles não queriam, ou não podiam divulgar.
Pouco menos de um mês durou o
internamento de João que faleceu numa tarde de chuva no hospital militar.
Louca de dor, Inês fechou-se no
quarto sem querer ver nem falar com ninguém. Não suportava a ausência do
marido, não podia, nem queria, viver sem ele.
Compadecida a mãe tentava arrancá-la
daquele desespero. E foi num desses momentos que Inês desmaiou nos braços
da mãe. Apavorada, pensando que a filha pudesse ter sido contagiada pelo
marido e ter a mesma doença, chamou o médico.
Este, depois de a examinar, disse
sorrindo que não era nada grave. Apenas uma nova vida vinha a caminho. Inês ia
ser mãe.
Foi um balsamo para o coração
sofrido da jovem. A esperança de vir a ter nos braços um filho, fruto do grande
amor que a unira ao marido, encheu de paz o seu espírito revoltado. E fez as
pazes com a vida.
Por esses dias Inês recebeu um
relatório do quartel. Segundo esse relatório, João morrera vítima de um
envenenamento radioativo.
Apavorada Inês correu para o seu
médico. Fez imensos exames, para ver como estava o bebé, mas estava tudo bem
com ele. Claro que o médico não excluía a hipótese de problemas futuros, mas
não passavam de hipóteses e de momento estava tudo bem.
A mãe de Inês dizia: “quando Deus
fecha uma porta, abre sempre uma janela”.
Por isso, hoje, a jovem acaricia
a sua proeminente barriga, acreditando que a criança que carrega no ventre, é a
janela que Deus abriu para ela.
Elvira Carvalho
19 comentários:
Bom dia
pela janela que se vai abrir, vai entrar muito sol e muita luz , pois DEUS também compensa quem sofre. !!!
JAFR
Um final feliz apesar do drama, gostei.
Um abraço e boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
A passar por cá para acompanhar as histórias!
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Que bom que teve um final feliz pra Inês! Ela merecia, após ter sofrido com a dor da perda e tantas preocupações! lindo conto! bjs, chica
Há coincidências que não coincidem! A minha sobrinha Inês é professora de Física/química! O companheiro com quem vive, o João é médico dentista, que eu tenha conhecimento não está grávida e o João está a trabalhar nas suas clínicas! Ainda bem que essa tragédia aconteceu longe deles, embora triste.
Um feliz dia 5 de abril para o casal Carvalho, PARABÉNS ao filho da escola, com o meu abraço.
E pode não ser fácil mas que a Inês foi abençoada...ai isso foi!!!bj
É duro. Mas, ainda bem que algo bom vem para a ajudar e erguer-se.
Há sempre as vítimas inocentes da guerra e, os que não morrem nela, mas em consequência dela, fazendo outras vítimas.
Felizmente, na história da Elvira, assim como na vida, outras vidas vêm dar sentido à vida.
Um abraço, boa semana.
A guerra destruidora, todavia, não destrói na totalidade. Aí está a prova de que a vida tem continuidade. Inês acariciando a sua barriga. Recordando o João seu falecido marido com saudade.
Tenha uma boa tarde amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.
Envenamento radioactivo...E a criança será que foi concebida com radioactividade no corpo?
Um bebé é sempre uma alegria
Kis :=}
Elvira..
Vais ao encontro/almoço em Braga?
Kis :=}
Coitadita da Inês!
Felizmente é apenas ficção!
A vida e os seus altos e baixos...
Cumps
Felizmente a nossa heroína teve algo por que ansiar e lhe aliviar a dor.
Bjn
Márcia
Tocante este conto, Elvira.
Parabéns!
Bjinho, amiga
Boa noite, querida Elvira!
Todas as vezes que Deus colocou um ser em meu ventre foi para melhor...
Bjm muito fraterno
Um conto atribulado, mas com um final feliz.
Bj
Primeiro a felicidade vivida decorrente de um amor intenso; segundo, a saudade e o temor quando João foi destacado para a missão no Kosovo; terceiro, a alegria e os prazeres de uma segunda lua-de-mel, quando nas férias de João; Quarto, a tristeza e a intensa dor da perda, decorrente da morte de João; Quinto, a felicidade ao saber que João havia lhe deixado uma semente, que em breve brotaria, e assim, não o deixasse cair no esquecimento. São os altos e baixos da vida. Realmente, DEUS fecha a porta e deixa sempre uma janela aberta, assim como, com certeza, dá o frio conforme o cobertor. Belo conto amiga Elvira.
Abraços,
Furtado.
Um belíssimo conto... bastante real... muitos soldados, foram contaminados... e muitos outros... certamente nem saberiam que há cenários trágicos, que deixam marcas para o resto da vida...
Ainda hoje morrem imensos bombeiros em NY que combateram o fogo das torres gémeas, por exemplo...
Adorei o conto, com um final feliz, apesar de tudo!
Beijinho!
Ana
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