Seguidores

14.11.14

ROSA -------- PARTE XIV


Quando em 1969, a filha mais velha da Rosa se casou, ela já não sabia do marido há largos meses.
Mergulhado nos ideais comunistas, João fora-se embrenhando na política e tornando-se um membro muito ativo no partido. A política é uma amante muito ciosa dos seus afetos e não tem contemplações com outros amores, especialmente em regimes fascistas e repressivos. Assim, aos poucos foi-se afastando cada vez mais da família. No começo, ele conseguia conjugar o seu trabalho, a vida familiar e as obrigações do partido sem levantar grandes suspeitas. Mas à medida que se foi tornando mais influente dentro do partido, isso tornou-se praticamente impossível. E quando, após uma denúncia, a maior parte dos seus camaradas foram surpreendidos e presos, João, que só não fora à reunião porque nesse dia entrara às 16 horas no trabalho e só saiu à meia-noite, pensou que a sua prisão estaria por horas. Em parte por causa da família, e em parte porque achava que seria mais útil ao partido cá fora do que preso, fugiu nessa mesma noite. Mais uma vez, Rosa ficava numa situação precária, com 3 crianças e um adolescente frágil e doente para cuidar e alimentar. Valeram-lhe as duas filhas mais velhas e algumas vizinhas. Estas ajudavam não só com alguma comida como também arranjando-lhe mais horas de trabalho. De vez em quando, chegava uma carta com dinheiro. Não muito, mas era uma ajuda. Embora as cartas não trouxessem remetente, Rosa sabia que eram do marido. A primeira carta chegou com carimbo de Beja, a segunda de Lisboa, a terceira de Faro. Cada uma de um sítio diferente. Ela não podia saber que a carta que recebia viajava sempre com algum camarada para uma terra distante e só lá era metida no correio. Mas este era um estratagema que eles usavam para despistar a P.I.D.E. Agora, a filha mais velha ia casar. Rafael era um excelente rapaz, muito trabalhador. Filho único, de mãe viúva, conseguiu livrar-se da ida para o Ultramar, por ser dado como amparo de mãe.
Rosa sentia uma grande tristeza por não ser o marido a levar a filha ao altar; e não tê-lo a seu lado naquele dia tão importante das suas vidas. Afinal, a noiva era a sua menina. Tinha medo que ele estivesse preso. Há vários meses que, não recebia nenhuma carta. Falava-se em sussurros que nas últimas semanas tinham sido efetuadas muitas prisões. De vez em quando, desaparecia um vizinho. No Barreiro, havia muitas mulheres como ela. Viúvas da política. Algumas eram viúvas de facto pois os seus maridos foram torturados até à morte. Outras eram viúvas de maridos vivos, pois que estes estavam presos e muitas vezes nem a família sabia onde, ou ainda, andavam fugidos por terras estranhas.

Continua

Nota: O Barreiro foi uma terra muito martirizada pela P.I.D.E.
Quase meio milhar de homens foi preso, sem cometer outro crime, que não fosse reclamar da vida de miséria que tinha. Claro que entre eles havia membros do partido comunista que lutava na sombra contra a politica fascista do regime. Mas a grande maioria, apenas queria uma vida melhor e nem sabiam o que era comunismo, quanto mais pertencer ao partido. Muitos deles não resistiram às sessões de tortura.

25 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Escrita escorreita, directa e sem floreado mostrando o passado que jamais se quer

O Barreiro foi de facto o que afirma ter sido.

Ainda hoje se diz (dizem alguns poetas) que a margem esquerda do Tejo é a margem esquerda da vida.

Continuo

Pedro Coimbra disse...

Crónicas que se podem ouvir em primeira pessoa numa estação de rádio portuguesa (Comercial? Antena 1?) no programa "No Limite da Dor"
Bfds

Lucinha disse...

Elvira,

Linda crônica.
Essa linda imagem me fez lembrar a foto do casamento de meus pais.
Beijos

chica disse...

Estou adorando ler e foi triste essa situação vivida naquela época. Vamos esperando mais! bjs, lindo fds! chica

ONG ALERTA disse...

Uma vida difícil....
Beijo Lisette

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

Vida atribulada e sofrida a da Rosa, que parece não ter fim à vista.Que quando tudo parecia bem encaminhado,viu o homem metido na política...Coisa para gente abnegada e corajosa, nesse tempos em que reinava a ditadura.

Bela narrativa.
Um abraço

Vitor

Bell disse...

Tadinha da Rosa, aff os homens antigamente só pensavam em política, hj em dia em dinheiro, muitos trabalham horas e horas e deixam as famílias de lado.
Tudo é questão de prioridade e família é o bem mais precioso.

bjokas =)

vendedor de ilusão disse...

Estive bastante ausente e este teu Conto já anda bem adiantado, mas não haverá de ser nada; aos miúdos irei lendo!
Abraço pra ti.

Edum@nes disse...

Lutar contra os inimigos da liberdade,
vale sempre a pena e valeu
depois dos sacrifícios veio a realidade
e foi a lutar que a ditadura se venceu!

Agora falta vencer a corrupção,
para isso a luta tem de continuar
das garras da destruidora governação
como dantes só o povo a pode libertar!

Que nada de mal,
ao João, tenha acontecido,
não tenha ido parar ao Tarrafal
onde muitos torturas terão sofrido!

Bom fim de semana, amiga Elvira, um abraço.
Eduardo.

Emília Pinto disse...

Os problemas aparecem todos os dias na vida das pessoas, mas para algumas eles parecem que nunca acabam. A Rosa pelo menos tem de agradecer a alma boa que lhe apareceu; o marido ajudou-a da maneira que podia. Tem a felicidade de ver a filha a casar-se e de ter tido a oferta de uma casinha nova. Agora o marido mete-se em política o que para ela e filhos é muito mau, no entanto temos de pensar que se não fossem esses homens corajosos a vida estaria miserável como nesses tempos. Hoje em dia as coisas também estão difíceis, mas nada ainda se compara à miséria daqueles tempos. Digo ainda, porque, se não houver cautela lá chegaremos. Cá estarei para seguir a vida de Rosa. Elvira. Um bom fim de semana, apesar do tempo tempo terrível. Um beijinho
Emília

Laura Santos disse...

Muito bem lembrados os tempos de clandestinidade, e de como a a PIDE interferia na vida de tanta gente que pagou com a própria vida o atrevimento de defesa de ideais. Por outro lado a capacidade de resistência de tantos homens e mulheres através de estratagemas para se manterem clandestinos.
Uma vida familiar horrível, que por vezes acabaria por desmoronar-se.
Estou a gostar, Elvira!
xx

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

continuas uma narração muito bem escrita e penso que não será ficção...

vidas duras....

bom fim de semana.

:)

São disse...

Bom que não se deixe esquecer a dureza da vida na ditadura!!

Bom serão, amiga :)

Mariazita disse...

Apesar de conhecer, como já lhe disse...sempre que cá venho gosto de relembrar.
Vivi de muito perto esse período, conheci muitas pessoas que estiveram presas (uma, pelo menos , do Barreiro, pai duma amiga minha)por isso posso dizer que a sua narrativa está muito fiel relativamente ao que se passou naqueles tempos horrorosos, de medo e dor.
Tempos que desejamos não voltem mais!

Bom fim de semana.
Um abraço
Mariazita

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Que vida triste da Rosa... e de tantas outras por ai, que viveram duramente esta época tão triste.
Linda narrativa.
Um ótimo final de semana Elvira!
Beijos
Mariangela

Unknown disse...

Relembrando um pouco do nosso tempo.
Muitos sofreram e morreram ,mas os carrascos ainda se mantêm por aí...

Andre Mansim disse...

Puxa Elvirinha, esse conto está me surpreendendo. Eu já conheço o seu talento, mas esse aqui tá bom demais!

Parabens minha amiga!

Existe Sempre Um Lugar disse...

Bom dia, ao ler o seu texto tão real, o mesmo transportou-me para o passado da minha quase toda família.
AG

esteban lob disse...

Vaya, Elvira. La trama ahora cobra inclusive matices políticos. Sigue muy interesante, como siempre amiga.

Lilá(s) disse...

Que vida sofrida a da pobre Rosa,está cada vez mais interessante Elvira!
Bjs

Olinda Melo disse...


Uma situação que muitos ainda têm na memória, por a terem vivido ou através familiares.

Obrigada por mais este capítulo da vida de Rosa, Elvira.

Bom domingo.

Olinda

RENATA CORDEIRO disse...

Uma época triste, uma vida triste.
Beijo*

lis disse...

Uma época que leio a respeito mas não tive conhecimento à época.
E ver o marido perseguido pelo governo ditatorial é realmente muito triste,
Sempre gostei de ler a respeito desses valentes que se dispõe a insurgir contra os mandões autoritários que faz a vida mais pobre ainda do que é.
Estou gostando muito Elvira e com pena da pobre Rosa.
um abraço

Isamar disse...

Uma realidade muito dura a que nos descreves. A P.I.D.E., por um lado, e a guerra do Ultramar, por outro, roubavam muitos homens e jovens às suas famílias. Muitos foram aqueles que, levados pela Pide, nunca mais foram vistos pela. Eram assim tratados os resistentes ao regime fascista. Outros regressaram aos seus mas não eram as mesmas pessoas depois de sujeitos às mais cruéis torturas que possamos imaginar. Quanto à guerra do Ultramar levou-nos quase 9000 jovens deixando muitos outros estropiados fisica e psicologicamente.Não podemos esquecer estes momentos trágicos!

Zilani Célia disse...

OI ELVIRA!
LENDO!


http://zilanicelia.blogspot.com.br/