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13.11.14

ROSA ------ PARTE XIII




                                          Foto DAQUI


Quando Rosa saiu do hospital, o padre que a tinha casado, arranjou-lhes um dos oito fogos, que ele próprio mandara construir para alguns dos seus paroquianos, que viviam em condições miseráveis. A casa ficava na vila, longe portanto da Seca, mas Rosa achou que lhes tinha saído a sorte grande. A casa, composta por uma boa cozinha, casa de banho e  três quartos, com água, luz e chão de tacos, pareceu-lhe um palácio. A vida do casal começava a melhorar. A filha mais velha foi servir para Cascais e só vinha a casa uma vez por mês. A segunda também foi servir para casa dum Sr. Doutor, lá mesmo no Barreiro. Dos três mais velhos, ficava em casa o rapaz que era muito frágil e que tinha sempre “uma ninhada de gatos no peito”. Ali na vila, Rosa arranjou algumas senhoras que lhe davam umas horas de trabalho para limpezas, ou passar a ferro e a vida parecia então começar a equilibrar-se. Mas… foi nessa altura que João mudou. Andava macambúzio, perdera parte da sua alegria, olhava à volta com desconfiança e, de vez em quando, saía à noite. Às vezes, vinha cedo mas outras, só voltava de madrugada. Rosa começou a pensar que ele tinha arranjado uma amante.
Sentia que o chão lhe fugia debaixo dos pés e um dia fez-lhe a pergunta direta.
João irritou-se. Que ela estava doida, onde teria ido buscar essa ideia. Mas Rosa não ficou convencida. E numa noite, em que o marido voltou a sair, ela foi atrás dele. E viu quando ele se encontrou com mais dois e como andavam 
em silêncio, acautelando-se nas sombras. E viu quando um quarto homem chegou com uma pasta, da qual tirou uns papéis que distribuiu em silêncio. Escondida, viu como os homens espalhavam alguns papéis, protegendo-se sempre no escuro e sem trocarem uma palavra. Assustada, voltou para casa e meteu-se na cama. A tremer, esperou a chegada do marido. Ela já tinha visto alguns papéis daqueles no chão. Tentara até apanhar um, mas a vizinha impediu-a. Disse-lhe que eram papéis contra o governo, que os comunistas espalharam, mas que se ela fosse apanhada com algum, seria considerada comunista e seria presa. O João podia ser preso? A frase martelava-lhe a cabeça e dava-lhe suores frios.
Quando João chegou a casa, achou a mulher estranha.
- O que tens, mulher? Aconteceu alguma coisa?
Ela respondeu com outra pergunta:
- Tu és comunista, João?
- Cala-te, - disse perdendo a cor. Nem em pensamento, ouviste, nem em pensamento repitas isso.
- Então é verdade, disse ela com a voz embargada pelas lágrimas. Mas porquê? Já passamos tanta fome, tanta miséria e agora que a nossa vida está bem melhor, é que queres desgraçar-nos.
-Tu não compreendes mulher. É nosso dever tentar que os nossos filhos não passem o que nós passamos.
- Mas… e se eles te prendem João?
 - Não te preocupes, nós temos cuidado. É verdade que há muitos “bufos”, mas também há muita gente do nosso lado.
Mas, desde aquela noite, e durante vários anos, Rosa nunca mais teve um minuto de sossego.


Continua


Bom, será que a vida da Rosa não tem sossego? Para os amigos portugueses, esta Rosa é vossa conhecida não é mesmo? Pois é, quantas Rosas viveram neste país no espaço temporal entre o início do estado novo e a revolução dos cravos.

17 comentários:

chica disse...

Coitada da Rosa. Quando as coisas começam a melhorar pra ela, o marido a preocupa.E como!!! Adorando a leitura!! beijos,chica

São disse...

Muito conhecida, sim !

Esperemos que não a voltemos a reencontrar senão no seu blogue...

Beijinhos amigos.

manuela barroso disse...

Os sobressaltos de vidas que tentam escapar as assaltos de tantos vândalos.
Vivacidade na narrativa como é seu timbre.
beijinhos Elvira

Edum@nes disse...

A Rosa tinha razão, estava preocupado e não era caso para menos, pois a qualquer momento o João poderia ser apanhado pelo PIDE, e se isso acontecesse estava sujeito a ir parar ao TARRAFAL, fazer companhia a muitos outros que lá estavam por pensarem como o João pensava. Libertar o país das garras da ditadura, para que os filhos dele e os nossos filhos também pudessem ter uma vida melhor do que aquela que nós tínhamos. Reparem, eu digo nós porque também vivi no tempo da ditadura. Hoje posso dizer, que a pesar da crise que assola o país, vive-se melhor do que se vivia nesse tempo, bem hajam aqueles que derrubaram a ditadura. A maioria das pessoas trabalhavam até morrer. Os trabalhadores rurais nenhum tinha direito a reforma, porque também não fazia descontos para Segurança Social.Hoje quem está no desemprego tem direito ao subsídio correspondente. Há reformas para toda a gente, embora muitas sejam de miséria mas há. No tempo da ditadura não havia nada disso. Quase ninguém tinha carro, podiam-se contar pelos dedos aqueles que o tinham. Viva Portugal, viva o 25 de Abril, viva a liberdade, viva eu e toda a rica gente deste país!

Boa noite quarta-feira, um abraço para você amiga Elvira.
Eduardo.

Rogério G.V. Pereira disse...

É verossímil esse retrato de Rosa, é verossímil o comportamento de medo... há um toque de um neorrealismo (entretanto perdido) que me agrada...

continuemos

Laura Santos disse...

Algo me diz que o João poderá vir a ser preso e que novas angústias surgirão na vida deste casal...Será?
Um grande retrato de tempos que esperemos não voltem mais, num tipo de narrativa que praticamente se abandonou.
Estou curiosa pelo desenrolar da história.
xx

Berço do Mundo disse...

Olá Elvira. Vim actualizar-me sobre a estória da Rosa e gostei particularmente da promessa do militar à Virgem.
A vida da nossa protagonista tem sido difícil, mas ao menos é digna. Aguardo novos desenvolvimentos e aproveito para agradecer a sua presença sempre querida lá no blog.
Beijinhos
Ruthia d'O Berço do Mundo

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Coitada da Rosa... Mais uma pra ela ter que aguentar, como tantas que passaram por isso.
Esperemos pra ver!
Estou gostando muito desta história Elvira!
Beijos!
Mariangela

Flavia disse...

que historia interessante. obrigada por compartilhar!
bjs
Flavia
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Teresa Brum disse...

Que triste a vida da Rosa, tomara que ela não sofra ainda mais.
Um abraço cara amiga Elvira, bom demais ler você, bjs.

Olinda Melo disse...


Mais uma reviravolta na vida de Rosa.
A distribuição de panfletos na clandestinidade e tudo o que significava, lembrou-me "Até, Camaradas" de Manuel Tiago (Álvaro Cunhal).

BJ

Olinda

Bell disse...

Eu quero um final bonito pra ela.
bjokas =)

DE-PROPOSITO disse...

Um texto que para os mais jovens é difícil de compreender. Foi uma época de trevas em que vivemos. E já tanta gente se esqueceu disso (os mais velhos).

Felicidades
MANUEL

José Lopes disse...

Conheci várias Rosas e alguns Joãos nesta vida que já vai longa o suficiente para ter visto muita coisa...
Cumps

Lari Moreira disse...

Coitadinha da Rosa kkkk ao menos o marido dela nao esta com amante nenhuma!
maybe-i-smiled.blogspot.com.br

Zilani Célia disse...

OI ELVIRA!
REALMENTE A ROSA NÃO TEM PAZ, QUANDO AS COISAS PARECEM MELHORAREM PARA ELA, MAIS UMA.
ABRÇS

http://zilanicelia.blogspot.com.br/

lis disse...

Oi Elvira
Interessante como nossas vidas tem viravoltas ,novos caminhos e surpresas mil.
A Rosa está vivendo todas.
Muito boa a sequência.
abraços