Foto DAQUI
- Sente-se mal, senhor?
Era a mulher jovem que vira ao entrar. A outra também se aproximou. Olhou
para ele, olhou para a morta e soltou uma exclamação abafada.
- Santo Deus!
Havia tal espanto na sua voz que a jovem olhou. O homem também o fez. E o
que viu encheu a sua alma de espanto. Os olhos da Esperança, tinham voltado a
ser castanhos, tal como ele os recordava. Um castanho quente e doce, a que nem a frieza
da morte retirava encanto. Assustado, fugiu dali como se fosse perseguido,
enquanto a jovem cerrava suavemente os olhos da defunta, dizendo:
- O Chico! Só podia ser o Chico! Meu Deus por que não me ocorreu logo?
***********
- Ciiiincoooo caaartassss, deeezzzzz
toooostõeeees!
Quedei-me surpreendida ao ouvir aquele pregão numa voz masculina. Procurei,
com o olhar, o dono da voz e deparei com o Chico que, de cartas na mão, andava
de um lado para o outro apregoando:
- Ciiiiincoooo caaartassss, deeezzzzz
toooostõeees!
Durante os dias que se seguiram ao funeral da "Esperança dos olhos
verdes”, e aproveitando o resto das minhas férias, tinha conseguido saber que o
Chico tinha voltado do Brasil, viúvo e muito rico. Vinha com a intenção de se
fazer perdoar e viver enfim um amor que tinha ficado perdido no passado. Devo
acrescentar que me foi fácil descobrir isto. Bastou seguir o Chico no próprio
dia do funeral e apresentar-me como amiga da Esperança. Como tinha sido vista
por ele, em casa dela, não foram difíceis as confidências.
Mas então que história era aquela? Porque estava ali a vender cartas no
Terreiro do Paço, junto à gare fluvial da travessia Lisboa /Barreiro? E que
roupas eram aquelas tão simples e semelhantes aos outros vendedores?
Correndo o risco de chegar atrasada ao emprego, interroguei-o. Ele então
contou-me, que os remorsos não o deixavam em paz, depois de saber da sofrida
espera da amada.
Assim resolvera doar em nome da falecida a sua fortuna para instituições de
caridade.
E, agora ,ali estava no sítio onde ela vivera e fazendo o que ela fizera.
Procedendo assim,sentia-se mais perto da mulher a quem tanto amara e que
desgraçara por ambição.
- Talvez, quem sabe, seja mais fácil obter o seu perdão e viver este amor
numa outra dimensão.
Apertei-lhe o braço, tentando dar-lhe algum consolo e afastei-me,
acompanhada pelo pregão tão conhecido:
- Ciiiincoooo caaartassss, deeezzzzz
toooostõeees!
Fim
Maria Elvira Carvalho
15 comentários:
Hummmm! Não acredito! preferia que o final se tivesse ficado pela mudança de cor dos olhos da Esperança...
Mas foi um belo «suspense»...
Beijinhos
O conto foi bem montado, com é hábito.
Como sou mázinha, o desgraçado morreria fulminado!!
Qual doação de fortuna, um tipo desses nunca o faria, menina, não se iluda...
Beijinhos com amizade. rrss
Deixou, para trás, um amor perdido.
Foi para o Brasil, atrás das ambições
Para o recuperar voltou arrependido
O Chico, das cinco cartas, dez tostões.
Por dinheiro se destroem vidas
Há quem mate por dinheiro
Por dinheiro, se perdem vidas.
O Chico perdeu a "Esperança dos olhos verdes", dos seus olhos muitas lágrimas
terão ficado na terra caídas!
Bom fim de semana para você amiga Elvira, um abraço
Eduardo
Nem sempre os finais são felizes. Gostei muito do conto. Quem tudo quer tudo perde...Bom fim de semana e beijos com carinho
Cara Elvira
Lamento a morte da sua tia. Apresento-lhe os meus pêsames.
O conto não teve um final feliz, mas é o retrato do que acontece, muitas vezes, na vida. Conheci uma rapariga cujo o namorado fui para os Estados Unidos, com a ajuda monetária dela, para depois se casarem por procuração e ir ter com ele. O que aconteceu foi que ele chegou lá, nunca mais deu notícias e depois ela veio a saber que se tinha casado por lá. Ela deixou o trabalho em Lisboa, foi para a terra, ainda é viva, mas tem vivido com grandes problemas de depressão.
Vê-se que o Chico também não foi feliz com a mulher que ele escolheu e a ganância não lhe serviu de nada.
A Esperança coitada é foi mesmo infeliz. O acto dele, ao doar a fortuna foi apenas para descargo de consciência.
Bjs
Olinda
Elvira
Um coração bom como o seu tinha de permitir a redenção a quem errou.
Quem nunca pecou...
Beijos
Não esperava um final feliz, mas também não estava à espera que o Chico impusesse a si mesmo um castigo tão grande, mas...cada consciência faz aquilo que acha melhor para tentar acalmar os remorsos; é que estes muitas vezes também matam. Belo conto, Elvira, como sempre. Cá fico à espera de mais um. Um bom fim de semana, amiga! O sol hoje já deu o ar de sua graça, embora timidamente. Beijinhos
Emília
Olá, Elvira!
O final tem tanto de inesperado como de dramático, a lembrar o romance "crime e castigo".
E de tão bem construída que está, fico na dúvida se a mesma terá um fundo de verdade, ou mero fruto de criadora imaginação.
Seja ela uma coisa ou outra, os meus parabéns!
Um abraço
Vitor
"Quem tudo quer nada tem", já diz o ditado.
Belo conto, triste conto, gostei.
Sinto muito pela perda dos seus links, mas feliz por ter me reencontrado.
Um abraço querida Elvira.
Olá, estimada Elvira!
Então, os olhos da Esperança sempre voltaram a ser castanhos, ao "pressentir" a presença do Chico.
Gostei muito da ação dele, no final do seu conto.
Bom domingo.
Beijos para todos, com estima.
Oi Elvira
O amor quando apaixonante não consegue superar a perda com facilidade,
E pior o remorso o não perdoar-se deixa cicatrizes na alma que não se apaga,
Eis o resultado...
Bom final Elvira
és mestra dos contos, beijinhos pra ti,
Olá, como está?
Obrigado pelo seu comentário, no Merdock.
Olhe, em Faro, no Liceu onde eu andava, fomos obrigados a ir para as aulas, dada a insensibilidade (e cretinice) do reitor, pois a grande maioria dos alunos ficou a aula inteira a olhar a neve, pela janela, e não ouviu nada do que o professor disse...
Bjssss
Prometia, e prometeu.
Excelente remate final, bem trabalhado.
Como analisas os comportamentos humanos. Gostei.
Posso imprimir e dar a ler aos meus alunos?
Aquele abraço amigo.
Oi, Elvira!
Enfim, Esperança conquistou a sua paz e Chico o seu inferno! O que não haveria de acontecer, se o amor fosse colocado em primeiro lugar!!
Justo final!!
Beijus,
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