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16.11.11

HISTÓRIA DO BACALHAU - PARTE IV

BACALHAU - PARTE IV

Antes de eu nascer, o meu pai falou com o Sr. Capitão para ver se a minha mãe podia ficar na seca o ano todo com ele, visto que o meu pai era o lenhador e ficava o ano todo enquanto a minha mãe quando acabava a safra ia pró norte  prá casa dos pais. Então o patrão mandou os meus pais para  uma  barraquita de madeira que havia debaixo de um pinheiro manso, na parte alta da Seca e aí eu nasci e vivi os primeiros seis meses, até que o Capitão Ramalheira, que era o gerente da Seca nos mandou para um barracão de madeira, junto ao rio, onde já viviam outros 3 casais nas mesmas condições. Era um barracão enorme, com 4 quartos, um para cada casal, e respetivos filhos, um salão com 11m de comprimento com uma grande mesa no meio e bancos corridos, e num canto sobre uma chapa, dois tijolos ao alto com uns ferros no meio para poisar as panelas. Era aí que se cozinhava. Mais tarde os outros 3 casais partiram e só lá ficaram os meus pais. Foi neste barracão que nasceram os meus irmãos e que vivi até aos 18 anos. Esta introdução servirá a quem me lê para me conhecer melhor.
Quando os navios chegavam, fazia-se a descarga. Embora a Seca estivesse junto ao rio, os barcos ficavam ancorados na parte mais funda e era preciso ir lá descarregá-lo. Fazia-se isso da seguinte maneira. Iam umas tantas mulheres para o porão do navio e arrancavam o bacalhau das pilhas, jogando-o para uma pequena plataforma onde 2 mulheres o apanhavam e jogavam pró convés. Era especialmente duro, quando os navios chegavam pois normalmente vinham muito cheios, e até sair bacalhau suficiente para nos pormos de pé, levavam-se as horas a trabalhar de "gatas" ou de joelhos.

  No convés duas mulheres apanhavam-no e atiravam-no para uma  lancha acostada ao navio. Quando a lancha estava cheia dois homens levavam-na para o cais, num pontão de madeira com carris de ferro, por onde deslizavam as " zorras". As" zorras" eram uns vagões que levavam o bacalhau pelo pontão até ao armazém principal para ser pesado, e depois para as câmaras frigoríficas para ser empilhado.


Mesmo no fim do pontão, havia degraus que desciam até ao rio. Nessas escadas estavam mulheres, uma a cada dois degraus. Quando a lancha chegava ao pontão dois homens agarravam o bacalhau, sempre pelo rabo, uma média de 4 a 5 bacalhaus de cada vez e passavam á mulher que estava no fundo da escada que por sua vez o dava á seguinte que passava á outra até chegar á zorra que enchiam. Duas mulheres, normalmente das mais moças empurravam a correr as "zorras" para a pesa e para as câmaras frigoríficas. Largavam uma cheia que outras mulheres se apressavam a empilhar e levavam a vazia. 
Nas camaras frigoríficas empilhava-se o bacalhau descarregado, onde ficava a aguardar a fase seguinte, que era a saída para o armazém de lavagem.
Nesta altura,  meia dúzia de mulheres, geralmente as mais jovens, iam para as pilhas de bacalhau nas camaras frigorificas, onde arrancavam o bacalhau e o jogavam em carros de mão que os homens levavam para o armazém de lavagem
Nesta zona, havia umas enormes tinas (tanques) eram ladeadas por 20 mulheres, dez de cada lado. Os homens vinham com os carros de mão cheios de bacalhau e despejavam-no nas tinas. As mulheres de escova na mão pegavam o bacalhau de dentro de água e levavam-no um a um, lançando-o de seguida para outra carrinho que estava colocado no intervalo entre cada duas tinas. Enquanto faziam este trabalho cantavam em coro melodias dos ranchos folclóricos das suas terras, e não raras vezes cantavam ao desafio . Era uma maneira de passar o tempo mais rapidamente e não sentir tanto as dores nas costas, provocadas pela posição sobre a tina. Imaginam o que era estar oito horas diárias de pé, em cima de um estrado, curvadas sobre uma tina de água a lavar o bacalhau? Sem luvas, com a água gelada de inverno?
Lavado o bacalhau, era novamente salgado e empilhado e ficava assim por cinco ou seis dias. Depois era banhado. Banhar o bacalhau era mergulhá-lo em água com sal, e tirá-lo imediatamente. Isso fazia com que não fosse a secar com excesso de sal.

Estava então pronto para a seca. Se estava bom tempo era estendido ao sol, se chovia ia prá estufa. Com bom tempo começávamos a encher a seca às 5 da manhã e terminávamos volta das 10. Almoçávamos, às 11, merendava-se às 16 e acabava-se o dia pelas 22 horas, em dia que havia serão da noite para lavar o bacalhau. Quando assim não era terminava por volta das 19horas
Bacalhau secando ao sol. Foto da net.


Durante 4 ou 5 dias o bacalhau secava. À medida que secava, os escolhedores, ( homens que separavam o bacalhau seco em montinhos consoante a classe,  iam separando o bacalhau por tamanhos e categorias). Do miúdo ao graúdo.
Quando à tardinha as mulheres iam com os carros de mão, apanhar o bacalhau, levavam o bacalhau seco e escolhido para o armazém de enfardamento, e o outro para outros armazéns onde se guardava o que ainda precisava mais tempo de sol.
O armazém de enfardamento, era composto por duas partes. No rés do chão, ficava o bacalhau pronto para enfardar que depois era transportado para o primeiro andar, onde era pesado amarrado em molhos de 60 kg,  e metia-se em sacos de serapilheira.  Era o enfardamento.
Depois era levado cada fardo em carro de mão, para o pontão onde era metido em fragatas, " os varinos" que o levavam pelo rio para os compradores. E aqui terminava tudo. Só voltávamos a vê-lo no prato. 




Da próxima vez falarei da "queda do bacalhau" ou seja, do que aconteceu para terminar com algo que chegou a ser uma das nossas grandes fontes de economia.
Se até lá não estiverem ainda enjoados de bacalhau.

18 comentários:

Paulo Cesar PC disse...

Elvira, como brasileiro, estou fascinado com toda sua abordagem sobre esse tema. É prazeroso ficar integrado com uma história tão rica no seu todo. Um beijo no seu coração.

AC disse...

Elvira,
A vida em volta do bacalhau era bem dura, como, aliás, eram duras todas as formas de vida desse tempo.
Fiquei um pouco mais enriquecido com o seu texto. Obrigado.

Beijo :)

esteban lob disse...

A estas alturas, Elvira, y tas leerte constantemente, ya estoy por lo menos en situación de decir también"obrigado" por tus entretenidos y didácticos textos.

Unknown disse...

Elvira, boa noite!
Eram tempos difíceis, vidas duras mas éramos tão mais felizes!

Gostei de saber de todo o percurso do bacalhau até chegar às nossas mesas, não imaginava que fosse tão trabalhoso.

Beijinho,
Ana Martins

Lilá(s) disse...

Sinto-me enriquecida com este texto! muito bem escrito e elucidativo.
Bjs

Severa Cabral(escritora) disse...

...Olá minha querida!
A história do bacalhau tem superado minha forma de ler,pois nem imaginava como era rude sua maneira de tratar...
Bjs minha flor!

BlueShell disse...

mais uma ves...confesso: aminha ignorância é infinita...que coisa!
Bom saber!

Um beijo e que tudo esteja a correr bem convosco..
BS

São disse...

Amiga , sabe que a admiro. Principalmente , porque sei a luta que teve de travar.

Um solidário e fraterno abraço, Elvira.

AFRICA EM POESIA disse...

elvira

vim agradecer a visita e partilhar contigo e com os amigos todos



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beijos

Luis Eme disse...

sim senhora, Elvira, grato pela lição de história sobre o bacalhau e sobre a vida.

abraço

Mar Arável disse...

Excelente

Fátima Pereira Stocker disse...

Elvira

Bem-haja por partilhar connosco essa parte da sua vida. De facto, só quem viveu tais dias sabe dizer bem da dureza que os preencheu, tornando o leitor mais capaz de compreender e de respeitar quem os sofreu.

Beijos

Anónimo disse...

Simplesmente fascinado!
Bem haja pela partilha.

Tudo de bom.

Agulheta disse...

Amiga Elvira.Vim ler a continuação da história do bacalhau,algumas coisas as conhecia de ler ou ouvir contadas por quem viveu estes momentos.Lembro bem da seca em Vila do Conde,como disse,o meu marido via partir os bacalhoeiros para a Terra Nova quando esteve algum tempo em Viana,daí eu saber algumas coisas.Era sem dúvida um trabalho muito duro,são estas passagens da vida que fazem das pessoas gente de bem e com valores.
Abraço e bfs

Zé Povinho disse...

É difícil ficar enjoado com bacalhau, que até era indicado para combater o enjoo em alto mar (salgado).
Abraço do Zé

eclipse de luna disse...

Bonita historia.

Besos.
Mar

Isamar disse...

Admiro-te muito, Elvira! É um privilégio conhecer pessoalmente a MULHER que aqui relata a vida dos trabalhadores da Seca e que foi também a sua vida durante alguns anos.
És uma MULHER/ FILHA/ MÃE/ ESPOSA/ AVÓ CORAGEM. Sempre com um sorriso nos lábios, sempre com uma palavra reconfortante, sempre com disponibilidade para os outros que de ti precisam és um SER HUMANO EXEMPLAR. Termino como comecei: Admiro-te MUITOOOOO.

Bem-hajas!

Beijinhossss

Tintinaine disse...

Já conhecia a história do bacalhau, embora não com tantos pormenores que gostei de ler aqui. E depois, saber que quem a conta é do meio e que sabe do que fala, dá-lhe outro valor. Parabéns!