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19.11.11

HISTÓRIA DO BACALHAU - PARTE V

Até aqui eu falei da pesca à linha. Mas porque esta pesca era muito dura, e arriscada, os pescadores sempre sonhavam com uma maneira mais fácil de pescar o bacalhau. Daí que na primeira década do séc. XX apareceram os primeiros barcos arrastões de origem francesa. A Parceria Geral de Pescarias, sempre na vanguarda, manda construir um navio a vapor arrastão, tentando assim competir com os já citados arrastões franceses e quem sabe se resultasse deixar de lado a pesca à linha. Recorde-se que a Parceria Geral de Pescarias tinha na altura quatro veleiros, o Argus, o Creoula, actual navio escola da Marinha de Guerra, o Hortense e o Gazela Primeiro actual museu marítimo em Filadélfia.
Partiu pois o Elite para a pesca nesse longínquo ano de 1909, mas a verdade é que se a sua prestação não foi famosa nesse ano, no seguinte foi ainda pior. Consta que a máquina apesar de demasiado grande não tinha contudo força suficiente para puxar as redes.  Mas parece que o facto de os pescadores não estarem habituados a esse tipo de pesca, o enorme consumo de carvão, também contribuíram em muito para o insucesso do Elite.

Por certo já todos ouviram falar do navio NRP AUGUSTO DE CASTILHO, heroicamente afundado, em 14 de Outubro de 1918 após luta desigual com o submarino U-139 da Imperial Marinha Alemã, a fim de dar fuga ao paquete S. MIGUEL em rota do Funchal para Ponta Delgada, transportando 206 passageiros. Agora o que talvez não saibam é que este navio era o mesmo arrastão Elite reconvertido e ao serviço da Marinha de Guerra.
Eis um pequeno excerto da história que poderão ler na integra AQUI
“Foi no dia 14 de Outubro de 1918 que, encontrando-se a escoltar o paquete «São Miguel», que se dirigia da Madeira para os Açores com mais de 1500 pessoas a bordo, foi surpreendido pelo fogo alemão disparado a partir do submarino U-139, ao largo dos Açores.
O caça minas «Augusto de Castilho», a navegar sob o comando do 1.º Tenente Carvalho Araújo, enfrentou o inimigo, colocando-se entre o paquete e o submarino, ainda que consciente da desproporção de armamento entre as duas unidades de guerra.
Visivelmente em desvantagem, este pequeno caça minas improvisado conseguiu, através da sua intervenção, pôr a salvo o paquete «São Miguel» que se afastou do cenário de guerra, chegando incólume ao seu destino. Tal acção resultou, no entanto, na perda do «Augusto de Castilho» e na morte do seu comandante, de um aspirante a oficial e de quatro praças. “

Voltando à Pesca do Bacalhau, a partir de 1942 os armadores viraram-se em força para a compra de navios arrastões. Mas foi a chegada do “Fairtry” um enorme navio de bandeira inglesa que marcou o início do fim para a pesca do bacalhau do Atlântico e na verdade para muitas das fainas no mundo. 

 Foto da net

Este era o primeiro arrastão fábrica congelador, uma embarcação de vários milhões de dólares, equipada com todas as inovações do pós-guerra. Debaixo do convés havia uma fábrica de processamento com máquinas automáticas de filetes, refeições de peixe e um enorme conjunto de armazéns frigoríficos. Podia pescar sem parar 7 dias por semana, semanas sem fim, içando redes durante terríveis temporais de Inverno que facilmente deitariam abaixo a Estátua da Liberdade. Com radar, sonar, detectores de peixe, podia detectar e capturar cardumes inteiros de peixe com uma eficácia assustadora. Depois deste, outros vieram e cada vez maiores. A par destes navios fábrica continuavam a ir à Pesca os veleiros de pesca à linha.
O Bacalhau começou a ser pescado cada vez mais cedo. Um Bacalhau precisa de cerca de seis anos para atingir a sua maturidade sexual e se poder reproduzir. De cada 20 bacalhaus bebés só um conseguirá sobreviver até essa idade.
A partir de 1968 aconteceu que os grandes navios apesar de toda a sua capacidade em detectar o peixe, não encontravam os grandes cardumes a que estavam habituados. Também não era para menos por essa altura existiam mais de 700 destes grandes navios fábricas, sendo que só a União Soviética possuía 400.
Por outro lado em Portugal cuja pesca continuava a ser feita à linha, os pescadores começaram a recusar embarcar, os salários eram de miséria, os riscos muito grandes, e por outro lado começava a vaga da emigração portuguesa, que apresentava menos riscos e dava mais dinheiro.
Daí até à última partida destes veleiros mediaram apenas 3 anos.
Em 1975 a Islândia decide alargar a sua ZEE zona económica exclusiva para 200 milhas, à volta da ilha, proibindo assim a pesca dentro dessa zona. Isto deu origem à “ guerra do bacalhau” com os navios patrulha islandeses a tentarem expulsar os barcos pesqueiros e a marinha inglesa a proteger estes.
Apesar de ambos os países pertencerem à Nato, esta manteve-se neutral e foi a diplomacia que acabou por resolver o assunto, e conduziu a um acordo entre as partes.
Em 1977 o Canadá resolveu seguir o exemplo da Islândia, alargou os seus limites para as 200 milhas, mas não teve a visão suficiente para diminuir ou cessar a pesca do bacalhau pelos seus arrastões. Chegou ao limite em 1992 quando fechou os bancos à pesca, encerrando fábricas e mandando para o desemprego mais de 2000 pessoas. Porém pode ter sido tarde de mais e nunca mais se conseguir recuperar o stock de bacalhau, porque os arrastões não destruíram apenas os cardumes de bacalhau, mas também terão alterado todo o ecossistema que ele precisava para a sua sobrevivência.
Em 1999, a E.U. instaurou um plano de longo prazo para a recuperação da população do bacalhau na região do Báltico. E em 2003, foi proibida a pesca de bacalhau com redes de arrasto, redes de cerco dinamarquesas e similares, no mar Báltico, no período de Abril a Maio.



Segundo a Greenpeace neste momento existe apenas um stock “saudável” de bacalhau no Mar de Barents no Norte da Noruega e da Rússia.  Se as regras não forem infringidas  e as quotas ultrapassadas poderá manter-se assim . O problema continua a ser  com os arrastões fábricas. Porque as suas redes têm no fundo um cabo grosso que chega a pesar mais de 300 toneladas,  que serve para as manter bem no fundo mas que arrastam tudo no fundo, provocando no ecossistema feridas incicatrizáveis.
Resta a esperança de criação em cativeiro. Mas a produção de bacalhau em cativeiro, em gaiolas flutuantes, enfrenta um sério obstáculo. É que contrariamente ao salmão, o bacalhau apenas come organismos vivos, não aceita ração. E se este obstáculo for ultrapassado no futuro, alguém acredita que o bacalhau terá o mesmo gosto de agora?



Fontes 

http://vilapraiadeancora.blogs.sapo.pt/91205.html
Wikipédia

 http://www.greenpeace.org/

e o conhecimento  da autora que.tendo nascido e vivido toda a sua infância na Parceria Geral de Pescarias, ali trabalhou durante largos anos





Maria Elvira Carvalho

16.11.11

HISTÓRIA DO BACALHAU - PARTE IV

BACALHAU - PARTE IV

Antes de eu nascer, o meu pai falou com o Sr. Capitão para ver se a minha mãe podia ficar na seca o ano todo com ele, visto que o meu pai era o lenhador e ficava o ano todo enquanto a minha mãe quando acabava a safra ia pró norte  prá casa dos pais. Então o patrão mandou os meus pais para  uma  barraquita de madeira que havia debaixo de um pinheiro manso, na parte alta da Seca e aí eu nasci e vivi os primeiros seis meses, até que o Capitão Ramalheira, que era o gerente da Seca nos mandou para um barracão de madeira, junto ao rio, onde já viviam outros 3 casais nas mesmas condições. Era um barracão enorme, com 4 quartos, um para cada casal, e respetivos filhos, um salão com 11m de comprimento com uma grande mesa no meio e bancos corridos, e num canto sobre uma chapa, dois tijolos ao alto com uns ferros no meio para poisar as panelas. Era aí que se cozinhava. Mais tarde os outros 3 casais partiram e só lá ficaram os meus pais. Foi neste barracão que nasceram os meus irmãos e que vivi até aos 18 anos. Esta introdução servirá a quem me lê para me conhecer melhor.
Quando os navios chegavam, fazia-se a descarga. Embora a Seca estivesse junto ao rio, os barcos ficavam ancorados na parte mais funda e era preciso ir lá descarregá-lo. Fazia-se isso da seguinte maneira. Iam umas tantas mulheres para o porão do navio e arrancavam o bacalhau das pilhas, jogando-o para uma pequena plataforma onde 2 mulheres o apanhavam e jogavam pró convés. Era especialmente duro, quando os navios chegavam pois normalmente vinham muito cheios, e até sair bacalhau suficiente para nos pormos de pé, levavam-se as horas a trabalhar de "gatas" ou de joelhos.

  No convés duas mulheres apanhavam-no e atiravam-no para uma  lancha acostada ao navio. Quando a lancha estava cheia dois homens levavam-na para o cais, num pontão de madeira com carris de ferro, por onde deslizavam as " zorras". As" zorras" eram uns vagões que levavam o bacalhau pelo pontão até ao armazém principal para ser pesado, e depois para as câmaras frigoríficas para ser empilhado.


Mesmo no fim do pontão, havia degraus que desciam até ao rio. Nessas escadas estavam mulheres, uma a cada dois degraus. Quando a lancha chegava ao pontão dois homens agarravam o bacalhau, sempre pelo rabo, uma média de 4 a 5 bacalhaus de cada vez e passavam á mulher que estava no fundo da escada que por sua vez o dava á seguinte que passava á outra até chegar á zorra que enchiam. Duas mulheres, normalmente das mais moças empurravam a correr as "zorras" para a pesa e para as câmaras frigoríficas. Largavam uma cheia que outras mulheres se apressavam a empilhar e levavam a vazia. 
Nas camaras frigoríficas empilhava-se o bacalhau descarregado, onde ficava a aguardar a fase seguinte, que era a saída para o armazém de lavagem.
Nesta altura,  meia dúzia de mulheres, geralmente as mais jovens, iam para as pilhas de bacalhau nas camaras frigorificas, onde arrancavam o bacalhau e o jogavam em carros de mão que os homens levavam para o armazém de lavagem
Nesta zona, havia umas enormes tinas (tanques) eram ladeadas por 20 mulheres, dez de cada lado. Os homens vinham com os carros de mão cheios de bacalhau e despejavam-no nas tinas. As mulheres de escova na mão pegavam o bacalhau de dentro de água e levavam-no um a um, lançando-o de seguida para outra carrinho que estava colocado no intervalo entre cada duas tinas. Enquanto faziam este trabalho cantavam em coro melodias dos ranchos folclóricos das suas terras, e não raras vezes cantavam ao desafio . Era uma maneira de passar o tempo mais rapidamente e não sentir tanto as dores nas costas, provocadas pela posição sobre a tina. Imaginam o que era estar oito horas diárias de pé, em cima de um estrado, curvadas sobre uma tina de água a lavar o bacalhau? Sem luvas, com a água gelada de inverno?
Lavado o bacalhau, era novamente salgado e empilhado e ficava assim por cinco ou seis dias. Depois era banhado. Banhar o bacalhau era mergulhá-lo em água com sal, e tirá-lo imediatamente. Isso fazia com que não fosse a secar com excesso de sal.

Estava então pronto para a seca. Se estava bom tempo era estendido ao sol, se chovia ia prá estufa. Com bom tempo começávamos a encher a seca às 5 da manhã e terminávamos volta das 10. Almoçávamos, às 11, merendava-se às 16 e acabava-se o dia pelas 22 horas, em dia que havia serão da noite para lavar o bacalhau. Quando assim não era terminava por volta das 19horas
Bacalhau secando ao sol. Foto da net.


Durante 4 ou 5 dias o bacalhau secava. À medida que secava, os escolhedores, ( homens que separavam o bacalhau seco em montinhos consoante a classe,  iam separando o bacalhau por tamanhos e categorias). Do miúdo ao graúdo.
Quando à tardinha as mulheres iam com os carros de mão, apanhar o bacalhau, levavam o bacalhau seco e escolhido para o armazém de enfardamento, e o outro para outros armazéns onde se guardava o que ainda precisava mais tempo de sol.
O armazém de enfardamento, era composto por duas partes. No rés do chão, ficava o bacalhau pronto para enfardar que depois era transportado para o primeiro andar, onde era pesado amarrado em molhos de 60 kg,  e metia-se em sacos de serapilheira.  Era o enfardamento.
Depois era levado cada fardo em carro de mão, para o pontão onde era metido em fragatas, " os varinos" que o levavam pelo rio para os compradores. E aqui terminava tudo. Só voltávamos a vê-lo no prato. 




Da próxima vez falarei da "queda do bacalhau" ou seja, do que aconteceu para terminar com algo que chegou a ser uma das nossas grandes fontes de economia.
Se até lá não estiverem ainda enjoados de bacalhau.