- Isto não está certo, está a candidatar-se a uma multa,
o bebé não pode viajar de carro assim.
- Não te preocupes, - disse tuteando-a pela primeira vez.
Com um pouco de sorte não encontramos a polícia. Onde moras?
- Nos Olivais. E deu-lhe o nome da rua.
Ele fechou a porta, deu a volta ao carro, e pô-lo em
andamento. Pelo espelho retrovisor lançou uma mirada à jovem, Estava de cabeça
baixa olhando atentamente o sobrinho. Conduziu em silêncio, pensando na última canalhada
que o primo fizera. E de súbito pensou na alegria que seria para a sua tia Margarida,
que desde a morte do filho se fechara em casa, saber da existência daquele
neto.” Se é que é seu neto. Não te esqueças que tudo pode não passar de uma
vigarice para te arrancar dinheiro. Investiga primeiro a situação, não te
deixes impressionar pelo seu palminho de cara.
Quem vê caras não vê corações, lembra-te disso, antes de te meteres em
alguma enrascada”. Era a sua consciência de experiente homem de negócios a
retomar o seu lugar, depois dos longos minutos de emoção em que se deixara
levar.
-É aqui mesmo, - disse a jovem, quando o bebé acordou de
novo e começou a chorar a plenos pulmões.
Ele parou o carro e olhou à sua volta. Era um bairro
social. Perguntou.
- Não me ofereces um café?
- Não. - A resposta soou seca como um tiro. Não avisei a
minha mãe, e ela não gostaria que chegasse com uma visita sem ser avisada. E
depois, olhe à sua volta. É uma casa pobre num bairro social, Nada que se
compare à casa de um presidente de uma companhia. Agradeço a sua amabilidade em
me receber, e me trazer a casa, mas aquilo em que me podia ajudar já o fez,
quando identificou o pai do bebé.
-Falas sempre no bebé, a criança não está registada? Não
tem nome?
-Claro que sim. Chama-se Pedro Teixeira. Agora tenho de
ir, está na hora dele comer, não se vai calar até que lhe dê o biberon. Adeus,
- disse estendendo-lhe a mão que ele apertou fitando os olhos castanhos.
- Adeus, é muito radical. Prefiro até à vista.
Ela não respondeu. Virou-lhe as costas e dirigiu-se à
porta número quarenta e cinco, que se abriu assim que lá chegou. Decerto que a
mãe estava a espiá-la do outro lado da janela. E não seria só a sua mãe. Nestes
bairros todos se conhecem e todos se observam. Talvez não tivesse sido bom para
a jovem que a tivesse levado. Mas o
estrago, se o houvera, já estava feito. Entrou no carro e retomou a marcha,
desta vez em direção ao Parque das Nações, onde vivia.
Entrou em casa, fechou a porta e pendurou as chaves num
elegante chaveiro em porcelana, embutido na própria porta. Foi à sala, preparou uma bebida e deixou-se
cair no sofá, pensando no que acontecera naquela tarde. Se aquele bebé era
filho do seu primo, era do seu sangue, não podia deixar que fosse criado
naquele bairro à míngua de tudo, quando a ele lhe sobrava o dinheiro. Pousou o copo na mesa e pegou no telemóvel.
Procurou um número nos favoritos e marcou.
- Abílio Morais? Pedro Mesquita! Como vais?
Esperou a resposta, e continuou.
-Preciso de uma investigação sobre uma família de apelido
Teixeira, moradora no bairro social dos Olivais, rua das laranjeiras, número quarenta e cinco. Quero
saber tudo sobre essa família. Passa amanhã às onze horas, no escritório.Eu tenho que ir ao Porto, mas a Rita terá parte dos honorários, o resto, recebes quando entregares o relatório como
é hábito. Posso contar contigo?
Depois de um curto silêncio, em que escutou o seu interlocutor, despediu-se:
-Ótimo. Boa noite.