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4.7.24

MEU NOME É AMÉLIA

 

                                   


AMÉLIA

Meu nome é Amélia. Não, a dos olhos doces, que doçura na minha vida nem no café. A minha vida é um Carnaval constante e no rosto trago a máscara, de uma mulher feliz. Apesar dos meus quarenta anos, feitos recentemente, cujo brilho da juventude, já se perdeu no tempo, ainda sou uma mulher bonita. Não tenho nenhum curso, pelo que o meu emprego de balcão numa perfumaria é tudo o que consegui na vida. Quando era menina, sonhava ser médica, poder salvar vidas. Hoje quem me dera coragem para salvar a minha própria vida.

Mas sabem, sou uma excelente atriz, que nunca foi ao teatro, mas vivo representando no palco da vida. Porque quem me vê na rua, ou no emprego, saudando com um sorriso, um conhecido, um cliente, ou brincando com as colegas, que não sou uma mulher feliz.

 Casei aos dezoito anos completamente apaixonada, a cabeça cheia de senhos, o corpo fervendo de hormónios. Todavia os sonhos não duraram muito. Em breve o marido saía para o café, enquanto eu ficava na

 cozinha, a preparar os almoços para o dia seguinte, as roupas e finalmente caía cansada na cama, já que no dia seguinte tinha de se levantar cedo. E o pior não era isso. O marido raramente voltava sóbrio. 

Eu fingia que dormia para não provocar uma discussão altas horas da noite. Mas quando de manhã lhe chamava a atenção, ele ficava agressivo e dizia que eu estava doida, que bêbado tinha eu o juízo. Estava decidida a deixá-lo quando descobri que estava grávida e pensei que o nascimento do filho fizesse o pai ganhar juízo.

Mais uma vez me enganei, pois aconteceu precisamente o contrário. Ele ficou muito mais agressivo, cada vez que lhe chamava a atenção dizia-me que o que eu queria era separar-me dele, que devia ter arranjado algum amante e que se calhar o filho nem era dele. 

Nunca mais lhe disse nada. Pus um divã no quarto do menino e passei a dormir lá. E foi nessa altura que afivelei a máscara de mulher feliz decidindo que ninguém ia descobrir o meu sofrimento.

Não, não me separei dele, não por amor, ou por qualquer outro sentimento, que não seja a indiferença. Não me separei porque o meu vencimento era curto para alugar uma casa e criar um filho sozinha, e apesar do seu mau génio, sempre contribuía com as despesas, desde que perante os amigos eu me mostrasse amável, para que eles não soubessem o fracasso do nosso casamento.

E pronto. Meu nome é Amélia e sou uma das muitas mulheres portuguesas que sofrem sozinhas uma vida sem amor mas com muito fingimento.

22.4.20

À MÉDIA LUZ - PARTE VIII



Gabriel, que até aí permanecera em pé, sentou-se a seu lado. Apesar de toda a  sua fama de homem sem escrúpulos nem sentimentos, nas relações com o sexo oposto, vê-la a chorar,  desestabilizou o seu sistema emocional.  
Estava atordoado. Primeiro tinha sido a surpresa, de descobrir que a sua eficiente mas insignificante secretária, era a lindíssima bailarina. Depois a ideia de que havia alguma coisa por trás daquela insólita atitude, e agora aquela confissão, seguida de um choro angustiante.
Sentia-se enganado, estava furioso e ao mesmo tempo desconcertado. Principalmente porque um estranho desejo de abraçá-la, e confortá-la, lutava contra a vontade que sentia de denunciá-la à polícia. 
Tirou do bolso das calças um lenço imaculadamente branco. 
- Toma. Enxuga esse rosto, e vamos embora. Precisas ir buscar alguma coisa lá dentro?
- Não. Só trouxe a bolsa e tenho-a aqui. 
-Ótimo. Espera aqui por mim, vou só despedir-me do casal com quem estava. 
Levantou-lhe o queixo obrigando-a a fitá-lo.
- Não te passe pela cabeça fugir. Estou tentado a confiar em ti. Não me faças acreditar, que todo esse choro,  é apenas mais uma demonstração da tua arte de fingimento. Acredita que posso ser muito pior do pensas que sou, se descobrir que me tentas enganar.
Afastou-se. Encontrou os amigos no bar, desculpou-se com uma dor de cabeça, o que fez o amigo soltar uma gargalhada, sinal evidente de que pensava que ele tinha arranjado companhia para o resto da noite, mas não se preocupou em dar explicações e voltou ao jardim.
Encontrou-a exatamente no mesmo lugar, os olhos vermelhos, o olhar perdido. Uma tal expressão de sofrimento era impressionante. Não era possível que fosse fingimento. Ninguém conseguia fingir com tal arte, sem que a sua expressão corporal o denunciasse.
Ajudou-a a levantar-se, e caminharam juntos até ao estacionamento.
- Trouxeste o carro?
- Não. Vim com uma colega.
- E não tens que a avisar?
- Quando terminamos a exibição, disse-lhe que estava muito cansada e ia chamar um táxi. Deve pensar que já estou em casa.
Abriu a porta do carro.
-Entra. Vamos conversar como dois adultos. Na tua casa, ou na minha, tu escolhes.
- Num lugar público.
- Não! Ou confias em mim, ou não. E se não confias, também não tenho qualquer interesse no que tenhas para me dizer. De qualquer modo vou levar-te a casa, se me disseres onde moras.
Ela disse-lho e ele dirigiu em silêncio até à porta. Ela também se manteve em silêncio, perdida nos seus pensamentos. Não sabia se podia confiar nele. Mas sentia-se tão perdida e tão cansada!
- Chegamos - disse ele estacionando o carro. 
Virou-se para a olhar. A jovem continuava absorta, como se estivesse ausente. Pálida, os olhos vermelhos, o rosto borrado pela maquilhagem desfeita pelas lágrimas, era a expressão do desalento. Gabriel saiu do carro, deu a volta ao mesmo, abriu a porta e estendeu-lhe a mão. Voltou a sentir uma impressão estranha. Raios, tinha razão para estar zangado, ela acabara por confessar que estava na empresa para o espiar. No entanto passado o choque inicial, e principalmente depois que a vira chorar, sentia  a sua raiva amolecer.  Ouviu-se a dizer:
- Queres deixar para amanhã? Deves estar cansada!
- Não. Se tenho que o fazer, quanto mais depressa melhor.
Pegou nas chaves, mas sentindo as mãos trementes estendeu-lhas:
- Por favor, abra o senhor!