Depois do casamento, Inácio não se mostrou o homem romântico e apaixonado que as cartas mostravam. Antes pelo contrário parecia que não tinha desejo por ela. As poucas vezes que faziam amor, era como se ele estivesse a cumprir uma obrigação. No entanto quando saíam ele mostrava-se carinhoso, e toda a gente pensava, que eles eram um casal feliz.
Um
dia ele chegou a casa com a novidade. Fora destacado para Angola, e ia partir
em breve.
Foi
um choque para a jovem. Ela soubera nesse dia que estava grávida e esperava a
sua chegada com ansiedade para lhe dar a notícia. Esperava que ele ficasse
feliz, mas em vez disso ele mostrou uma completa indiferença, mostrando-se
muito mais entusiasmado com a comissão, do que com o filho que ia nascer.
Nos
dois anos seguintes, os aerogramas, (os famosos bate-estradas) chegavam regularmente e
Inácio parecia um homem feliz. Muito mais feliz com os colegas, do que com a
mulher.
Quando
voltou, as esperanças que Helena pudesse ter sobre a conduta do marido
dissiparam-se. Ele estava cada dia mais seco, e não lhes ligava nenhuma a ela
nem à filha que ainda não fizera dezoito meses.
Helena
que na época estava empregada num laboratório em Lisboa começou a pensar, que
aquilo não era vida, e pediu-lhe a separação, já que naquele tempo, ainda não
havia divórcio em Portugal. Inácio teve uma atitude estranha. Pediu-lhe mais
uma oportunidade, prometeu que ia ser diferente, disse que ia arranjar uma casa
melhor. E arranjou. Um rés-do-chão num prédio novo, ali perto. Mas a sua indiferença
não mudou. Nem sequer quando Lena se desculpou com os medos da filha e colocou
um divã no quarto dela. Os anos foram passando, e Helena vivia apenas para o
trabalho e para a filha a quem amava como a mais extremosa das mães. O marido
era como um hóspede. Dava dinheiro para a casa e em contrapartida, tinha cama,
comida e roupa lavada. Quando a filha terminou a 4ª classe, Helena,
aproveitando que nessa altura já era legal, pediu o divórcio ao marido. Este
negou-lho dizendo que se ela insistisse, as punha na rua, já que a casa estava
em nome dele, e mais, não daria dinheiro algum para a filha. Pior ainda ameaçou
bater-lhes.
Helena
pensou que o seu ordenado não dava para educar a filha, pagar a renda de uma
casa, e comerem. Por amor à filha, desistiu do divórcio.
Entretanto
o marido começou a ausentar-se, vinha de vez em quando, mas quando vinha, por
qualquer coisa oferecia pancada à mulher e à filha, chegando às vezes a vias de
facto.
Anos
e anos de sofrimento. No dia em que a filha se formou, Helena pode enfim
requerer o divórcio.
Muitos
anos mais tarde, ela confirmou algo de que sempre suspeitou. O marido usou-a,
por cobardia, porque não tinha coragem de assumir a sua homossexualidade. E
descarregava nela e na filha a frustração e infelicidade, resultante da sua
cobardia.
FIM
Elvira Carvalho