Sentaram-se numa mesa junto à janela. O rosto de Anete estava sereno, o de Salvador crispado. Um empregado aproximou-se, e ambos pediram um café e uma garrafa de água. Depois que ele se afastou, Anete abriu a mala e dela extraiu a carteira e o telemóvel, que colocou em cima da mesa. O empregado aproximou-se com os cafés, e ela esperou que se afastasse para retirar da carteira, a sua carta de condução e o cartão de cidadão.
- Aqui tem os meus documentos. Como lhe disse, sou Anete
Sampaio, filha de Francisco Sampaio e Emília Sampaio. Pode confirmar. No
telemóvel tenho fotos dos meus pais e dos meus dois irmãos, cunhada e sobrinhos,
se ainda tiver dúvidas, posso mostrar-lhas.
Falou sem afastar os olhos do homem que mirava os
documentos com um ar de total incredulidade.
- Desculpe a minha crueldade, - disse devolvendo os
documentos. Ainda estou espantado. Nunca vi duas pessoas tão iguais
- Desculpas aceites senhor…
- Salvador Rodrigues, - disse estendendo-lhe a mão com um
meio sorriso.
Ela apertou-lhe a mão, e sentiu um estranho
formigueiro, percorrendo-lhe o corpo. Sorriu tentando disfarçar.
- Posso saber porque desconfiou da sua cunhada?
- Há umas duas semanas, o trânsito estava muito
congestionado, quando conduzia por esta rua. Então, vi-a no passeio. Ia com um
homem alto, que a enlaçava pelos ombros, e entraram ali no número setenta e
sete. Para mim era a minha cunhada e aquilo só podia dizer que tinha um amante.
Lutei muito comigo mesmo, indeciso entre contar ou não ao meu irmão o que se
passava, mas pensando nos meus sobrinhos, decidi enfrentar Ana Clara e fazê-la
reconsiderar. Fica claro agora, que seria a Anete, mas ainda me custa a crer
que existam duas pessoas tão iguais.
- Há duas semanas eu recebi a visita do meu irmão Luís. Havia
pouco tempo que tinha chegado à cidade, e ele veio ver como eu estava, e se precisava de alguma coisa.
- Não era parecido consigo…
- Realmente não - disse sorrindo. Eu sou a única morena
na família. Segundo a mãe, sou parecida com a avó paterna, que também era
morena. Infelizmente a avó já morreu. Que idade tem a sua cunhada?
- Fez vinte e oito a dezasseis de Maio.
-Não pode ser. Eu fiz vinte e oito anos, nesse dia. E onde nasceu
a sua cunhada?
- Pois creio que em Leiria, mas não tenho a certeza. Ana
Clara foi adotada.
- Eu e os meus irmãos, nascemos em Leiria, mas meus pais
foram viver para Coimbra pouco tempo depois do meu nascimento. Sabe de uma
coisa, gostaria muito de conhecer a sua cunhada. Não tem nenhuma fotografia dela?
- Não - disse com brusquidão. Só do meu irmão e
sobrinhos.
Olhou o relógio.
- Quase uma hora. Aceita almoçar comigo? Seria uma boa
maneira de me mostrar que não está zangada pela maneira como a tratei.
- Não posso. Tenho que estar em casa, dentro de vinte
minutos. Ainda estou a mobilar o apartamento e ficaram de me entregar uns
eletrodomésticos à uma.
- E se vier buscá-la para jantar? Também vai arranjar
desculpa?
- Aceito o jantar – disse pondo-se de pé.
-Às oito? - Ele levantara-se, e aprestava-se a segui-la.
- Estarei pronta.
Voltou-lhe as costas e saiu.