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13.12.21

CONTOS DE NATAL - UM CONTO DE NATAL

 Este conto é uma reedição. É um dos dois contos de Natal que escrevi e decerto os meus leitores mais antigos lembram-se dele. Foi recentemente publicado no jornal Rostos.



Um conto de Natal 

 

 

 

 

Era uma vez um burro. Velho e cansado como todos os burros que viveram  anos e anos, dia após dia, sempre carregando no lombo, pesadas cargas. Agora, no fim da vida, ele só esperava que o seu dono o deixasse morrer em paz. Mas parecia-lhe que não era essa a intenção dele, quando nessa manhã de Inverno o levou para a feira. O burro, que não era tão burro quanto o seu nome dizia, percebeu que o dono, a quem servira toda a vida, se ia desfazer dele, porque achava que não tinha mais préstimo.  E embora reconhecesse que até já não tinha forças para grande coisa, doía-lhe a ingratidão do dono. 



Esperaram por mais de três horas, na feira. De vez em quando, aparecia alguém que parecia interessado no burro, mas ao analisá-lo de perto concluía que era demasiado velho para o que precisavam, e depressa se desinteressavam. 

Um dos que se aproximaram para o ver, dissera mesmo ao dono. "Está velho. Já não tem préstimo. Devia abatê-lo"

O velho burro estremeceu de terror. E pensou que os homens eram animais perigosos. Serviam-se dos outros animais, enquanto eles podiam, executar por si as tarefas mais difíceis, e quando estavam velhos, matavam-nos. Pensou se eles fariam o mesmo aos da sua espécie. Mandariam abatê-los quando estavam velhos?


Ao findar do dia, quando o dono se preparava para fazer o regresso, e o pobre burro, não pensava noutra coisa que não fosse a frase cruel ouvida de manhã, sem conseguir descortinar no seu dono se era ou não isso que ele ia fazer, um homem alto e magro de ar calmo e bondoso aproximou-se do burro e do seu dono.

Examinou-o e perguntou o preço. 

-Muito alto para um burro velho, - disse.


Voltou a examinar o burro. Passou-lhe a mão pelo lombo. O burro estremeceu. Sentiu os calos na mão do homem, e no entanto aquela mão, transmitiu-lhe uma tal doçura, que o pobre do burro não habituado a isso, ficou maravilhado.  Ah! Se ele soubesse rezar, decerto teria rogado ao Deus do homem,  para que o comprasse, de tal forma o desejou. Mas ele era apenas um burro.

-Dou-lhe metade, -disse o homem


O dono regateou. E o homem virou costas decidido a partir. O burro ficou triste. Tão triste, que uma lágrima turvou o seu olhar cansado.  Mas então o dono, perdida já a esperança de melhor preço, chamou o homem.

Este voltou atrás e fez a compra.

O homem pegou o burro pela arreata, e dirigiu-se para casa. Pelo caminho falou como se soubesse que o burro o entendia:

-Estás velho, amigo. Vamos a ver se consegues ajudar-nos.  Para te ser sincero, preferia um animal mais novo. Mas não vi nenhum. E ainda que visse, talvez não tivesse dinheiro suficiente para o comprar. Espero que dês conta do recado e nos ajudes na viagem.


A palavra viagem, não agradou ao velho burro, que  já sentia as patas fracas. Mas entre uma viagem e a morte,  que decerto o esperava na volta para casa do seu antigo dono, a escolha era óbvia. 

Relinchou tentando dar ao novo dono, uma confiança de que ele próprio duvidava.

Nessa noite, foi o burro muito bem tratado, em palavras, e ração, pelo que adormeceu feliz da vida.

Na manhã seguinte, eis que o homem se apresenta com a esposa, e uma carga que lhe põe no lombo, e os três empreendem a tal viagem. De vez em quando, o burro olhava a mulher, que se apresentava em adiantado estado de gravidez, e pensava que ela não ia aguentar muito tempo a caminhada. Em breve teria que a carregar.  Temia não ter forças para isso.


A meio do dia, fizeram uma pausa.  Tiraram-lhe a carga e deixaram-no livre, para que pastasse algumas ervas, que por ali espreitavam entre o gelo do inverno, enquanto o casal se sentava sobre um pedaço de rocha e comia alguma coisa. 

Pouco tempo depois, o homem pegou o burro pela arreata e levou-o até junto da mulher que se mostrava visivelmente cansada. O burro percebeu que tinha chegado o momento tão temido. E se ele não fosse capaz de levar a mulher? Que seria do casal, perdido no descampado ermo, em pleno inverno?

O homem ajudou a mulher a montar e pegando na carga até aí transportada pelo burro colocou-a às costas e os três recomeçaram a viagem.

Mal retomaram a marcha, o velho burro abriu ainda mais os seus grandes olhos, espantado. Que milagre era aquele? Porque não sentia qualquer peso no lombo?  Será que a pobre mulher tinha caído? No seu estado? Virou a cabeça, para constatar que ela seguia bem sentada no seu lombo.


Então porque ele não sentia qualquer peso? Seguia sem esforço, caminhando melhor que nos anos da sua juventude. E assim seguiram os três até que à noitinha chegaram à cidade. O burro reconhecia aquela cidade. Várias vezes lá fora com o antigo dono. Até já ficara num estábulo numa daquelas ruas, uma vez que o dono pernoitara na cidade. Por isso, quando depois de percorrerem várias estalagens, não encontraram lugar para pernoitar, e o casal já desanimava, pensando como iriam resistir ao frio da noite gélida, o burro, ansioso por mostrar a sua gratidão ao casal, tomou o rumo do estábulo que ele conhecia bem.

Elvira Carvalho


Publicado AQUI

10 comentários:

Emília Pinto disse...

Lindo conto, Elvira! O burro tinha razão...o ser humano destrata todo e todos quando já não consegue os seus oblectivos; faz isso com os animais e, pior, faz isso com os outros seres humanos quando chegam a velhos; simplesmente são ignorados, como se fossem lixo. Espero que estejas bem, querida Amiga. Um beijinho
Emilia

Pedro Coimbra disse...

Recordo o conto, sim senhora.
Boa semana

Tintinaine disse...

Ainda estou livre de Alzheimer, lembro-me bem desse burro choramingas!

Fatyly disse...

Recordo o conto mas voltei a ler porque gostei imenso!
Beijos e um bom dia

chica disse...

Valeu reeditar! Lindo conto! beijos,chica

Maria João Brito de Sousa disse...

Creio que já me posso contar entre os seus leitores "antigos", amiga; recordo-me perfeitamente deste belo conto :)

Muita saúde e um grande abraço!

lis disse...

Os contos de Natal são significativos e este comprova o que disse.
Devo ter lido, Elvira mas não lembro e foi perfeita a reedição.
Muito interessante.
abraço, amiga

Cidália Ferreira disse...

Tão bonito!! Adorei :))
*
' A magia da noite' ...
*
Votos de um excelente semana.
Beijo.

Paula Saraiva disse...

Adorei o conto .parabéns

Beijinhos e tenha uma ótima semana


https://duasirmasmaduras.blogspot.com/?m=1

Andre Mansim disse...

Elvirinha! Esse conto é lindo!
Tinha vontade de ler novamente. Obrigado por repostar!
Um grande beijo no seu coração! Feliz Natal e um lindo e abençoado ano novo!