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2.12.21

CONTOS DE NATAL - O PRESÉPIO DE PACO - FINAL



Certo dia, Paco enfeitou a cabana dos Gonzales com hera e arranjou, ninguém sabe onde,

 uma manjedoura. Juanita, a burra, teve de ser presa porque estava constantemente a comer

 a hera. De um pedaço de cartão cortou uma estrela que pregou por cima da porta da cabana.

 Em seguida, Paco lavou-se minuciosamente como nunca se lavara ao longo do ano,

 esfregou todas as nódoas do poncho e escovou o seu belo chapéu.

 — O Paco vai à procura de noiva — troçou a mãe. Mas ele limitou-se a rir.

 Fez das tripas coração e foi à casa do patrão, em frente. Nunca antes estivera em

  casa de Don Alfredo. Bateu timidamente à porta grande. Carlos, o velho criado, veio abrir.

 Ergueu as sobrancelhas, admirado, e olhou para Paco.

 — Preciso de falar com Don Alfredo — disse o rapaz. Como Carlos nada dissesse, Paco

 tirou meio peso de prata que guardara do dinheiro da colheita. Mostrou a moeda e meteu-a

  na mão do criado.

 — É urgente, Carlos. Muito urgente.

 Carlos virou-se e o rapaz seguiu-o pelo átrio grande e fresco.

 Paco só conhecia algo igual das histórias de encantar. O chão estava coberto de tapetes,

  as paredes decoradas com quadros e do teto caía um lustre com milhares e milhares de

 gotas de cristal brilhante. Carlos fez sinal ao rapaz para esperar e desapareceu por trás

 de uma imponente porta escura. Pouco depois, Don Alfredo veio ao átrio e falou asperamente

 a Paco.

 — Isto são modas novas? Vens a nossa casa sem ser chamado e nem tiras o chapéu da cabeça!

 Paco arrancou imediatamente o chapéu e disse, a gaguejar:

 — Eu gostava… eu queria perguntar-lhe… é que eu preciso de um boi, Don Alfredo, com urgência.

 Don Alfredo riu alto e exclamou:

 — Ouçam isto! O rapazinho quer um boi. Como se eu desse um boi, assim, por dá cá aquela palha.

 Abriram-se duas portas ao mesmo tempo e Doña Clara e Doña Esmeralda, a mulher de

 Don Alfredo, foram ver o que se estava a passar no átrio.

 — Ele quer um boi! — exclamou Don Alfredo a rir. — E porque não uma vaca ou uma manada

  inteira?

 — Um boi só, Don Alfredo, por favor. Mas tem de ser um animal forte. Não quero o boi

 de oferta. Só queria pedi-lo emprestado por uma única noite.

 As gargalhadas de Don Alfredo calaram-se.

 — Emprestado? Um boi? Só por uma noite?

 Paco entusiasmou-se e desatou a falar:

 — Quero construir um presépio como Doña Clara contou e o meu burro vai lá estar,

 como Doña Clara contou, e Maria e José, como Doña Clara contou, e também um boi, como…

 — Doña Clara contou — disse Don Alfredo, olhando para a tia, ironicamente. Mas esta

  limitou-‑se a encolher os ombros.

 — Para se poder imaginar melhor aquilo do nascimento em Belém.

 Paco disse a última frase muito baixinho.

 Don Alfredo olhou para o rapaz com um olhar severo. Paco dirigiu-se aos poucos e às

 arrecuas para a porta de entrada.

 — De dia para dia, estes Pacos andam a tornar-se cada vez mais atrevidos — retumbou

Don Alfredo.

 Doña Clara disse então:

 — Ficas prejudicado, querido sobrinho, se fizeres a vontade ao rapaz? Não vais ficar

  mais pobre por isso e, por uma noite, ele vai sentir-se rico como um rei.

 Don Alfredo ainda hesitou, mas acabou por dizer:

 — Oh, por mim… que seja! O Natal está para breve.

 O resto foi muito fácil. Maria Simancar era só um pouco mais velha do que Paco.

 Ia fazer de mãe de Deus porque se chamava Maria e porque tinha uns longos cabelos

  pretos ondulados. Maria queria trazer o irmãozinho, um bebé rechonchudo.

 — Porque ele quase nunca chora — disse.

 Com o São José é que foi mais difícil. Paco teve de convencer Fernando e até prometer-

-lhe uma garrafa de aguardente de agave até ele se dispor a fazer de marido de Maria.

 — Os pastores vão vir… — disse Paco, esperançado.

 — E o anjo? — perguntou-lhe a mãe. Paco hesitou um pouco mas depois disse:

 — Tu, mãe, foi o que pensei.

 O pai riu tão alto, que até o papel que colara sobre o vidro partido se rasgou.

 — Um anjo redondinho de cem quilos — disse em voz muito alta e, de tanto rir, até ficou

  sem poder respirar.

 — Não tenho nenhum vestido branco, Paco — disse a mãe, triste. — Os anjos têm de brilhar.

 — Mas tens uma voz maravilhosa, mãe. Podias ficar atrás da casa dos Gonzales.

 Depois cantas o que todos os anos costumas cantar: “Aleluia, paz e aleluia!”

 O pai ainda se ria, o que irritou a mãe, que disse:

 — Vou fazer isso, Paco.

 À noitinha, Don Alfredo mandou o boi. Um pastor ainda novo trouxe-o à arreata.

  Quando o sol se pôs, saíram quase todos das suas casas e, conversando e rindo,

 dirigiram-se à cabana dos Gonzales. A porta e as janelas estavam abertas de par em par.

  Maria estava sentada em frente à manjedoura e deitara o bebé nas folhas de milho.

  O boi e o burro estavam pacificamente deitados no chão e Fernando, encostado a um cajado,

 em pé, atrás de Maria.

 Paco acendeu uma lanterna. Era uma cena impressionante, a que se via dentro do círculo

  de luz. Todos se calaram e ficaram a olhar. Mais tarde, ninguém soube dizer quem começou,

  mas, de repente, alguém ofereceu um melão maduro, um outro colocou três cestos de milho

 em frente à manjedoura, uma mulher ofereceu uma fralda quase nova…Um jarro de leite e

 um pão fresco foram também entregues na cabana.

 No preciso momento em que Don Alfredo, Doña Esmeralda e Doña Clara chegaram, a mãe

 de Paco, atrás da cabana, começou a cantar o Aleluia com uma voz límpida. Arrefecera

 e Don Alfredo e as duas senhoras tinham-se embrulhado em mantas largas e compridas.

 Abriu-se um caminho à sua frente e entraram os três na cabana dos Gonzales.

 Passando por debaixo da estrela.

 — Ui! — disse Doña Esmeralda. — Não cheira nada bem aqui dentro.

 Tirou da bolsa um frasquinho de perfume. Mas este escorregou-lhe das mãos e

 partiu-se no chão. Um aroma maravilhoso encheu então a cabana. Don Alfredo olhava

 em volta à procura de Paco. Entretanto escurecera, e não conseguia vê-lo à luz fraca

 da lanterna. Colocou pois uma moeda junto das prendas. Brilhava como ouro.

 Doña Clara tinha encontrado Paco.

 — Para que tudo seja como deve ser — segredou-lhe — trouxe uma bolsinha com mirra.

 E, por um instante, ela foi um dos Reis Magos.

 E por algum tempo houve uma grande paz na cabana dos Gonzales.

 Don Alfredo e a mãe, Doña Esmeralda, Doña Clara e Maria, até o próprio Fernando rabugento,

  nenhum deles era pobre ou rico, senhor ou trabalhador, senhora rica e elegante ou mulher

 índia pobre. Naquele instante, todos eram simplesmente homens e mulheres.

 A luz da lanterna apagou-se. Quando começaram a sentir o frio da noite, todos partiram,

 uns para as suas cabanas, outros para a casa senhorial. No entanto, a partir daquela

 noite em que lhes fora dado antever um outro mundo, as pessoas da aldeia passaram

  a contar, até aos dias de hoje, a história de Paco e do seu presépio.

 

 

 

Willi Fährmann

Ein Stern ist aufgegangen

Würzburg, Arena Verlag, 2003

(Tradução e adaptação

 

Recolhida AQUI

 

10 comentários:

Pedro Coimbra disse...

Uma lenda que me fez lembrar o universo de Garcia Marquez.

Beatriz Pin disse...

Olá Elvira.Un longo conto que gostei ler.
Obrigada pela sua visita.
Desejo te um bom decembro.
Beijinhos

Tintinaine disse...

Há gente com jeito para estas coisas, não há dúvida!
Se eu tivesse essa habilidade não pararia de escrever.
Venha o próximo e que seja tão bonito ou mais que este.

chica disse...

Fopi maravilhoso o conto,gostei! beijos, lindo dia! chica

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Gostei deste conto.
Um abraço e continuação de uma boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Fatyly disse...

Gostei imenso e foi com um final inesperado em que o Paco deu uma lição a todos.
Beijocas e um bom dia

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Um presépio do mais natural e original que se pode ter ao pé de casa .

JR

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Talvez a mais bonita história de Natal que já li.
Adorei! Obrigada.
Beijinhos e saúde.
Ailime

Isa Sá disse...

Um bonito conto de Natal!

Isabel Sá
Brilhos da Moda

Teresa Isabel Silva disse...

Não conhecia o conto, obrigada por esta partilha!

Bjxxx
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