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31.3.14

MARIA - X - O FUNDO DO POÇO




O fundo do poço

 Calou-se de novo. O seu rosto estava pálido. Era bem visível o sofrimento que lhe causavam aquelas recordações. Pousei a minha mão sobre o seu ombro como se quisesse animá-la mas as palavras não saíram.
- Apesar da insistência de Artur para que fosse ao funeral, fechei-me no quarto e de lá não saí durante dois dias. Nem sei quantas coisas me passaram pela cabeça nesse espaço de tempo.
 Depois valendo-me de algumas amizades consegui um novo emprego. Tentava a todo o custo juntar os cacos em que se transformara a minha vida, e especialmente a minha relação com o Artur. Mas apesar de todo o meu esforço, já nada era como dantes. Havia uma frieza latente, como uma sombra invisível que se instalara entre nós. A casa que era o nosso ninho de amor parecia-me agora uma prisão que me estrangulava. E acredito que devia acontecer a mesma coisa com o meu marido. Um dia telefonou a dizer que ia chegar tarde, jantava em casa do irmão.
 Seguiram-se muito outros jantares. Recomecei a beber. Quando bebia pensava que o Artur não estava com o irmão coisa nenhuma, que devia haver outra mulher na sua vida. E quanto mais pensava nisso mais bebia. Era um maldito círculo do qual não conseguia sair. Em breve estava de novo desempregada. O Artur escondia as garrafas de bebida ou esvaziava-as e não deixava dinheiro em casa para que não saísse a comprá-las. Um dia tirei-lhe dinheiro enquanto dormia, e mal pude esperar que fosse para o trabalho, fui comprar uma garrafa de vinho que bebi quase de seguida. Depois julguei ver a minha mãe no corredor da sala abanando a cabeça.   Esborrachei a garrafa de encontro à parede e sentei-me no sofá onde adormeci. Quando acordei só pensava em matar o Artur. Matá-lo e suicidar-me depois. A ideia entrou na minha cabeça, e inundou-me como um tsunami. Não conseguia pensar em mais nada. Nessa noite enquanto ele via televisão, peguei numa pesada jarra de vidro e tentei dar-lhe uma pancada na cabeça com ela. Felizmente para os dois, ele como que pressentiu e desviou-se a tempo. A jarra desfez-se de encontro à pequena mesa cujo tampo de vidro ficou estilhaçado. De cabeça perdida, peguei num pedaço de vidro e cortei os pulsos.
 O silêncio que se seguiu foi entrecortado por um soluço. Não me contive e abracei-a com força. Ficamos assim longos minutos. Depois ela estendeu-me os braços e pude ver nitidamente as cicatrizes nos seus pulsos.
 -O que aconteceu depois foi muito confuso, e não me recordo o que se seguiu. Soube depois que devo a vida ao Artur. Ele amarrou umas toalhas fazendo um garrote em cada braço e telefonou para os bombeiros que me transportaram para o hospital. Estive de novo internada na Psiquiatria. Desta vez foram 6 meses. Dos quais só me lembro dos últimos dois. Quando saí o Artur levou-me para a nossa casa, mas quando eu esperava que ele abrisse a porta, entregou-me as chaves, e informou-me que ele tinha ido viver para casa da mãe,   que o nosso casamento tinha chegado ao fim, e  ia pedir o divórcio. Não sei se senti mágoa ou alívio. Apesar de não me lembrar muito bem do que tinha acontecido, aquilo que recordava envergonhava-me o suficiente para desejar recomeçar uma vida nova longe de tudo e todos que me lembrassem o passado. O processo de divórcio foi rápido, uma vez que estávamos de acordo. Vendemos a casa. Pagámos ao banco e dividimos o resto. Com esse dinheiro aluguei um quarto, e comecei a procurar trabalho. Não foi fácil. Eu não estava minimamente apresentável. Estava quase redonda, da bebida e dos medicamentos. Tinha envelhecido. Não tinha uma roupa decente que me servisse. E o dinheiro de que dispunha era muito pouco tinha que controlar bem os gastos. A senhora que me alugou o quarto comentou que tinham ficado sem a empregada que ia todas as semanas lavar as escadas do prédio. Precisavam de arranjar outra. Pedi-lhe para ficar com o lugar. Comecei a ver anúncios de empregadas domésticas. E em breve tinha quase todos os dias da semana ocupados. O trabalho é pesado, mas ganha-se bem. Mergulhei no trabalho, como se fora uma tábua de salvação. Chegava à noite tão cansada que quando caía na cama já ia a dormir. Não sabia o que me reservava o futuro, mas uma coisa era clara na minha cabeça. Bebida nunca mais. Claro que compensei a falta do álcool com o tabaco. Se antes um maço durava dois dias, naquela altura eram dois maços por dia e às vezes mais.


Continua

(direitos reservados)


15 comentários:

Lari Moreira disse...

Boooom dia *-* como vai? Seja bem vinda em meu blog! volte sempre que quiser.. fico feliz por ter gostado do conto que a Anne publicou.

Muito boa sua escrita, fiquei curiosa pra saber a continuidade da historia, será que ela vai conseguir superar isso tudo? coitada kk

Passando pra retribuir a visitinha e avisar que tem nova postagem no blog, confere?
Beijos, Deus abençoe
http://maybe-i-smiled.blogspot.com.br/

Anónimo disse...

Olá, estimada Elvira!

Como estão todos? A Nita?

Bem, tanta cabeçada que esta rapariga já deu à vida! Será que é desta?
Dizia a minha mãe que quem fuma, bebe, e que quem bebe, não sabe o que faz.

Beijos, com apreço e amizade.

PS: este conto tem sido dos que me têm prendido mais a atenção.

António Querido disse...

Acompanho e é um destino cruel para quem tem este destino traçado à nascença!
Com o meu abraço

Anne Lieri disse...

A vida de Maria não está sendo facil e vc descreve com muito talento. Dessa vez ela chegou ao fundo do poço,mas parece que irá se recuperar. Torço por ela! bjs,

Luis Eme disse...

tanta "autodestruição".

abraço Elvira

Maria disse...

Estou a gostar muito...da história e de descobrir o seu talento!!!
Beijinhos
Maria

Maria disse...

Estou a gostar muito...da história e de descobrir o seu talento!!!
Beijinhos
Maria

Edum@nes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edum@nes disse...

Puxa vida! Deixou a bebida, agarrou com unhas e dentes ao tabaco. Quando a gente não somos capazes de dominar os nossos vícios, está o caldo entornado! Eu condena qualquer atitude violenta ou não dum filho contra a sua própria mãe. Por muito má que ela possa ser, não há nada que justifique ser maltratada pelos seus filhos. Foi ela que os pôs no mundo, portanto, deveriam-lhe agradecer por isso.

Boa noite para você, amiga Elvira, um abraço.
Eduardo

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

A vida da Maria mais parece a descrição duma descida ao Inferno - que certamente não será diferente de outras mais.Aqui muito bem contada e com um ritmo vivo que prende.

E cá fico à espera do resto.
Um abraço e boa semana.
Vitor

RENATA CORDEIRO disse...

É, um vício leva a outro. Que vidda destroçada! Tomara que ela se recupere e dê a volta por cima.
Elvira, tenha um bom dia.
Beijos,
Renata

esteban lob disse...

Como siempre interesante historia, Elvira.

Como dicen ustedes,envío "beijos" desde Chile.

Lua Singular disse...

Oi querida Elvira,
Saber controlar as peripécias da vida não é para qualquer um, então as pessoas caem nas drogas lícitas ou ilícitas.
O controle emocional diante de muitos problemas não é para qualquer um, a gente aprende com a vida calar-se na hora certa para mais tarde ter boa recompensa, e como diz meu marido.(Não é dele a frase).
" Viver não é difícil, difícil é saber viver".
Meu conselho: É melhor chorar sozinho para ser recompensado amanhã.
Mas, cada um tem um jeito de ver a vida.
Tô gostando. Avise
Bom domingo
Beijos
Lua Singular

Duarte disse...

Por mais que imagino, nada acerto. Mas estou a gostar muito.
Um grande abraço

Olinda Melo disse...


Há vidas assim, infelizmente.
O marido ajudou-a e só a deixou depois de recuperada. Ainda bem.

Bj