A manhã
seguinte decorreu lenta demais para a minha ansiedade. Sentia-me como uma
criança em vésperas de ganhar um brinquedo novo. A Maria nunca mais chegava. Quando
por fim chegou eu suspirei de alívio. Na verdade ocorrera-me mais que uma vez
que iria desistir e eu ficaria sem saber mais nada dela. O almoço decorreu com
a animação habitual de amigos que se gostam, e se reveem depois de longa
separação. Como combinado previamente, meu marido saiu logo após o almoço.
Fingindo uma calma que não possuía, aguardei enquanto Maria acendia um cigarro.
Reparei nas suas mãos trémulas e pensei que fosse o que fosse que ela me queria
contar, era-lhe muito difícil falar nisso.
-Como sabe,
quando a minha mãe morreu, eu estava muito magoada e não vim ao funeral.
-Mas você
soube quando isso aconteceu? Disseram que não podiam avisá-la, não sabiam onde
vivia.
- Claro que
soube. "Nani" sabia onde eu morava e tinha o nº do meu telemóvel.
(Nani, era Fernanda a ama que a criou e que ela batizara assim quando começou
a falar).
-Ah!
-Pois a Nani
telefonou-me, e eu não quis vir. Parva. Nunca mais tive sossego depois disso.
Você conhece-me de miúda. Sabe que entre mim e a minha mãe sempre houve uma estranha
relação de amor ódio. E muita competição. Ela julgava-se uma mulher perfeita e
queria-me igual a ela. Nunca percebi bem se ela queria que eu fosse uma cópia
sua, ou se pensava que ia realizar os seus sonhos através de mim. Era austera,
exigia perfeição em tudo e eu sentia-me como uma formiga prestes a ser esmagada
por um elefante. E não soube nunca lidar com isso. Daí a frustração foi-se
instalando, depois veio a revolta e mais tarde a depressão. Quando saí daqui
fui morar para Santarém. Como vendedor da empresa, Artur passava muitos dias
fora de casa. A solidão nunca foi boa conselheira. Nem sei explicar como
aconteceu. Começou por um cálice de Porto ao jantar. Depois ao almoço e jantar.
Mais tarde um aperitivo antes das refeições. E assim por aí fora. Quase sem me
dar conta, saltava da cama e dirigia-me ao frigorífico para uma cerveja, a qualquer
hora da noite. Mais tarde vieram os brandes as aguardentes os licores. Tudo o
que contivesse álcool. Artur começou a dar por isso e proibiu bebidas em
casa. Valeu de alguma coisa? Não. Eu já perdera o controlo da situação. Acabei
por perder o emprego. Um dia o Artur deu-me um ultimato. Ou eu me tratava ou o
nosso casamento acabava ali. Deixei-o ir e envenenei-me. Azar, ou sorte minha,
ele voltou 2 horas depois para buscar qualquer coisa e encontrou-me caída no
quarto inconsciente. Levou-me para o hospital, onde me fizeram uma lavagem ao
estômago e me internaram na psiquiatria, para desintoxicação.
Calou-se. E
durante largos minutos ficou ausente, como que viajando no tempo através das
suas recordações.
-Não tenho
uma ideia muito exacta do que se passou depois. Sei que estive internada dois
meses, tenho uma vaga lembrança de estar atada com lençóis à cama
mas a maior parte do tempo estive a dormir. Deram-me alta num dia e
no dia seguinte a Nani telefonou-me a dizer que a minha mãe tinha partido. Estava
numa aflição não sabia que fazer. Disse-lhe para falar com o meu tio Carlos e
ele trataria de tudo. Não chorei. Sentia-me seca, entende?
continua
(direitos reservados)
continua
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18 comentários:
Simplesmente... Maria. E há tantas.
Vou passando por este cantinho agradável para actualizar a leitura da escrita, partilhada pela minha amiga. Bem-haja.
Tudo de bom.
O vício do álcool destrói a vida dos próprios e da família.
Mas há quem recupere...
Continuo a gostar da história.
Elvira, tem um bom fim de semana.
Beijos.
Olá, Elvira!
A infelicidade e má sorte como destino,a guiar a vida sofrida da Maria...e que parece não ter fim.
Bem contado este drama, que de tanta coisa que já aconteceu, já não arrisco prever-lhe o fim.
Bom fim de semana
Um abraço
Vitor
ღღ¸╭•⊰✿¸.•*ღ ღ¸╭•⊰✿¸.•* ღ¸╭•⊰✿¸.•*ღ ღ¸╭•⊰✿
“Se temos de esperar, que seja para colher a semente boa que lançamos hoje no solo da vida. Se for para semear, então que seja para produzir milhões de sorrisos, de solidariedade e amizade.”
― Cora Coralina...
Com essa frase tão bonita deixo meu abraço de bom final de semana
elogiando mais uma vez seu belo post
___________Rita!!!!
Oi Elvira.
Maria até agora não passou nem a metade do que eu, só que aguentei e me dei bem.
Pessoas são diferentes e cada uma tem uma reação.
Estou amando seu conto...Avise
Beijos
Lua Singular
Estive numa clínica em que, por acaso, também travam de viciados em álcool. E todos me davam a impressão de que estavam num spa, e de que voltariam a beber assim que saíssem de lá. Mas tem cura para quem é persistente.
Cada vez gosto mais dessa leitura. Toca em pontos muito interessantes.
Bom domingo, Elvira.
Beijos,
Renata
O álcool, na hora do desespero, que leva muitas vezes à depressão, aparentemente é um "porto seguro"...Um bom tratamento, muitas vezes resolve. Espero que Maria não tenha recaídas...e encontre alegrias no viver.
Bom domingo, Elvira!
Um abraço,
da Lúcia
Tenho uma amiga que já gastou
uns bons milhares de euros em
clínicas de recuperação de
alcoólicos com o filho e NADA!!!
Pura e simplesmente ele não se
quer curar. Quer continuar a beber.
Desejo-lhe um bom domingo.
Bj.
Irene Alves
e é com muito interesse que vou
seguindo os seus posts.
Depois de ter lido os capitulos anteriores, mais me convenço que o ser humano é muito complicado e que toma determinadas atitudes tão insensatas que podem dar cabo da vida das pessoas; tornam-se verdadeiros dramas que só com muia força interior conseguem ser ultrapassados. Cá estarei para acompanhar o desenvolvimento deste drama que, ficção ou não se vê demais na nossa sociedade. Um beijinho,Elvira e obrigada por ete momento. Até sempre.
Emília
Olá, estimada Elvira!
Como estão?
O coração de mãe, tem sempre razão. Vamos ver, onde "isto" vai parar.
Beijos, para todos, com amizade.
As mágoas não são nada fáceis de sarar. Quando as feridas são profundas. E quando se bebe para esquecer. Em vez de apagar a chama do sofrimento, reacendi-a com mais intensidade!
Boa noite para você amiga Elvira, um abraço.
Eduardo.
Este conto é muito interessante Elvira, torna-se difícil adivinhar o fim...
Bjs
Oi Elvirinha!
Pena que pela correria que ando, eu não acompanhei esse conto desde o começo, mas como sempre... Gostei do que lí aqui. Apesar de não me situar na história, é sempre bom ler e ver a graça que vc controla as palavras!
Um abração!
Oi Elvirinha!
Pena que pela correria que ando, eu não acompanhei esse conto desde o começo, mas como sempre... Gostei do que lí aqui. Apesar de não me situar na história, é sempre bom ler e ver a graça que vc controla as palavras!
Um abração!
Como vais complicando as coisas, isto ata mesmo!
Beijinhos, querida amiga, e que sigas bem!
Elvira,
Há muito por enredar, criatividade e experiência de vida não lhe faltam. Ah, claro, e talento!
Que se seguirá?
Beijo :)
Uma infelicidade muito grande. Quando as pessoas se deixam apanhar pela bebida tudo pode acontecer...
Bj
Olinda
Na verdade, é uma questão de infelicidade....
Cumprimentos
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