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12.1.14

ESPERANÇA DOS OLHOS VERDES Parte I




 Foto da CP. Antigo barco de travessia Barreiro-Lisboa e vice-versa



- Ciiiiinco caaaartas, deeeez tostõeeees!       
Todas as manhãs, ao desembarcar no Terreiro do Paço, era sempre aquele o primeiro pregão que ouvia. Procurei com o olhar a dona do pregão. Não consegui vê-la. Mas sabia que ela estava lá, como de costume. A sua voz fazia-se ouvir entre o burburinho dos que todas as manhãs faziam a travessia do Tejo, nos barcos da CP. Gente que morava na progressiva vila do Barreiro mas que trabalhava em Lisboa, como eu.
Estávamos a meio dos anos sessenta e eu, que nascera no Barreiro, tinha começado a trabalhar em Lisboa, pelo que todos os dias fazia aquela travessia, excepto aos fins-de-semana. Trinta e cinco minutos em barcos que tinham o nome de alguns distritos de Portugal. Até aí, as idas a Lisboa sempre tinham sido para ver alguém hospitalizado ou para visitar alguma das minhas tias residentes na capital. Gostava de ver do barco o Cristo-Rei, que também via da minha casa desde miúda mas tão pequenino que mais parecia um brinquedo. Já na cidade não havia quem me arrancasse de junto das montras, onde tudo era novo e maravilhoso para mim. Mas os anos passaram, eu cresci e agora ali estava  a caminho do trabalho como todas as manhãs. Quem conheceu o Terreiro do Paço naquela época, sabe que ali havia um verdadeiro mercado ambulante.
Mulheres e homens vendiam bananas, amendoins, bolos, lenços, roupas de bebé, bonecas, brincos, pentes, braceletes, rádios, óculos e muito mais.
Foi então entre todo aquele burburinho que ouvi:
-Ciiiiinco caaaartas, deeeez tostõeeees!
Olhei e vi-a. Era uma mulher que talvez não tivesse mais de quarenta anos, embora aparentasse muitos mais. Mas é sempre difícil saber ao certo a idade das pessoas para quem a vida foi madrasta. Envelhecem mais depressa pelos trabalhos e provações por que passam.
Franzina, de pele morena, poderia ter sido muito bonita na juventude, mas já não lhe restava nada dessa beleza. Poderia até ser considerada uma mulher vulgar não fossem os seus maravilhosos olhos verdes, de brilho intenso, como se neles se concentrasse toda a juventude que o seu corpo deixara para trás há muito.
Fiquei fascinada com aqueles olhos. Reparei que olhava repetidas vezes para o mar, porém não podia ficar ali mais tempo a contemplá-la pois estava na hora de ir para o trabalho.
Mas todos os dias, ao ouvir o seu pregão, não podia deixar de olhar a mulher enquanto imaginava bonitas histórias de amor em que ela era a protagonista. Foi assim que um dia me apercebi que os olhos verdes da mulher ficavam às vezes de um tom azulado, tal como o mar em dias de calmaria.
Chegou o mês de Agosto e, como todos os anos, o laboratório onde eu trabalhava, encerrou para férias. Decidi passá-las em Lisboa, em casa dos meus tios, já que não dispunha de verba, nem autorização dos pais, para ir para qualquer lugar sozinha. Com os meus tios gozava de ampla liberdade enquanto não arranjasse namorado. Como tinha passe dava, de vez em quando, umas voltas pela cidade. E foi nessa altura que me ocorreu descobrir se as minhas fantasias a respeito da vendedora de cartas tinham algum fundamento. Tomada a decisão, logo a coloquei em prática.

18 comentários:

rosa-branca disse...

Olá amiga, uma nova história que promete...fico em pulgas, à espera da continuação. Gostei muito. Beijos com carinho

Graça Sampaio disse...

Muito bem! Agora ficamos à espera do resto das tuas aventuras na Lisboa dos anos 60 (que eu tão bem conheci!)

Boa semana!

Lua Singular disse...

Oi Elvira,
Já gostei doa primeira parte e esse conto promete. Não deixe de me avisar.
Gostei demais
Beijos
Lua Singular

Mariazita disse...

Bom dia, Elvira
Estou em falta consigo :(
Já devia ter vindo agradecer os seus votos de bom Ano... mas estive fora duas semanas, (desde o final do ano), e as coisas acumularam-se.
Voltarei brevemente para ler este post (que, me parece, vai ser outra história interessante); mas agora vim trazer um recado dum amigo... que não vou dizer quem é...
Ele deixou recado (para si e não só...) no meu blog, no último post, e prefiro que a amiga leia.
Lá a aguardo.

Um ano muito, muito feliz.
Um abraço
Mariazita
(Link para o meu blog principal)

Fátima Pereira Stocker disse...

Cara Elvira

Que começo tão interessante - e escrito na primeira pessoa!

Beijos

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

Há pessoas assim; com um olhar que fala de mistérios, e que nos prende e desperta a curiosidade de saber o que por trás dele estará...
E eu fico à espera que a Elvira descubra qual é...já que a história promete.

Um abraço e boa semana.
Vitor

Luma Rosa disse...

Oi, Elvira!
Qual será o mistério que envolve a vendedora de cartas? ;)
Aguardando ansiosa pela segunda parte...
Beijus,

Unknown disse...

Muitas maravilhas começam no nosso olhar ao cruzarmos outros olhos que nos enviam mensagens.
Quantas perguntas se podem formar dentro de nós como quando olhamos para um espelho...
Aguardo por mais uma história de vida e com muita vida.

António Querido disse...

OLÁ AMIGA ELVIRA!
Com esta sua história, voltei aos tempos de minha juventude, da Quinta da Lomba para o Barreiro, do Barreiro até Lisboa, mais tarde a viagem de volta, bons tempos que encontrei, mas que perdi para sempre, mesmo que o volte a fazer, nada será igual, excepto o Tejo e o Cristo Rei.

Lilá(s) disse...

Mais uma história que já me cativou...aguardo a continuação...
Beijinhos

Emília Pinto disse...

Não conheci o Terreiro do Paço nessa época, pois demorei muitos anos a conhecer Lisboa, pois sou do Norte e nesses tempos as dificuldades eram muitas. Porém...havia muitos lugares espalhados pelo país que eram verdadeiros mercados ambulantes e por isso não me é difícil imaginar a cena que tão bem nos descreves aqui. Claro que virei cá para saber das tuas " investigações" e seguir a história que de certeza vai ser muito interessante. Um beijinho, Elvira e até breve.
Emília

Cesar disse...

Uma narrativa que desperta curiosidade. Gostei.

Luis Eme disse...

já lera mas não comentara.

vim, à procura de mais me memórias.

abraço Elvira e bom fim de semana

Duarte disse...

O ambiente está criado, ademais numa narração plena de detalhes e na que criaste o interesse por conhecer essa mulher misteriosas das cinco cartas. Está bem, eu já estou enganchado, e aguardo impaciente o desenrolar dos acontecimentos.
Um grande abraço, querida amiga

Duarte disse...

O ambiente está criado, ademais numa narração plena de detalhes e na que criaste o interesse por conhecer essa mulher misteriosas das cinco cartas. Está bem, eu já estou enganchado, e aguardo impaciente o desenrolar dos acontecimentos.
Um grande abraço, querida amiga

Maria disse...

Adorei a história, vi a segunda parte e tive de vir ver a primeira de tal forma gostei...parabéns!
Beijinhos
Maria

MARILENE disse...

Que abertura interessante! Agora desejo saber o resultado da pesquisa. Bjs.

Anónimo disse...

Olá, estimada Elvira!

Gostei da descrição. Tudo ali tinha vida, valores e objetivos.
Os olhos verdes, quer em homens ou mulheres, são sempre fascinantes e encerram muitos "mistérios".

Beijinhos com apreço.