O Crioula, actualmente ao serviço da Marinha, como navio-escola.
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Outras vezes, quando o patrão tinha pressa, o gerente propunha uma empreitada ao pessoal. Tinham que fazer naquele dia a descarga de X toneladas. Quando acabassem iam para casa com o dia ganho. Na ânsia de saírem umas horas mais cedo, que algumas vezes nem a uma hora chegava, o pessoal levava o dia a correr e fazia num dia o trabalho de quase dois. Mas os dias de Inverno são pequenos, o frio aperta, e a promessa de que iam para casa quando acabassem, funcionava como a cenoura à frente do burro.
Hoje, pode parecer estranho , como o pessoal da seca, que acredito fosse um espelho do que ia pelo país, se sujeitava, a trabalhos tão duros e tão mal pagos. Para isso contribuíam três factos. Primeiro, eram tempos de guerra, onde a fome assentara arraiais, e grande parte do povo, vivia o momento com um sentimento de religiosidade exacerbado, em que o sofrimento era aceite como natural. Costumavam até dizer, "Jesus Cristo, também sofreu e era Deus". Segundo, na seca, a grande maioria dos trabalhadores eram analfabetos, cujo conhecimento do mundo se confinava ao trabalho do campo, na sua aldeia, durante meio ano, e ao trabalho na seca, o outro meio.
Terceiro, o pessoal lá empregado era maioritariamente feminino, cerca de 350 mulheres para 50 homens, que se sentiam agradecidas ao ditador Salazar, porque livrara Portugal da guerra, e assim os seus homens, filhos, ou irmãos não iriam para a frente de batalha.
Mais tarde, o bacalhau saía do frigorífico, em carros de mão, transportados por homens, para o armazém de lavagem. Aqui, era mergulhado em tinas compridas, meias de água, onde se punha o bacalhau tal como era retirado dos navios. De cada lado da tina seis mulheres munidas de uma escova. Curvavam-se e apanhavam o bacalhau pelo rabo e com a escova lavavam-no de ambos os lados, enquanto entoavam modinhas populares, que tornavam as horas mais curtas e o trabalho menos penoso. E era ouvi-las em coro, mais afinadas que coro da igreja, entoando modas, como esta:
Água leva o regadinho
Água leva o regador
Enquanto rega e não rega
Vou falar ao meu amor
Ou esta:
Ao passar o ribeirinho
Pus o pé, molhei a meia,
Namorei na minha terra
Fui casar em terra alheia
Ou ainda:
Ao passar o ribeirinho
Pus o pé, molhei a meia,
Namorei na minha terra
Fui casar em terra alheia
Ou ainda:
Ó Rosa, arredonda a saia,
Ó Rosa, arredonda-a bem!
Ó Rosa, arredonda a saia,
Olha a roda que ela tem
Às vezes fazia-se um despique, com as mulheres de umas tinas, desafiando as outras para uma desgarrada. Entusiasmadas, as horas passavam mais depressa, e até as dores nas costas se esqueciam.
Depois de lavado, o bacalhau, era jogado em outros carros de mão e empilhado com sal
limpo. Ficava assim dois ou três dias, depois era banhado, para retirar o sal
que não derretera, e levado para a seca ao sol. Sempre em carrinhos de mão, à
força de braços.