Certo dia, Paco enfeitou a cabana dos Gonzales com hera e
arranjou, ninguém sabe onde,
uma manjedoura. Juanita, a burra, teve de ser presa porque
estava constantemente a comer
a hera. De um pedaço
de cartão cortou uma estrela que pregou por cima da porta da cabana.
Em seguida, Paco lavou-se minuciosamente como nunca se lavara
ao longo do ano,
esfregou todas as nódoas do poncho e escovou o seu belo
chapéu.
— O Paco vai à procura de noiva — troçou a mãe. Mas ele
limitou-se a rir.
Fez das tripas coração e foi à casa do patrão, em frente.
Nunca antes estivera em
casa de Don Alfredo.
Bateu timidamente à porta grande. Carlos, o velho criado, veio abrir.
Ergueu as
sobrancelhas, admirado, e olhou para Paco.
— Preciso de falar com Don Alfredo — disse o rapaz. Como
Carlos nada dissesse, Paco
tirou meio peso de prata que guardara do dinheiro da
colheita. Mostrou a moeda e meteu-a
na mão do criado.
— É urgente, Carlos. Muito urgente.
Carlos virou-se e o rapaz seguiu-o pelo átrio grande e
fresco.
Paco só conhecia algo igual das histórias de encantar. O chão
estava coberto de tapetes,
as paredes decoradas
com quadros e do teto caía um lustre com milhares e milhares de
gotas de cristal brilhante. Carlos fez sinal ao rapaz para
esperar e desapareceu por trás
de uma imponente porta escura. Pouco depois, Don Alfredo veio
ao átrio e falou asperamente
a Paco.
— Isto são modas novas? Vens a nossa casa sem ser chamado e
nem tiras o chapéu da cabeça!
Paco arrancou imediatamente o chapéu e disse, a gaguejar:
— Eu gostava… eu queria perguntar-lhe… é que eu preciso de um
boi, Don Alfredo, com urgência.
Don Alfredo riu alto e exclamou:
— Ouçam isto! O rapazinho quer um boi. Como se eu desse um
boi, assim, por dá cá aquela palha.
Abriram-se duas portas ao mesmo tempo e Doña Clara e Doña
Esmeralda, a mulher de
Don Alfredo, foram ver o que se estava a passar no átrio.
— Ele quer um boi! — exclamou Don Alfredo a rir. — E porque
não uma vaca ou uma manada
inteira?
— Um boi só, Don Alfredo, por favor. Mas tem de ser um animal
forte. Não quero o boi
de oferta. Só queria pedi-lo emprestado por uma única noite.
As gargalhadas de Don Alfredo calaram-se.
— Emprestado? Um boi? Só por uma noite?
Paco entusiasmou-se e desatou a falar:
— Quero construir um presépio como Doña Clara contou e o meu
burro vai lá estar,
como Doña Clara contou, e Maria e José, como Doña Clara
contou, e também um boi, como…
— Doña Clara contou — disse Don Alfredo, olhando para a tia,
ironicamente. Mas esta
limitou-‑se a encolher
os ombros.
— Para se poder imaginar melhor aquilo do nascimento em
Belém.
Paco disse a última frase muito baixinho.
Don Alfredo olhou para o rapaz com um olhar severo. Paco
dirigiu-se aos poucos e às
arrecuas para a porta de entrada.
— De dia para dia, estes Pacos andam a tornar-se cada vez
mais atrevidos — retumbou
Don Alfredo.
Doña Clara disse então:
— Ficas prejudicado, querido sobrinho, se fizeres a vontade
ao rapaz? Não vais ficar
mais pobre por isso e,
por uma noite, ele vai sentir-se rico como um rei.
Don Alfredo ainda hesitou, mas acabou por dizer:
— Oh, por mim… que seja! O Natal está para breve.
O resto foi muito fácil. Maria Simancar era só um pouco mais
velha do que Paco.
Ia fazer de mãe de Deus porque se chamava Maria e porque
tinha uns longos cabelos
pretos ondulados.
Maria queria trazer o irmãozinho, um bebé rechonchudo.
— Porque ele quase nunca chora — disse.
Com o São José é que foi mais difícil. Paco teve de convencer
Fernando e até prometer-
-lhe uma garrafa de aguardente de agave até ele se dispor a
fazer de marido de Maria.
— Os pastores vão vir… — disse Paco, esperançado.
— E o anjo? — perguntou-lhe a mãe. Paco hesitou um pouco mas
depois disse:
— Tu, mãe, foi o que pensei.
O pai riu tão alto, que até o papel que colara sobre o vidro
partido se rasgou.
— Um anjo redondinho de cem quilos — disse em voz muito alta
e, de tanto rir, até ficou
sem poder respirar.
— Não tenho nenhum vestido branco, Paco — disse a mãe,
triste. — Os anjos têm de brilhar.
— Mas tens uma voz maravilhosa, mãe. Podias ficar atrás da
casa dos Gonzales.
Depois cantas o que todos os anos costumas cantar: “Aleluia,
paz e aleluia!”
O pai ainda se ria, o que irritou a mãe, que disse:
— Vou fazer isso, Paco.
À noitinha, Don Alfredo mandou o boi. Um pastor ainda novo
trouxe-o à arreata.
Quando o sol se pôs,
saíram quase todos das suas casas e, conversando e rindo,
dirigiram-se à cabana dos Gonzales. A porta e as janelas
estavam abertas de par em par.
Maria estava sentada
em frente à manjedoura e deitara o bebé nas folhas de milho.
O boi e o burro estavam
pacificamente deitados no chão e Fernando, encostado a um cajado,
em pé, atrás de Maria.
Paco acendeu uma lanterna. Era uma cena impressionante, a que
se via dentro do círculo
de luz. Todos se
calaram e ficaram a olhar. Mais tarde, ninguém soube dizer quem começou,
mas, de repente,
alguém ofereceu um melão maduro, um outro colocou três cestos de milho
em frente à
manjedoura, uma mulher ofereceu uma fralda quase nova…Um jarro de leite e
um pão fresco foram
também entregues na cabana.
No preciso momento em que Don Alfredo, Doña Esmeralda e Doña
Clara chegaram, a mãe
de Paco, atrás da cabana, começou a cantar o Aleluia com uma
voz límpida. Arrefecera
e Don Alfredo e as
duas senhoras tinham-se embrulhado em mantas largas e compridas.
Abriu-se um caminho à sua frente e entraram os três na cabana
dos Gonzales.
Passando por debaixo da estrela.
— Ui! — disse Doña Esmeralda. — Não cheira nada bem aqui dentro.
Tirou da bolsa um frasquinho de perfume. Mas este
escorregou-lhe das mãos e
partiu-se no chão. Um aroma maravilhoso encheu então a
cabana. Don Alfredo olhava
em volta à procura de Paco. Entretanto escurecera, e não
conseguia vê-lo à luz fraca
da lanterna. Colocou pois uma moeda junto das prendas.
Brilhava como ouro.
Doña Clara tinha encontrado Paco.
— Para que tudo seja como deve ser — segredou-lhe — trouxe
uma bolsinha com mirra.
E, por um instante, ela foi um dos Reis Magos.
E por algum tempo houve uma grande paz na cabana dos
Gonzales.
Don Alfredo e a mãe, Doña Esmeralda, Doña Clara e Maria, até
o próprio Fernando rabugento,
nenhum deles era pobre
ou rico, senhor ou trabalhador, senhora rica e elegante ou mulher
índia pobre. Naquele
instante, todos eram simplesmente homens e mulheres.
A luz da lanterna apagou-se. Quando começaram a sentir o frio
da noite, todos partiram,
uns para as suas
cabanas, outros para a casa senhorial. No entanto, a partir daquela
noite em que lhes fora dado antever um outro mundo, as
pessoas da aldeia passaram
a contar, até aos dias
de hoje, a história de Paco e do seu presépio.
Willi Fährmann
Ein Stern
ist aufgegangen
Würzburg, Arena Verlag, 2003
(Tradução e adaptação
Recolhida AQUI
10 comentários:
Uma lenda que me fez lembrar o universo de Garcia Marquez.
Olá Elvira.Un longo conto que gostei ler.
Obrigada pela sua visita.
Desejo te um bom decembro.
Beijinhos
Há gente com jeito para estas coisas, não há dúvida!
Se eu tivesse essa habilidade não pararia de escrever.
Venha o próximo e que seja tão bonito ou mais que este.
Fopi maravilhoso o conto,gostei! beijos, lindo dia! chica
Gostei deste conto.
Um abraço e continuação de uma boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Gostei imenso e foi com um final inesperado em que o Paco deu uma lição a todos.
Beijocas e um bom dia
Bom dia
Um presépio do mais natural e original que se pode ter ao pé de casa .
JR
Boa noite Elvira,
Talvez a mais bonita história de Natal que já li.
Adorei! Obrigada.
Beijinhos e saúde.
Ailime
Um bonito conto de Natal!
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Não conhecia o conto, obrigada por esta partilha!
Bjxxx
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