Na noite da morte a esperança vê uma estrela;
e o amor atento consegue ouvir o roçar de uma asa.
Robert Ingersoll
— Posso ficar com este, Connie? — perguntou o meu
enteado de dez anos referindo-se a um enfeite de Natal que eu estava a
desembrulhar.
Era o segundo sábado antes do Natal e Conan estava a passar o fim de semana
connosco. Tínhamos trazido o pinheirinho acabado de cortar para dentro de casa
e o meu marido trouxera da cave umas caixas com enfeites. O nosso filho de
quatro anos, Chase, juntamente com Conan, ajudavam-me a desembrulhá-los. A
nossa filha de um ano, Chelsea, observava atentamente enquanto brincava.
Tínhamos alguns enfeites especiais. Não tinha a certeza se uma criança de dez
anos seria capaz de admirar o rendilhado de pérolas e lantejoulas feito à mão
da figura do Pai Natal, ou a fragilidade de uma concha pintada, trazida dos
recantos da nossa praia preferida. Alguns enfeites guardavam lembranças das
pessoas que os criaram ou dos lugares que tínhamos visitado durante as férias.
Queria guardá-los e protegê-los até ele ser adulto. Além disso, se deixasse que
ele ficasse com um agora, provavelmente nunca mais o veria. De repente, tive
uma ideia brilhante.
— E se começássemos uma nova tradição, Conan?
— Como, por exemplo?
— Se fizéssemos assim: todos os anos eu compro um novo enfeite. Com tinta
permanente escreves nele o teu nome e o ano, e guardamo-los todos aqui numa
caixa. E quando tiveres dezoito anos, terás muitos enfeites especiais para a
tua própria árvore!
O seu sorriso disse-me que tinha gostado da ideia. Passei-lhe um enfeite que
era uma miniatura de um livro de histórias de Natal, e agarrou-o imediatamente,
encantado. Levou-o para o sofá e folheou as páginas do pequenino livro, Era a
Véspera de Natal, agradavelmente surpreendido com o seu tamanho e a sua
mensagem encantadora e intemporal.
Esperto para a sua idade, eu deveria ter antecipado a próxima pergunta.
— Bem, e se fizéssemos assim? — recomeçou Conan com um olhar pensativo. — Como
já tenho dez anos, que tal se eu tirasse dez enfeites agora, um por cada ano
que vivi, e escrevesse neles o meu nome e o ano? Assim, quando for maior, terei
dezoito enfeites, um por cada ano vivido.
Por esta altura eu já tinha pendurado todos os enfeites delicados. Agradada com
a sua rapidez de raciocínio, tirei a caixa dos enfeites inquebráveis. Pousei-a
à sua frente e disse:
— Porque não? Claro, avança e tira dez.
O rosto de Conan iluminou-se, enquanto, com todo o cuidado, levava a caixa para
a mesa da cozinha. Lentamente, com muita atenção, fez as suas escolhas. E com o
mesmo cuidado escreveu o seu nome e um ano nos enfeites separados, cada um a
representar um ano da sua meninice.
O acordo foi mantido durante dois anos, dois anos em
que eu e o meu marido comprámos sempre um enfeite. Porém, quando Conan chegou à
adolescência, esquecemo-nos completamente do combinado e nunca mais o fizemos.
E eis que, a meio dos seus dezassete anos, num belo dia de maio, o impensável
aconteceu: Conan faleceu num acidente de viação… Os primeiros meses que se
seguiram à sua morte foram de uma indefinição dolorosa – cada dia era vivido
com dor e confrangimento. O psicólogo advertiu-nos que as férias seriam
especialmente difíceis e não se enganou. Não creio que nenhum de nós tenha
saboreado o peru no Dia de Ação de Graças e, pessoalmente, eu não sabia como
dar graças naquele ano….
Ao primeiro sinal de geada, eu costumava ficar entusiasmada com o Natal.
Surgiam os primeiros cânticos de Natal e experimentava as minhas receitas
preferidas, fazendo bolos e biscoitos que congelava para depois oferecer.
Naquele ano, porém, sentia-me paralisada, e o mais que podia fazer era decorar
a casa para a quadra natalícia. Chase e Chelsea, que agora tinham onze e oito
anos, não estavam interessados em ajudar-me a decorar o pinheiro, muito
certamente porque também eles estavam a sofrer.
Por isso, num fim de sábado, já a noite ia avançada, depois de o meu marido ter
pousado o pinheiro no seu lugar e todos estarem deitados, fui buscar não só as
decorações para o pinheiro acabado de cortar, mas também as caixas com os
enfeites. Depois de verificar se as luzinhas funcionavam, lancei-as,
desconsoladamente, para cima da árvore. Em seguida, puxei o escadote e subi
alguns degraus até ao cimo do pinheiro, prendendo com cuidado o anjo no seu
lugar de honra.
Voltei-me por fim para a caixa dos enfeites delicados.
E lá fui desembrulhando a figura puída do Pai Natal, com as suas pérolas e
lantejoulas, juntamente com as conchas e outros enfeites. Contrafeita, pendurei
os enfeites e só pensava em terminar quanto antes. Depois de esvaziar a caixa
dos enfeites delicados, virei-me para procurar a caixa dos mais baratos. Ao
fazê-lo, recordei-me subitamente de um rapaz de dez anos todo entusiasmado. E
senti dificuldade em engolir…
Depois de localizar a caixa, levantei a tampa com todo o cuidado. E lá estava,
mesmo por cima, o pequenino livro de Natal. Na parte da frente lia-se o título
Era a Véspera de Natal e, no verso, rabiscado pela mão de uma criança
arrebatada, lia-se o nome Conan em letras maiúsculas. Como que a reivindicarem
a eternidade.
Limpei as lágrimas e retirei os restantes enfeites com o seu nome. Alguns eram
feitos à mão, outros comprados, mas de súbito tornaram-se todos insubstituíveis
para mim. As memórias agridoces foram-me confortando à medida que descobria
que, por vezes, as tradições que guardam o mais importante da vida nada têm a
ver com artigos delicados e caros. Antes pelo contrário.
Muitas vezes, as lembranças mais preciosas que guardámos estão ligadas a
objetos vulgares que foram eternamente abençoados.
Connie
S. Cameron
8 comentários:
desejo um 2022 muito feliz tudo de bom bjs saude
Que lindo e comovente conto, Elvira! Espero que a tua saúde tenha melhorado e que ela esteja presente na tua familia, hoje e sempre. É o melhor que te posso desejar para este ano que vai começar. Beijinhos, Amiga!
Emilia
Gostei imenso do conto e obrigado por o partilhares.
Beijos e desejo que estejas bem assim como os teus
Belo conto, amiga!
Boas Entradas, muita saúde e um grande abraço!
Boas festas Beijinhos
https://duasirmasmaduras.blogspot.com/feeds/posts/default
Este linke está pronto para linkar na lista de blogues
Fantástico como todos os outros que nos traz! :)
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O Ano nasceu e termina...em reflexão
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FELIZ ANO NOVO, A TODOS OS FAMILIARES E AMIGOS, EXTENSIVO AOS QUATROS CANTOS DO MUNDO. QUE NO ANO VINDOURO CONTINUEMOS NESTA NOSSA ETAPA, POÉTICAMENTE FALANDO. 📌
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ABRAÇOS
Amiga Elvira, não podia deixar de passar para lhe desejar um 2022 abençoado, pleno de momentos felizes.
E continuarei passando para ler histórias suas.
Beijo, muita saúde para si e para os seus.
Esta história como as outras é muito bonita, mas também triste. Mesmo assim gostei muito de a ler, obrigada pela partilha aqui
um abraço grande e boa passagem do ano
Gábi
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