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29.12.21

ABENÇOADA PELO AMOR

 



Na noite da morte a esperança vê uma estrela;

e o amor atento consegue ouvir o roçar de uma asa.

Robert Ingersoll





— Posso ficar com este, Connie? — perguntou o meu enteado de dez anos referindo-se a um enfeite de Natal que eu estava a desembrulhar.
Era o segundo sábado antes do Natal e Conan estava a passar o fim de semana connosco. Tínhamos trazido o pinheirinho acabado de cortar para dentro de casa e o meu marido trouxera da cave umas caixas com enfeites. O nosso filho de quatro anos, Chase, juntamente com Conan, ajudavam-me a desembrulhá-los. A nossa filha de um ano, Chelsea, observava atentamente enquanto brincava.
Tínhamos alguns enfeites especiais. Não tinha a certeza se uma criança de dez anos seria capaz de admirar o rendilhado de pérolas e lantejoulas feito à mão da figura do Pai Natal, ou a fragilidade de uma concha pintada, trazida dos recantos da nossa praia preferida. Alguns enfeites guardavam lembranças das pessoas que os criaram ou dos lugares que tínhamos visitado durante as férias. Queria guardá-los e protegê-los até ele ser adulto. Além disso, se deixasse que ele ficasse com um agora, provavelmente nunca mais o veria. De repente, tive uma ideia brilhante.
— E se começássemos uma nova tradição, Conan?
— Como, por exemplo?
— Se fizéssemos assim: todos os anos eu compro um novo enfeite. Com tinta permanente escreves nele o teu nome e o ano, e guardamo-los todos aqui numa caixa. E quando tiveres dezoito anos, terás muitos enfeites especiais para a tua própria árvore!
O seu sorriso disse-me que tinha gostado da ideia. Passei-lhe um enfeite que era uma miniatura de um livro de histórias de Natal, e agarrou-o imediatamente, encantado. Levou-o para o sofá e folheou as páginas do pequenino livro, Era a Véspera de Natal, agradavelmente surpreendido com o seu tamanho e a sua mensagem encantadora e intemporal.
Esperto para a sua idade, eu deveria ter antecipado a próxima pergunta.
— Bem, e se fizéssemos assim? — recomeçou Conan com um olhar pensativo. — Como já tenho dez anos, que tal se eu tirasse dez enfeites agora, um por cada ano que vivi, e escrevesse neles o meu nome e o ano? Assim, quando for maior, terei dezoito enfeites, um por cada ano vivido.
Por esta altura eu já tinha pendurado todos os enfeites delicados. Agradada com a sua rapidez de raciocínio, tirei a caixa dos enfeites inquebráveis. Pousei-a à sua frente e disse:
— Porque não? Claro, avança e tira dez.
O rosto de Conan iluminou-se, enquanto, com todo o cuidado, levava a caixa para a mesa da cozinha. Lentamente, com muita atenção, fez as suas escolhas. E com o mesmo cuidado escreveu o seu nome e um ano nos enfeites separados, cada um a representar um ano da sua meninice.

O acordo foi mantido durante dois anos, dois anos em que eu e o meu marido comprámos sempre um enfeite. Porém, quando Conan chegou à adolescência, esquecemo-nos completamente do combinado e nunca mais o fizemos. E eis que, a meio dos seus dezassete anos, num belo dia de maio, o impensável aconteceu: Conan faleceu num acidente de viação… Os primeiros meses que se seguiram à sua morte foram de uma indefinição dolorosa – cada dia era vivido com dor e confrangimento. O psicólogo advertiu-nos que as férias seriam especialmente difíceis e não se enganou. Não creio que nenhum de nós tenha saboreado o peru no Dia de Ação de Graças e, pessoalmente, eu não sabia como dar graças naquele ano….
Ao primeiro sinal de geada, eu costumava ficar entusiasmada com o Natal. Surgiam os primeiros cânticos de Natal e experimentava as minhas receitas preferidas, fazendo bolos e biscoitos que congelava para depois oferecer. Naquele ano, porém, sentia-me paralisada, e o mais que podia fazer era decorar a casa para a quadra natalícia. Chase e Chelsea, que agora tinham onze e oito anos, não estavam interessados em ajudar-me a decorar o pinheiro, muito certamente porque também eles estavam a sofrer.
Por isso, num fim de sábado, já a noite ia avançada, depois de o meu marido ter pousado o pinheiro no seu lugar e todos estarem deitados, fui buscar não só as decorações para o pinheiro acabado de cortar, mas também as caixas com os enfeites. Depois de verificar se as luzinhas funcionavam, lancei-as, desconsoladamente, para cima da árvore. Em seguida, puxei o escadote e subi alguns degraus até ao cimo do pinheiro, prendendo com cuidado o anjo no seu lugar de honra.

Voltei-me por fim para a caixa dos enfeites delicados.
E lá fui desembrulhando a figura puída do Pai Natal, com as suas pérolas e lantejoulas, juntamente com as conchas e outros enfeites. Contrafeita, pendurei os enfeites e só pensava em terminar quanto antes. Depois de esvaziar a caixa dos enfeites delicados, virei-me para procurar a caixa dos mais baratos. Ao fazê-lo, recordei-me subitamente de um rapaz de dez anos todo entusiasmado. E senti dificuldade em engolir…
Depois de localizar a caixa, levantei a tampa com todo o cuidado. E lá estava, mesmo por cima, o pequenino livro de Natal. Na parte da frente lia-se o título Era a Véspera de Natal e, no verso, rabiscado pela mão de uma criança arrebatada, lia-se o nome Conan em letras maiúsculas. Como que a reivindicarem a eternidade.
Limpei as lágrimas e retirei os restantes enfeites com o seu nome. Alguns eram feitos à mão, outros comprados, mas de súbito tornaram-se todos insubstituíveis para mim. As memórias agridoces foram-me confortando à medida que descobria que, por vezes, as tradições que guardam o mais importante da vida nada têm a ver com artigos delicados e caros. Antes pelo contrário.
Muitas vezes, as lembranças mais preciosas que guardámos estão ligadas a objetos vulgares que foram eternamente abençoados.

Connie S. Cameron

 

8 comentários:

A Paixão da Isa disse...

desejo um 2022 muito feliz tudo de bom bjs saude

Emília Pinto disse...

Que lindo e comovente conto, Elvira! Espero que a tua saúde tenha melhorado e que ela esteja presente na tua familia, hoje e sempre. É o melhor que te posso desejar para este ano que vai começar. Beijinhos, Amiga!
Emilia

Fatyly disse...

Gostei imenso do conto e obrigado por o partilhares.
Beijos e desejo que estejas bem assim como os teus

Maria João Brito de Sousa disse...

Belo conto, amiga!

Boas Entradas, muita saúde e um grande abraço!

Paula Saraiva disse...

Boas festas Beijinhos


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Cidália Ferreira disse...

Fantástico como todos os outros que nos traz! :)
-
O Ano nasceu e termina...em reflexão
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FELIZ ANO NOVO, A TODOS OS FAMILIARES E AMIGOS, EXTENSIVO AOS QUATROS CANTOS DO MUNDO. QUE NO ANO VINDOURO CONTINUEMOS NESTA NOSSA ETAPA, POÉTICAMENTE FALANDO. 📌
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ABRAÇOS

teresadias disse...

Amiga Elvira, não podia deixar de passar para lhe desejar um 2022 abençoado, pleno de momentos felizes.
E continuarei passando para ler histórias suas.
Beijo, muita saúde para si e para os seus.

redonda disse...

Esta história como as outras é muito bonita, mas também triste. Mesmo assim gostei muito de a ler, obrigada pela partilha aqui
um abraço grande e boa passagem do ano
Gábi