Foto minha, tirada da minha varanda. Ao fundo, o pinhal donde se desce para o rio.
Uma velha amiga
-Boa tarde – saudei ao reconhecê-la. Não me diga que veio ver o pôr-do-sol.
-Olá amiga – respondeu enquanto nos cumprimentávamos. Nem a tinha visto. Estava aqui numa de recordar o passado.
- Às vezes recordar é viver. Veio sozinha? – Perguntei intrigada.
- Estou sozinha, amiga. A minha vida deu uma volta que às vezes nem eu própria acredito. Vamos andando que lhe conto tudo. Na verdade tinha vontade de passar por sua casa. Mas receava incomodar, e por isso vim para aqui.
- Incomodar? Isso nem parece seu. Vamos embora. E janta connosco.
No silêncio que se seguiu dei-lhe o braço e encetámos a caminhada até minha casa. Eu aguardava que ela falasse. Há quanto tempo não a via? Oito, dez anos, talvez. E admirava-me vê-la sozinha. E o marido? Porque não estava com ela?
- Estou divorciada.
Parei. Era surpreendente. Maria sempre tivera esse dom. Adivinhar os meus pensamentos. Quando criança, era uma espécie dum jogo, depois foi transformando-se num hábito. Quantas vezes pensei dizer-lhe alguma coisa, e ela me respondia antes que eu concretizasse a pergunta? Tantas que lhe perdi a conta. Era como se para ela os meus pensamentos estivessem escritos na testa. O contrário também acontecia por vezes. Mas era muito raro.
Naquele momento a minha surpresa era pelo teor da informação.
Conheci-a há quarenta anos atrás. Ela era uma menina e eu mulher feita e casada. Gostei dela assim que a vi, com aquele instinto maternal que nós mulheres temos e que nos faz olhar as crianças e pensar nelas como se fossem um pouco nossos filhos. Ela também se afeiçoou a mim e foi crescendo e alimentando a amizade que nos unia.
Maria não era uma mulher de grande beleza embora fosse considerada uma mulher bonita. Rondaria o metro e sessenta de altura, de corpo esbelto, rosto oval, olhos verdes rasgados e boca bem desenhada, que mostrava ao sorrir uma longa fileira de dentes alvos. Testa alta, cabelo curto e liso, escuro. O nariz, um pouco comprido, destoava e retirava grande parte da beleza do rosto.
Estava casada há quase quinze anos e ela e o marido formavam um dos casais mais apaixonados que eu conhecia. Por isso a sua informação me surpreendeu tanto. Caminhámos em silêncio, eu esperando a confidência, ela perdida nos tortuosos caminhos das suas recordações.
- Não sabe o quanto tenho sofrido. A minha vida desandou e eu fui caindo, caindo até bater no fundo. Agora estou tentando voltar a sentir gosto pela vida. Mas está difícil.
Chegámos a casa, onde o meu marido já me esperava para jantar. Também ele ficou surpreso com a presença da minha amiga, mas discreto não fez perguntas.
O jantar decorreu numa animação forçada. Maria esforçando-se por mostrar uma alegria que não tinha, e nós fingindo que acreditávamos. O serão decorreu sem qualquer confidência da sua parte, talvez pela presença do meu marido, e combinamos encontrar-nos no dia seguinte, para ela “lavar a alma” palavras suas, ditas baixinho, enquanto me abraçava na despedida.
Uma velha amiga
-Boa tarde – saudei ao reconhecê-la. Não me diga que veio ver o pôr-do-sol.
-Olá amiga – respondeu enquanto nos cumprimentávamos. Nem a tinha visto. Estava aqui numa de recordar o passado.
- Às vezes recordar é viver. Veio sozinha? – Perguntei intrigada.
- Estou sozinha, amiga. A minha vida deu uma volta que às vezes nem eu própria acredito. Vamos andando que lhe conto tudo. Na verdade tinha vontade de passar por sua casa. Mas receava incomodar, e por isso vim para aqui.
- Incomodar? Isso nem parece seu. Vamos embora. E janta connosco.
No silêncio que se seguiu dei-lhe o braço e encetámos a caminhada até minha casa. Eu aguardava que ela falasse. Há quanto tempo não a via? Oito, dez anos, talvez. E admirava-me vê-la sozinha. E o marido? Porque não estava com ela?
- Estou divorciada.
Parei. Era surpreendente. Maria sempre tivera esse dom. Adivinhar os meus pensamentos. Quando criança, era uma espécie dum jogo, depois foi transformando-se num hábito. Quantas vezes pensei dizer-lhe alguma coisa, e ela me respondia antes que eu concretizasse a pergunta? Tantas que lhe perdi a conta. Era como se para ela os meus pensamentos estivessem escritos na testa. O contrário também acontecia por vezes. Mas era muito raro.
Naquele momento a minha surpresa era pelo teor da informação.
Conheci-a há quarenta anos atrás. Ela era uma menina e eu mulher feita e casada. Gostei dela assim que a vi, com aquele instinto maternal que nós mulheres temos e que nos faz olhar as crianças e pensar nelas como se fossem um pouco nossos filhos. Ela também se afeiçoou a mim e foi crescendo e alimentando a amizade que nos unia.
Maria não era uma mulher de grande beleza embora fosse considerada uma mulher bonita. Rondaria o metro e sessenta de altura, de corpo esbelto, rosto oval, olhos verdes rasgados e boca bem desenhada, que mostrava ao sorrir uma longa fileira de dentes alvos. Testa alta, cabelo curto e liso, escuro. O nariz, um pouco comprido, destoava e retirava grande parte da beleza do rosto.
Estava casada há quase quinze anos e ela e o marido formavam um dos casais mais apaixonados que eu conhecia. Por isso a sua informação me surpreendeu tanto. Caminhámos em silêncio, eu esperando a confidência, ela perdida nos tortuosos caminhos das suas recordações.
- Não sabe o quanto tenho sofrido. A minha vida desandou e eu fui caindo, caindo até bater no fundo. Agora estou tentando voltar a sentir gosto pela vida. Mas está difícil.
Chegámos a casa, onde o meu marido já me esperava para jantar. Também ele ficou surpreso com a presença da minha amiga, mas discreto não fez perguntas.
O jantar decorreu numa animação forçada. Maria esforçando-se por mostrar uma alegria que não tinha, e nós fingindo que acreditávamos. O serão decorreu sem qualquer confidência da sua parte, talvez pela presença do meu marido, e combinamos encontrar-nos no dia seguinte, para ela “lavar a alma” palavras suas, ditas baixinho, enquanto me abraçava na despedida.
Continua
13 comentários:
Bom dia. A frase que diz tudo: " Recordar é viver". Gostei muito de ler o seu texto.
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Tema: { Incêndios:- famílias desfeitas, num sentimento de eterna saudade }
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Deixo cumplicidade poética.
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A passar por cá para acompanhar a história!
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Amigas que se reencontram, agora devem sozinhas falar e deve te muito assunto.... beijos,chica
Estou a gostar e a fotografia tirada da janela ficou fantástica.
Uma boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Acompanhando :-)
Beijinho
Coisas da vida, que na vida acontecem às pessoas. Só se divorcia quem casou não que ainda é solteiro. A fotografia tirada da sua janela está espectacular!
Obrigado por ter atendido o meu pedido. Assim está melhor.
Tenha um bom dia amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.
Vivências que terão deixado marcas em seu coração!!!bj
Acompanhando ...
Beijo
Boa noite Elvira,
Um começo cheio de recordações.
Vamos então conhecer a história de Maria.
Beijinhos,
Ailime
Tudo indica ser uma bela história/estória. Começou a curiosidade. Rsrs.
Abraços,
Furtado
Segue-se o tão ansiado desabafo.
Abraço
Estou a ficar com curiosidade de saber a história da Maria.
Adorei a foto tirada da sua janela, Parabéns está fantástica.
Passando ao capítulo seguinte.
Beijinho
Já é difícil falar de certas coisas com as amigas, uma presença a mais só dificulta as coisas. O que precisam é de uma tarde juntas, em volta de um bom chá.
Beijinho, sigo para o próximo episódio
Ruthia d'O Berço do Mundo
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