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29.10.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO PARTE XLVIII



 Gagarin foto do google

Janeiro de 1961, praticamente inicia-se com a ruptura diplomática entre Cuba e os E.U.
Ainda na primeira quinzena, um referendo em França aprova o processo de autodeterminação na Argélia.
Kennedy toma posse a 20 e três dias depois termina na Bélgica uma greve geral que durava à 33 dias.
Nesse mesmo dia 23 de Janeiro o Capitão Henrique Galvão, à frente de um grupo de militantes do DRIL (Directório Revolucionário Ibérico de Libertação Nacional) toma de assalto o paquete Santa Maria quando este navegava entre Curaçau e Miami e rebaptiza-o de Santa Liberdade. Pretendia dirigir-se a Angola, mas em vez disso acaba por desembarcar doze dias depois no Recife, onde o navio é entregue às autoridades brasileiras que o devolvem ao governo português. Galvão acaba por se entregar às autoridades brasileiras.
Se por um lado o país fervilhava de fervor revolucionário, por outro o medo tomava conta do povo. Por temor da PIDE, mas também por temor de uma guerra civil.
No final do mês os trabalhadores da firma Cotonang na Baixa do Cassange revoltam-se. A repressão é rápida e intensa, utilizando meios terrestres e aéreos. Segundo o MPLA, o saldo foram 10 000 mortos.
Na seca o pessoal anda apreensivo. Os mais antigos temem a guerra, lembram tempos antigos memórias de outras guerras. As mães temem que os seus filhos virem carne para canhão. Fala-se em surdina, que nunca se sabe se o camarada do lado é ”feijão-frade”, nome dado aos informantes da PIDE. As horas correm lentas, sem a alegria das cantorias femininas.
A 4 de Fevereiro, militantes do MPLA assaltam a casa de reclusão de Luanda. Sete baixas nas forças de Segurança. Diz-se que o Movimento Nacional Independente de Humberto Delgado está entre as forças do MPLA.
No dia seguinte, no funeral das vítimas, no cemitério novo de Luanda, há violentos incidentes, dos quais resultam cerca de 3 000 mortos. No dia 10 novo ataque em Luanda, desta vez à cadeia de S. Paulo.
A 12 é assassinado o  congolês Patrice Lumumba
A 23 Libéria promove reunião do Conselho de Segurança da ONU contra Portugal.
Dois dias depois é assinado o contrato para a construção da Ponte sobre o Tejo, e no dia seguinte Hassan II é o novo rei de Marrocos
Quase no final do mês Humberto Delgado no Brasil, faz pela primeira vez um ataque à política colonial do governo.
 A 5 de Março Paul-Henri Spaak abandona o cargo de secretário-geral da NATO, para regressar à actividade política belga, onde assumirá, a partir de 25 de Abril, o cargo de ministro dos estrangeiros
Depois de duas reuniões entre Elbrick, embaixador dos Estados Unidos e Botelho Moniz, Elbrick solicita uma audiência a Salazar.
A 14 vagas terroristas invadem o norte de Angola, sob o comando da UPA. Votação do Conselho de Segurança da ONU. USA e URSS votam contra a posição portuguesa. No dia seguinte a Finlândia associa-se à EFTA.
A imprensa do dia 17 relata os acontecimentos em Angola.
Vasco Lopes Alves Ministro do Ultramar parte para Angola a 23. 
As eleições legislativas da Bélgica acontecem a 26 e o resultado é a descida dos sociais-cristãos e subida dos comunistas e dos nacionalistas flamengos.
A 28 Salazar e Botelho Moniz encetam conversações.
O mês termina com a partida do pessoal do norte, pois a Safra está terminada. Na Seca ficarão como habitualmente o pessoal de manutenção ali residente, o gerente e os militares da guarda-fiscal.
Os primeiros dias de Abril foram muito movimentados a nível do governo, com reuniões, primeiro entre Botelho Moniz e Américo Tomás, depois Tomás e Soares da Fonseca, Ulisses Cortês e Santos Costa. Mais tarde Tomás e Salazar, e por fim Botelho Moniz pede a Tomás a substituição de Salazar.
 A 12 Tomás almoça com o Ministro do Exército, enquanto Kaulza de Arriaga, sem o prévio acordo de Moniz, põe várias unidades militares em regime de prevenção. Novas audiências de Tomás com Salazar, Botelho Moniz e Soares da Fonseca.
Nesse mesmo dia Iuri Gagarine a bordo da Vostok I, entra na história como o primeiro homem no espaço.
No dia seguinte dá-se a movimentação de várias personalidades do regime, lideradas pelo ministro da defesa, Júlio Botelho Moniz, e apoiadas pelo antigo presidente da república, Craveiro Lopes, visando afastar Salazar através de um golpe palaciano. Fala-se no regresso de Craveiro Lopes à presidência, com Marcelo Caetano a chefiar o governo. No dia 13, consuma-se o golpe de Botelho Moniz, com uma reunião na Cova da Moura entre os ilustres amotinados. Entretanto, previamente, Salazar remodelava o governo, assumindo Salazar a pasta da Defesa. Mário Silva, ministro do exército, com Jaime da Fonseca. Novo CEMGFA, Gomes de Araújo. Adriano Moreira assume a pasta do Ultramar. A explicação da remodelação era Angola: andar rapidamente e em força é o objectivo que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão. Esta movimentação ficou conhecida como a Abrilada.
Nesse mesmo dia Adriano Moreira é designado Ministro do Ultramar de Salazar, depois de ter sido subsecretário de Estado da administração ultramarina desde 3 de Março de 1960.
No dia 20 desse mês de Abril um grupo de exilados cubanos apoiados pelos serviços secretos americanos desembarca na Baía dos Porcos. A invasão destinava-se a derrubar Fidel Castro e repor a velha ordem, mas resultou num fracasso.
Nesse dia Manuel fazia 43 anos. Muitos anos de trabalho duro, de luta, de miséria…




21 comentários:

Unknown disse...

A nossa história ainda viva em muitas personagens e nas recordações que nunca se apagarão da nossa memória.

Parece que ainda ouço as pessoas comentarem por aqui o roubo do Santa Maria. Muitas nunca tinham visto um navio e desconheciam quase a realidade política.

Edum@nes disse...

História muito completa do que na realidade se passou nessa época.
Cujas notícias eram escassas, principalmente, para aqueles que viviam na província. Por causa da censura nunca chegavam, ao conhecimento das populações. sobretudo quando se tratava de política. Salazar tinha muito medo que as pessoas tivessem conhecimento da verdade!

Boa noite para você,
amiga Elvira. O brigado pelas visitas.
Um abraço
Eduardo.

esteban lob disse...

Hola Elvira:

Vengo a impregnarme de este repaso a la historia, desde tu óptica y tu idioma.

Saludos con afecto.

São disse...

Lembro-me muito bem da tomada desse navio de luxo e da sua chrgada a Lisboa, one a Supico Pinto fez ver a Salazar que deveria dizer alguma coisa às pessoas!

Bons sonhos

Anónimo disse...

No dia 13, consuma-se o golpe de Botelho Moniz, com uma reunião na Cova da Moura entre os ilustres amotinados.

De certeza que naqueles tempos a Cova da Moura tinha mais encanto, sem a criminalidade nem o ambiente africano que hoje tão bem (des)caracterizam o bairro.

Adriano Moreira foi o fundador do meu curso aqui em Portugal: Relações Internacionais. Um grande homem, um culto, um verdadeiro homem de Direita.

Os traidores que quiseram afastar Salazar são os mesmos que, se hoje ainda estiverem vivos, devem estar orgulhosos de ver Portugal no estado em que agora se encontra. 38 de liberdade, 38 anos a ver Portugal a ir de mal a pior. Há 38 anos atrás as nossas colónias africanas tornaram-se independentes, passando de potenciais potências a países miseráveis.

Por fim, Yuri Gagarin. Era ateu. Disse que não viu Deus no espaço. Acabou por morrer num acidente de aviação durante um treino juntamente com o seu instrutor, Vladimir Seryogin, em 1968.

José Lopes disse...

Recordar a vida dessa época e o sfactos que se desenrolavam por cá e pelo mundo é uma boa ajuda para reavivar memórias.
Cumps

Emília Pinto disse...

Emocionante este teu relato, Elvira! Relembrei muita coisa já esquecida o que te agradeço imenso. E cá continua o nosso Manuel corajoso, na sua vida difícil e quase de miséria. Era assim naqueles tempos. O meu pai chama-se Manuel e viveu todos esses tempos difíceis; trabalhou como um louco em vários ofícios, sendo o último de taxista, para nos dar uma vida melhor e conseguiu. Parabéns, Elvira por mais uma lição de história. Cá estarei para o próximo capítulo. Beijinhos e até breve
Emília

Lilá(s) disse...

Tempos bem difíceis esses! maravilhosa esta pesquisa feita pela Elvira, tenho aqui aprendido muito, visto grande parte da história se desenrolar ainda eu não era nascida. Obrigada pela partilha.
Bjs

Kim disse...

Amiga Elvira
Lembro-me apenas de ter acompanhado o assalto ao Santa Maria, com muita curiosidade e também muita falta de consciência política. Não percebi nada do que estava a acontecer. Para mim, era apenas um acto terrorista. Não tinha ainda 10 anos.
Beijinho

MARILENE disse...

Muito do que narra é desconhecido para mim, mas vale a pena acompanhar suas postagens. A história não pode ser esquecida. Bjs.

Isamar disse...

Tempos muito difíceis que ainda permanecem bem vivos nas nossas memórias. Lembro-me de ouvir falar do assalto ao Santa Maria por António Galvão e dos momentos conturbados que se viviam. Os informadores da PIDE e os agentes da mesma não paravam. A repressão intensificava-se mas os resistentes não se calavam. A vida do Manuel e da família continuava muito dura. Mas Manuel não desistia da sua luta. Tinha três filhos e mulher que de si precisavam bastante. Mais um retalho da vida de um tenaz trabalhador contada com o talento da nossa Elvirinha.
Bem-hajas, amiga.

Beijinhos

Vitor Chuva disse...

Olá, Elvira!

O mundo a andar em passo acelerado,e Portugal envolvido no turbilhão; a tentar rumar contra a maré da história, contra aqueles que achavam que estávamos no lado errado, ainda que muitos deles, hipocritamente,apenas cuidando dos seus interesses...como sempre aconteceu, como sempre acontecerá.
Para o Manuel, como para muitos outros,porém, pouca coisa ia mudando: continuavam a ter que lutar pela sobrevivência - o que não era coisa pouca...
Mais um capítulo da história muito bem contado; parabéns!E ficamos à espera do próximo.

Abraço amigo
Vitor

Luis Eme disse...

estou quase a nascer, Elvira.

abraço

Graça Pereira disse...

Adoro as tuas crónicas que me põe a par de muita coisa que só ouvira falar de muito leve...Moçambique ficava longe de mais (ainda bem).
O mundo inteiro desfila aqui com todas as sua vicissitudes e alegrias.
Obrigada, minha querida!
Beijocas e bom feriado.
Graça

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Em 1960 eu completaria já 18 anos e a sua narrativa fez aflorar informações da época que eu já esquecera...
Extraordinária, a sua pesquisa, Elvira, que eu acompanho sempre com grande interesse.
Meu marido, goês, foi para Angola na década de 1960, não recordo o ano, de lá veio para o Brasil, na década seguinte, quando nos conhecemos, no Rio de Janeiro.

Um abraço,
da Lúcia

António Je. Batalha disse...

Meu nome é António Batalha, estive a ver e ler algumas coisas de seu blog, achei-o muito bom, e espero vir aqui mais vezes. Meu desejo é que continue a fazer o seu melhor, dando-nos boas mensagens.
Tenho um blog Peregrino e servo, se desejar visitar ia deixar-me muito honrado.
Ps. Se desejar seguir meu blog será uma honra ter voce entre meus amigos virtuais, decerto irei retribuir com muito prazer. Siga de forma que possa dar com seu blog.
Deixo a minha benção e a paz de Jesus.

manuela barroso disse...

Tempos muito conturbados estes Elvira, alguns dos quais recordo vagamente.
Um trabalho que merece aplausos!
Obrigada minha amiga pela sua visita e sua simpaticas paalavras
Mui bjis

BlueShell disse...

Arrepiei-me toda ao ler este pedaço de texto....
Somos um povo sofrido...num mundo de injustiças e dor...

Abraço forte, meu anjo

Juba disse...

Neste cantinho, que muitos dizem à beira mar plantado (duvido). Acho mais, que como dizia Solnado nasceu sozinho, agreste, cheio de silvas, com o mar tenebroso batendo nas suas rochas e areias.
E nós, ainda não nos livramos dos espinhos, parece-nos mesmo que não atinamos com herbicida eficaz para matar algumas das suas espécies, que tanto mal nos têm feito.
Elvira, recordo tudo e faço comparações, com a miséria actual.

Um abraço do Juba
Quem havia de dizer de cão, passei a gato.








Fátima Pereira Stocker disse...

Elvira

Tal como alguém lá acima, eu ainda não tinha nascido, mas faltava pouco. Apesar do amor intenso em que fui criada, são tempos que recordo com um nó na garganta, porque três irmãos na guerra é coisa que queremos esquecer. Assim comigo.

Por não ser referido, o dia-a-dia na seca deveria estar a correr normalmente, por isso, tenho a certeza de que os filhos do Manuel lhe continuavam a dar a alegria que ele mereceu.

Beijos

Anónimo disse...

A nossa história sempre presente, para recordar e não esquecer.

Dos "bufos" que conheci, havia um na escola técnica onde eu tirei o curso, que me irritava imenso.

Ele tinha a função, para além de vigilante na escola (e bufo) de revistar os alunos à entrada da escola... nessa altura andava a ser distribuido um jornal dos estudantes (clandestino, claro) e tinha essa "função" de revistar os alunos, que na maior parte das vezes era mais "apalpar".

Após o 25 de Abril desapareceu da escola mas foi descoberto na residência (de outro bufo) onde foi "carinhosamente" sovado por um grupo de estudantes e entregue ás autoridades.

Muitos anos depois foi reintegrado na função pública mas nunca mais trabalhou em escolas. Chegou a ser candidato a uma assembleia municipal...

Enfim, histórias reais.

Tudo de bom

Excelente semana.