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21.9.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XLIII


O mês de Julho Inicia-se com uma jornada nacional de protesto contra a "burla das eleições presidenciais". E ainda na primeira quinzena de Julho o Bispo do Porto escreve uma carta criticando o regime salazarista, que acaba por provocar o seu exílio para o estrangeiro.
 Em Agosto, os jornais anunciam a “morte súbita “ de Raúl Alves, que se encontrava nos calabouços da PIDE. Nesse mesmo mês Américo Tomás toma posse como presidente da República, depois de por fraude eleitoral lhe terem sido atribuidos 75% dos votos, contra 25% do general Humberto Delgado. Na sequência das eleições presidenciais, cujos resultados oficiais nunca seriam publicados oficialmente no Diário do Governo, conforme estipulava a legislação vigente, o regime determinaria, na revisão constitucional de 1959, que estas deixariam de ser directas, passando a ser da responsabilidade de um colégio eleitoral, constituído exclusivamente por membros da União Nacional. Retirava-se assim ao povo qualquer hipotese de eleger um candidato antiregime. O povo faz greves sucessivas contra a fraude eleitoral 
 e o Governo anuncia o II Plano de Fomento.
No Brasil, Jorge Amado publica o seu romance “Gabriela Cravo e Canela” que muitos anos depois passará na TV Portuguesa e entusiasmará o Manuel, e muitos mais portugueses. Ainda do Brasil chega um novo ritmo musical que dá pelo nome de Bossa Nova.
Em Cuba, Fidel Castro  e Che Guevara, intensificam a luta, que levará à queda do ditador Fulgêncio Batista no início do ano seguinte. A 29 de Agosto, nasce um menino que haveria de se tornar famoso pelo seu talento e excentricidade, Michael Jackson.
Nos primeiros dias de Setembro chega o Gazela, o primeiro navio carregado de bacalhau e a Seca renasce. No final do mês, já com todos os navios na Seca, em nota oficiosa do Ministério do Interior, são proibidas as manifestações que elementos da Oposição pretendiam efetuar e são restringidas a Lisboa as cerimónias comemorativas da implantação da República.
No primeiro dia de Outubro os Estados Unidos inauguram a NASA, e em Portugal nas comemorações da Implantação da República, a polícia reprime a Oposição usando gaz lacrimogéneo.
A 9 desse mesmo mês morre o Papa Pio XII. Seguir-se-á João XXIII.
Em Novembro, a PIDE prende Jaime Cortesão, António Sérgio, Azevedo Gomes e Vieira da Almeida, por distribuição de documentos subversivos.
No final de Novembro o Manuel mata o seu primeiro porco. Já matara um no ano anterior, mas vira-se obrigado a vendê-lo aos vizinhos porque estava sem dinheiro para comprar roupas de agasalho para os filhos, e medicamentos para a mulher. Agora não. As carnes iriam para a salgadeira. As tripas depois de muito bem lavadas pela mulher seriam cheias, e iriam para o fumeiro. Ele iria tratar e curar um presunto, até já tinha um gancho na trave do barracão para o pendurar. O outro seria cortado em bocadinhos, temperado com uma mistura de sal, alho, vinho e especiarias. Depois seriam fritos e conservados em banha num pote de barro. A banha seria feita em casa com as gorduras e toucinho derretido.  Finalmente as crianças iriam ter carne para comer o ano inteiro. Em dias de festa, matava-se uma galinha para desenjoar a carne de porco. Ou um coelho. Mas estes eram raros. Quase todos os anos lhes chegava a moléstia e iam todos para adubo.
Em Dezembro, Boris Pasternak, escritor russo, vence o prêmio Nobel de Literatura, pela obra Doutor Jivago. O governo soviético impede o escritor de receber o prémio, bem como proíbe a venda do livro na União Soviética, proibição que se manteve até 1989.
A 18 de Dezembro volta a fracassar uma conspiração urdida por Humberto Delgado para derrubar o Governo.




Regresso hoje com a história do " Manel da Lenha" , que como todos já perceberam é um retrato da sociedade portuguesa durante 93 anos, o tempo de vida do Manuel, e que eu pretendo o mais rigoroso possível. Para isso além de recorrer à memória de factos vividos e contados pelo meu pai, e por mim própria tenho pesquisado a net com intensidade. As fontes são por isso várias.

BOM FIM DE SEMANA

28 comentários:

António Querido disse...

Dia de visita à "Sexta Feira", para deixar o meu abraço.

Edum@nes disse...

Gabriela Cravo e canela
Essa novela adorei
Sónia Braga muito bela
Mais dizer já não sei!

Do Dr. Jivago vi o filme
Já não me lembro como era
Foi no tempo da PIDE
Em plena primavera!

Bom fim de semana para você,
amiga Elvira, sem pides que atrapalhem a nossa continuação de poder viver em liberdade!
Um abraço
Eduardo.

Fátima Pereira Stocker disse...

Elvira

As mesas eleitorais eram informadas, de véspera, quais os resultados que deviam apresentar. Era assim naquele tempo; só espero que não volte.

Estou sempre a aprender consigo: cuidei que, no Sul, se não curasse o presunto por não haver temperaturas baixas. Afinal estava enganada. Bem-haja o Manuel com a sua dedicação à família e inteligência de que dá mostras.

Um grande abraço para si

Anónimo disse...

A 18 de Dezembro volta a fracassar uma conspiração urdida por Humberto Delgado para derrubar o Governo.

Desconhecia que se tinha passado algo semelhante nesse dia que viria a ser o meu aniversário vários anos depois.

A PIDE não brincava em serviço. Hoje em dia não há nada disso. Já não sei se é bom ou se é mau.

Estreou-se há pouco tempo a novela "Gabriela" na SIC. Até os meus pais a vêem.

Muito bom ler factos históricos assim numa espécie de apanhado.

Anónimo disse...

*Estreou

Maria disse...

Querida Elvira:
Enfim voltou o meu amigo Manuel e os factos da história nacional e mundial.
Gosto de lembrar estes tempos.
Com a candidatura de Delgado, despertei para a política. Vi meu Pai louco de alegria, no dia da chegada dele ao Porto. Seguiu-o todo o dia, juntamente com os amigos do reviralho.
Isto valeu-lhe a companhia constante, de um carro da polícia, daqueles a que chamaram: Latas de creme Nívea, que parava à nossa porta e o seguia para todo o lado. Minha Mãe tremia de medo. Eu delirava. Saiu um número do jornal "Os Ridículos" com versos alusivos à campanha. As músicas eram de canções em voga. Uma delas, era acompanhada pela música da Rosinha dos limões. Outra, começava: "No mercado eleitoral, há um romance excitante, entre um que é General e outro que é Almirante. Tinha a música de um fado chamado: "Romance da Rita e do Xico". O meu Pai arranjou um dos poucos jornais que não foram apreendidos. Decorei as letras e cantava-as em todo o lado.
Meu Pai ria, minha Mãe ralhava. Que tempos, amiga!
A vida do Manuel, é a vida de tantos portugueses dessa altura. Dura, trabalhosa, mal paga.
Parece que a História se começa a repetir. Só que já não há Manueis lutadores e bravos, que tudo faziam para dar pão aos filhos. São eles que fazem falta. Eles e mulheres que sabiam esticar ao limite o pouco que tinham.
Esta história merecia ser publicada em livro. Quem a leria? Hoje só as histórias cor de rosa vendem. Mas que era uma lição, era.
Parabéns pelo belo trabalho que está a fazer.
Um abraço grande
Maria

Andre Mansim disse...

Olá Elvira!
Muito interessante esse capítulo!
O que eu fiquei mais encabulado é que você falou da chegada dp PRIMEIRO navio com bacalhau... Porque o bacalhau é tão novo assim na culinária portuguesa??? Eu não entendi, pois achava que os portugueses usavam o bacalhau a mais de 400 ou 500 anos!!!!


Um abração e fica com Deus!

Nilson Barcelli disse...

Tempos didíceis, os da ditadura.
Para a oposição e para quem trabalhava como operário.
Elvira, minha querida amiga, tem um bom fim de semana.
Beijo.

jorge esteves disse...

Que primor estes desenhos à volta do Manel. Muitos ainda recordam as silhuetas destas personagens...
abraço!

Unknown disse...

E sempre agradável esta leitura de um diário de um povo e a sua luta pela sobrevivência.
Muitos dos acontecimentos eram comuns aqui em casa onde sempre se matou o porco e se fizeram as chouriças e se curou o presunto.
Não havia rádio mas sei que o pai recebia um envelope para ir votar.
Eu também o recebi a primeira vez que fui votar. Penso que não fui mesmo nesse ano.

Celina disse...

Oi Elvira teu blog é cultura muitas coisas tenhamos esquecidos relembramos agora principalmente o epísódio do premio Nobel, tenho uma pequena filmacoteca onde o Dr Jivago faz parte, antes tinha lido o livro. Um abraço fraterno. Celina

Kim disse...

Foi assim mesmo! A democracia que existia em Portugal era muita semelhante à que existia na União Soviética.
Em todo o mundo existiu sempre A SOMBRA DUM POVO.
Beijinho amiguita

Zé Povinho disse...

Histórias de outros tempos sempre bem enquadradas pelos acontecimentos mundiais. Nem me apetece falar em paralelos com a actualidade, porque seria muito mau e traria más recordações familiares.
Abraço do Zé

Luis Eme disse...

e tem sido um bom trabalho de memória e pesquisa, Elvira.

abraço

Severa Cabral(escritora) disse...

Boa noite!!!!!!
Vim dar um beijo e desejar dias de paz e muito amor ...
bjsssssssssssss

vendedor de ilusão disse...

Olá Elvira, bom dia!
Suas visitas causam lisonja! Muito obrigado pelo comentário elogioso; você é muito gentil!
Apesar e não ter lidos todos, mais uma vez, lhe parabenizo por esse magnífico texto.
Tenhas uma ótima semana.
Abraços.

São disse...

Sabe uma coisa? Acho que esta sua história deveria ser de leitura obrigatória em todas as escolas do segundo ciclo para que as presentes gerações ficassem a saber o que é viver sob uma ditadura!!


Um abraço apertado.

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Retorna-se à Saga de "Manuel da Lenha", repleta sempre de importantes fatos políticos-sociais da época, que tanto enriquecem a interessante narração de uma sua integrante.
Parabéns, que seja publicado em livro, será um grande contributo para historiografia portuguesa.


Um abraço.

Lilá(s) disse...

Muito valioso, este seu trabalho sem dúvida, amiga Elvira.
Bjs

Emília Pinto disse...

Foi muito bom ler este teu texto, Elvira. Vivi parte de tudo isso e gostei de recordar. Na minha casa havia galinhas, coelhos, porco, ovelhas e até pombos; tudo isso a minha mãe criava para que não faltasse comida em casa, enquanto que o meu pai com um táxi na aldeia ganhava o dinheiro necessário para as despesas e para criar os dois filhos; no tempo da ditadura ele arriscou-se muito a levar pessoas à fronteira que depois, a monte, fugiam para o estrangeiro; era muito perigoso e uma vez ele levou uma senhora fazendo-a passar por sua mulher. Era destemido, pois assim o exigiam as dificuldades da época. Hoje há muitas dificuldades, mas, sempre digo que em nada se assemelham às daquela época. Um beijinho, amiga e muito obrigada pela partilha de tão importantes acontecimentos, ainda tão presentes na minha memória.Fica bem!
Emília

Juba disse...

Elvira
Ultimamente pelas minhas ausências, sou obrigado a reler "Manuel". Claro que estou prendido não só ao epilogo mas a toda a historia, que afinal foi passado bem aqui ao meu lado. É um encanto essa memória, memória que me faz lembrar o vinho do Porto, quanto mais antigo melhor.
São estas coisas, coisas que não esquecem e que nos fazem viver, morrendo de saudades.
O meu abraço afectuso

Mar Arável disse...

Bom trabalho

É preciso não apagar a História

das nossas memórias

Graça Pereira disse...

Gosto de vir aqui e acompanhar a evolução do mundo (onde se inclui o nosso Portugal) com tantas efemérides.
Um trabalho exaustivo que merece todo o meu aplauso!
Parabéns Elvira.
Um beijo
Graça

Olinda Melo disse...


Querida Elvira

Tem razão, é um retrato da sociedade portuguesa. Com tantos momentos que nós identificamos tão bem...

O seu pai, um homem extraordinário. Como poucos. A matança do porco, um ritual que bem conheço.

Agradeço-lhe este texto e todos os outros que já escreveu sob este tema. E todo o seu trabalho de pesquisa.

Beijinhos.

Olinda

BlueShell disse...

Que bom Elvira, retomares a História de Mannuel e de um povo. Leio com interesse e me dou conta do quanto eu não sabia. Obrigada querida,

Um beijo de luz em azul
BlueShell

rosa-branca disse...

Olá amiga, também eu ouvi da boca dos meus avós as histórias dessa época. Vida muito difícil para quem trabalhava no campo e não só. Lembro-me que a minha avó tinha uma foto do Humberto Delgado escondida e como eu dei com ela sem querer tive que prometer sigilo absoluto. Gostei da narrativa da nossa história pois há sempre um facto ou outro que se desconhece. Beijos com carinho

Isamar disse...

Mais um relato que se lê de um trago de tão interessante e comovente que é. A ditadura prosseguia, calava as vozes mas não calava as mentes que desejavam a sua morte. Foram anos e anos de torturas, de medo, de mortes, de desespero mas acabaria por sucumbir.Quanto ao Manuel, a sua luta incessante para assegurar o crescimento dos filhos continua. Que luta, amiga! Que grande homem foi o teu pai!Que grande mulher és tu que com tanto orgulho nos narras esta história de vida! Li, reli, gostei. Gostei muito...muito...muito. Obrigada, amiga, por este belo testemunho contado de forma tão emocionante. Beijinhos

FGV disse...

Esta narrativa que a Elvira nos traz sobre a vida do Manuel, serve também para que se perceba que existem pontos de contacto na História, que apesar de não se repetir como dizem, que se perceba os cuidados que tem de haver com as causas das guerras originadas pelas crises dos anos 20 e 30 do século XX e as ditaduras e guerras que se lhe seguiram. Estamos a viver um ponto muito sensível não só em Portugal como na Europa, esperemos que a História não se repita.
Abraço Elvira.