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29.9.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XLIV

Imagem do Google.



A nível internacional o início de Janeiro é marcado pelo triunfo da revolução castrista em Cuba. O ditador Fulgêncio Baptista em fuga No mesmo dia, entra em vigor o mercado comum; primeira redução dos direitos aduaneiros entre os Seis.
Dois dias depois, Fidel Castro entra triunfalmente em Havana.
Em Portugal logo nos primeiros dias de Janeiro, Humberto Delgado foi compulsivamente aposentado e pede asilo político na embaixada do Brasil. Nos meados de Janeiro, Henrique Galvão que se encontrava no Hospital de Santa Maria em regime de prisão consegue fugir, e pedir asilo político na embaixada da Argentina, donde parte pouco depois para o exílio. Corre uma petição nacional para demitir Salazar e a PIDE não dá tréguas, fazendo a detenção de dezenas de pessoas.
A meio de Fevereiro Fidel Castro, é o novo Primeiro-Ministro de Cuba, e a 19 do mesmo mês a independência de Chipre é acordada entre a Turquia, Grécia e Reino Unido.
No início de Março, a safra do bacalhau estava quase a acabar. Parte do pessoal já tinha sido dispensado até à próxima e os navios faziam os últimos preparativos para a partida. Foi nessa altura que se deu a Revolta da Sé com Manuel Serra e o major Calafate. Mário Soares chama-lhe de inspiração católica. Participariam também o major Pastor Fernandes e o capitão Almeida Santos, cujo cadáver viria a ser encontrado um mês depois no Guincho. Enquanto isso, De Gaulle decide manter, em caso de guerra, um comando nacional quanto aos navios estacionados no Mediterrâneo, dando assim um sinal de independência relativa à NATO
N primeiro de Abril é inaugurado em Espanha o monumento do Vale de los Caídos. Dois dias depois o Dalai Lama foge para a Índia e Fidel Castro visita os E.U. Ainda em Abril, precisamente no dia em que o Manuel comemorava 41 anos, Delgado parte para o Brasil. Dias depois George Papandreou funda o Partido Liberal Democrático na Grécia, e Liu Shao-ch'i é o novo Presidente da República Popular da China.
A 17 de Maio, é inaugurado o Monumento ao Cristo Rei em Almada. Era o cumprimento de uma promessa dos bispos portugueses se Portugal não entrasse na guerra. Nem Salazar nem o presidente da República estiveram na Inauguração, desculpando-se com a autonomia da Igreja, numa altura em que os clamores da revolta se ouviam cada vez mais fortes. À noite o Manuel sentou nas escadas do barracão com os filhos e mostrou-lhes o Monumento que se via iluminado para lá das águas do Rio. Ele gostaria de levar a família a ver de perto o Monumento, mas onde arranjar dinheiro para as passagens? Quando a safra acabava, a mulher ficava sem trabalho até ao regresso dos navios em Setembro, e as bocas a comer eram sempre as mesmas. Por essa altura outros problemas atormentavam o Manuel. A professora dos filhos mandara-o chamar para lhe dizer que achava um crime que a sua filha não fosse estudar dado que era uma criança muito inteligente. Dissera-lhe ainda que ela própria, ia prepará-la para o exame de admissão, e pedir uma ajuda uma bolsa ou lá o que era para ela poder continuar a estudar. Se por um lado ele ficava feliz pela inteligência da sua menina, por outro interrogava-se como iria conseguir pô-la a estudar. É que ainda que a professora conseguisse a tal ajuda, isso não era tudo. A miúda não podia ir estudar para o Barreiro com as tamanquitas de madeira com que ia para a primária, ali ao pé da porta. E as roupas? E tudo o resto? E ainda que conseguisse havia a mais velha. Saíra da escola no ano anterior, gostaria de estudar, lia tudo o que apanhava à mão e até gostava de escrever histórias. Decerto ia ficar revoltada da irmã ir estudar e ela não. Mas por outro lado a mais velha era uma moça forte, podia tinha já quase o corpo de uma mulher e podia melhor aguentar o trabalho que a segunda que fora sempre uma miúda franzina, e medrosa. Por outro lado havia o rapaz. A professora acabara de lhe comunicar que o miúdo ficava mais um ano na primeira classe. Ele até parecia um miúdo inteligente, mas era “ pelego”. Ninguém no entendia, a não ser os pais. Dizia “pachino” em vez de paizinho,  “machina” em vez de mãezinha, chamava a irmã  Elvira de “Nebida” a Lourdes de “Nudes” e por aí fora. Claro que se a professora não o entendia era natural que ele não passasse.  Mas e se ele nunca conseguisse falar bem, angustiava-se o Manuel.  Em tempos levara-o ao médico. Mas ele dissera que não podia fazer nada, que talvez mais tarde com a mudança de idade ele ficasse normal.  Mas ele já estava prestes a fazer 9 anos e nada. Um dia a cunhada dissera à Gravelina, para meter o miúdo num fole e percorrer com ele 7 freguesias.  Coisa que eles nunca fizeram. Em parte por não acreditarem na receita, em parte também porque a distância entre as 7 freguesias era de vários Kms, o miúdo era pesado e a mãe nunca mais fora a mesma mulher forte que era desde que ele nascera.
Até parecia castigo. Tanto que ele desejara aquele filho. E afinal depois que ele nascera multiplicaram-se os seus problemas. Primeiro com a doença da mulher, depois, o miúdo gostava de se isolar, de brincar sozinho. Tivesse ele uns pedacitos de madeira uns pregos e um martelo e ele brincaria uma tarde inteira sozinho. Ou um balde com água e terra. E era vê-lo entretido em grandes construções.
Assim naquela noite enquanto mostrava aos filhos o monumento iluminado lá ao longe, Manuel erguia uma prece ao Cristo Redentor, suplicando ajuda para o seu menino.


A TODOS UM BOM FIM DE SEMANA

21.9.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XLIII


O mês de Julho Inicia-se com uma jornada nacional de protesto contra a "burla das eleições presidenciais". E ainda na primeira quinzena de Julho o Bispo do Porto escreve uma carta criticando o regime salazarista, que acaba por provocar o seu exílio para o estrangeiro.
 Em Agosto, os jornais anunciam a “morte súbita “ de Raúl Alves, que se encontrava nos calabouços da PIDE. Nesse mesmo mês Américo Tomás toma posse como presidente da República, depois de por fraude eleitoral lhe terem sido atribuidos 75% dos votos, contra 25% do general Humberto Delgado. Na sequência das eleições presidenciais, cujos resultados oficiais nunca seriam publicados oficialmente no Diário do Governo, conforme estipulava a legislação vigente, o regime determinaria, na revisão constitucional de 1959, que estas deixariam de ser directas, passando a ser da responsabilidade de um colégio eleitoral, constituído exclusivamente por membros da União Nacional. Retirava-se assim ao povo qualquer hipotese de eleger um candidato antiregime. O povo faz greves sucessivas contra a fraude eleitoral 
 e o Governo anuncia o II Plano de Fomento.
No Brasil, Jorge Amado publica o seu romance “Gabriela Cravo e Canela” que muitos anos depois passará na TV Portuguesa e entusiasmará o Manuel, e muitos mais portugueses. Ainda do Brasil chega um novo ritmo musical que dá pelo nome de Bossa Nova.
Em Cuba, Fidel Castro  e Che Guevara, intensificam a luta, que levará à queda do ditador Fulgêncio Batista no início do ano seguinte. A 29 de Agosto, nasce um menino que haveria de se tornar famoso pelo seu talento e excentricidade, Michael Jackson.
Nos primeiros dias de Setembro chega o Gazela, o primeiro navio carregado de bacalhau e a Seca renasce. No final do mês, já com todos os navios na Seca, em nota oficiosa do Ministério do Interior, são proibidas as manifestações que elementos da Oposição pretendiam efetuar e são restringidas a Lisboa as cerimónias comemorativas da implantação da República.
No primeiro dia de Outubro os Estados Unidos inauguram a NASA, e em Portugal nas comemorações da Implantação da República, a polícia reprime a Oposição usando gaz lacrimogéneo.
A 9 desse mesmo mês morre o Papa Pio XII. Seguir-se-á João XXIII.
Em Novembro, a PIDE prende Jaime Cortesão, António Sérgio, Azevedo Gomes e Vieira da Almeida, por distribuição de documentos subversivos.
No final de Novembro o Manuel mata o seu primeiro porco. Já matara um no ano anterior, mas vira-se obrigado a vendê-lo aos vizinhos porque estava sem dinheiro para comprar roupas de agasalho para os filhos, e medicamentos para a mulher. Agora não. As carnes iriam para a salgadeira. As tripas depois de muito bem lavadas pela mulher seriam cheias, e iriam para o fumeiro. Ele iria tratar e curar um presunto, até já tinha um gancho na trave do barracão para o pendurar. O outro seria cortado em bocadinhos, temperado com uma mistura de sal, alho, vinho e especiarias. Depois seriam fritos e conservados em banha num pote de barro. A banha seria feita em casa com as gorduras e toucinho derretido.  Finalmente as crianças iriam ter carne para comer o ano inteiro. Em dias de festa, matava-se uma galinha para desenjoar a carne de porco. Ou um coelho. Mas estes eram raros. Quase todos os anos lhes chegava a moléstia e iam todos para adubo.
Em Dezembro, Boris Pasternak, escritor russo, vence o prêmio Nobel de Literatura, pela obra Doutor Jivago. O governo soviético impede o escritor de receber o prémio, bem como proíbe a venda do livro na União Soviética, proibição que se manteve até 1989.
A 18 de Dezembro volta a fracassar uma conspiração urdida por Humberto Delgado para derrubar o Governo.




Regresso hoje com a história do " Manel da Lenha" , que como todos já perceberam é um retrato da sociedade portuguesa durante 93 anos, o tempo de vida do Manuel, e que eu pretendo o mais rigoroso possível. Para isso além de recorrer à memória de factos vividos e contados pelo meu pai, e por mim própria tenho pesquisado a net com intensidade. As fontes são por isso várias.

BOM FIM DE SEMANA

3.9.12

QUEM SOU EU?






Pois é. Nasci a 3 de Setembro de 1947. Faz precisamente hoje 65 anos. Por isso oficialmente ganho hoje o estatuto de velha. Ou para usar um termo mais delicado, passo a ser mais uma idosa, neste país que hoje não é para jovens quanto mais para idosos.
Hoje deixo de pertencer ao mundo das pessoas com identidade. A partir de hoje, sou para o mundo, apenas mais uma idosa. Reparem nas notícias. Ninguém fala de nós pelo nome. Somos só o/a idoso/a. Aqui há anos, li um texto, não recordo de que escritora, que dizia, que uma mulher perde várias vezes a identidade na vida. A menos que seja uma profissional bem sucedida, uma advogada, médica, escritora ou politica, raramente é conhecida pelo nome. Ou é a mulher de alguém, ou a filha, ou a mãe.
E é verdade. Nasci num meio pequeno, onde toda a gente se conhecia, e quem era eu? Pois era simplesmente a filha mais velha do ”Manel da Lenha”. Anos mais tarde fui trabalhar para Lisboa. Um grande laboratório e aí sim, eu era simplesmente a Elvira. Sem apelidos. Só eu. Depois como quase todas as jovens, namorei e casei.
O meu marido era militar, e foi para Moçambique em comissão. Eu era muito jovem estava perdidamente apaixonada. Deixei o emprego, no laboratório e fui para Lourenço Marques. Aí chegada, não conhecia ninguém, a terra era estranha, sentia-me muito só, porque o marido saía em patrulhas, e levava vários dias para voltar. Felizmente foi pouco tempo e o marido foi para Nampula. Uma cidade mais pequena, maior facilidade em fazer amizades. Mas quem era eu? Alguém sabia o meu nome? Não. Eu era tão simplesmente a mulher do Carvalho.
Quando em 73, acompanhei o meu marido para Angola, decidi que ia ser diferente. E foi. Procurei emprego, juntei-me á Cáritas, e recuperei a minha identidade.
Uns anos depois, já em Portugal, eis que nasceu o Pedro.  Era um bebé lindo, e muito simpático. Falava com toda a gente e toda a gente o conhecia. E eis que perdi outra vez o nome. Durante mais de 10 anos passei a ser a mãe do Pedro.Depois fui trabalhar numa fábrica, e voltei a ter nome. Era tudo o que eu queria. Ser a Elvira.
No final do século, veio a falência da empresa, o desemprego e mais tarde a reforma. Em casa voltei a ser a mulher do Carvalho, e de há um tempo a esta parte porque a neta dá show de simpatia por onde passa, já me chamam a avó da Mariana.
A partir de hoje porém entro oficialmente na terceira idade, e como tal passarei a ser denominada de idosa.
 E desta vez para sempre. Fico triste. Não me preocupa a idade. Apenas o rótulo.
Detesto essa coisa impessoal, fria e discriminatória de idosa..


e agora eis que me apresento a vós com o maridão, companheiro de toda a vida.