O S. João que hoje se comemora um pouco por todo o país, com maior intensidade no Porto e em Braga, que o têm por padroeiro.
A verdade é que os maiores festejos - exceto os religiosos - ocorreram ontem dia 23, véspera do dia do Santo. Há uns sessenta anos atrás, não existia TV, embora ela tivesse chegado a Portugal, em mil novecentos e cinquenta e sete, só uma escassa minoria possuía a caixinha mágica, que iria alterar os costumes e tradições. E para falar verdade, nem sentíamos na altura que fizesse muita falta. Nas noites quentes de Verão, o povo sentava-se à porta de casa, olhando as estrelas, sonhando com um futuro melhor para os catraios que brincavam na rua, saltando ao eixo, jogando à macaca, ou correndo atrás de uma bola feita de trapos, ou de bexiga de porco.
Pelos santos populares, na Seca da Azinheira, o pessoal residente, juntava-se no início da rua das "casas novas". Era assim que nós chamávamos ao grupo de casas que existiam na Seca e onde habitavam os empregados de escritório, os encarregados, os eletricistas e os ferreiros. Nós vivíamos a uns trezentos metros, num barracão de madeira isolado, mas um dos eletricistas era irmão do meu pai, e tinha dois filhos um pouco mais velhos que eu, daí que no Verão, quando o pai não aproveitava a noite para cavar ou regar o quintal, íamos para as "casas novas" brincar com os primos e as outras crianças aí residentes, enquanto os pais se entretinham em conversas sobre a vida e os seus problemas.
No S. João, o meu pai, fazia todos os anos. um enorme balão de papel colorido.
Lembro-me que levavam umas tochas feitas com desperdícios, embebidas em petróleo, que enquanto ardiam mantinham os balões no ar. Quando se apagavam o balão começava a perder o ar quente que o mantinha lá em cima e acabava por cair atraído pela gravidade.
Os mais velhos faziam uma fogueira no meio da rua, e sentados junto ao muro, do quintal da casa mais próxima, contavam histórias, enquanto davam um olhinho pelos mais novos. E nós, crianças, corríamos atrás dos grandes besouros, que sempre apareciam nesta altura do ano. E fazíamos rodas à volta da fogueira e quando ela ficava mais fraca, obtínhamos permissão dos pais para a saltar. Convivíamos.
Todos se conheciam, todos se ajudavam. No dia seguinte cumprimentavam-se, comentavam a noite anterior, e acabavam com um "No São Pedro lá estaremos".
Eu tenho saudades desse tempo. Não da repressão, nem da miséria em que vivíamos, mas da ligação que havia entre as pessoas.
Hoje juntam-se às centenas, às vezes milhares, todas no mesmo espaço, em concertos, ou no futebol, saltam, gritam, mas não se conhecem, e quando o evento acaba, são de novo desconhecidas. Estão juntas e simultaneamente estão sozinhas. Estão ligados ao mundo, através dos seus telemóveis e das redes sociais, mas não sabem o nome de quem têm ao lado.
É como se as pessoas se tivessem transformados em ilhas. Podem estar distantes, ou mesmo ali ao lado, mas não se tocam. Vivem em prédios de vários andares e não conhecem às vezes nem o vizinho do lado. Não há convívio. Não se respeita o outro, a vida humana deixou de ter valor, os homens matam-se pelos motivos mais fúteis. Apetece perguntar "Quo vadis, Humanidade?"
É urgente que a Humanidade pense em ser ponte. Em união. Em AMOR.
Bom S. João, e bom fim de semana.
14 comentários:
Nem comento! Estamos mal e não vejo remédio para tal!
Apesar de todas as guerras e mal estares no mundo... Viva o São João.
Um abraço e bom fim-de-semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Aqui era o Dia da Cidade.
Depois de 99 essa tradição foi abandonada.
Bfds
Que coisa ver e sentir na pele o quanto o mundo mudou! Falta muito pra que se possa dizer que o amor está sempre presente. Falta e muito! Bela reflexão e concordo! beijos, feliz São João! chica
Gostei muito da publicação. Beijinhos
Vivi a brutal opressão desse tempo, mas não vivi a pobreza. A essa vivo-a agora que me parece que fiz o meu percurso exactamente ao contrário da maioria...
Não creio que a criminalidade fosse então menor do que hoje é. O meu avô era advogado do crime e os assassinatos - ou tentativas falhadas de assassinatos passionais - choviam no escritório lá de casa. O que acontecia era que tudo se calava, tudo ficava "em família", trancado no silêncio dos deuses.
O avô nunca falava das vidas atribuladas dos seus consulentes. Aquilo que soube, soube-o quase sempre através dos próprios, ou da empregada que ia à porta receber os pagamentos em género, que os "criminosos" a quem o avô acudia eram quase todos muito pobres e as consultas eram pagas em ovos, galinhas - os mais "abastados" -,uma malguinha de leite fresco, batatas e couves.
Um feliz dia de São João, com a saúde e a alegria possíveis!
Um grande abraço, Elvira!
Uma bonita reflexão e muito realista. Precisamos avivar o amor e a convivência, certamente.
Hoje iremos a uma festinha junina, gosto das comidas típicas e das boas lembranças do meu NE.
Bjs
Tudo mudou e por culpa do ser humano. Que continua a não perceber e a fazer cada vez pior.
Somos, cada vez mais, um mundo de desconhecidos. Há prédios - para abordar o que tenho mais à mão - onde os habitantes não se conhecem.
Abraço
Boa tarde
Eis a fatura das novas tecnologias .
JR
Tés toda a razón do mundo: cada vez falamos menos cos veciños e mesmo dentro da familia.
Para min o San Xoán sempre foi especial e máis dende que apareceu a miña Xeliña.
Boa noite Elvira,
O que também me custa muito no mundo atual são as pessoas viverem tão perto e ao mesmo tão distantes.
O conceito de vizinho já nao existe.
Cada um olha para o seu umbigo como se fossem ilhas.
É a evolução num sentido negativo.
De qualquer forma viva São João!
Beijinhos e saúde.
Ailime
muito bem,
aprender dempre
abraço
Elvira, tanta verdade, sensibilidade e coragem merece o meu aplauso. Adorei ler.
Na minha adolescência os vizinhos eram família, e que bom era festejarmos os Santos Populares longe de Portugal, mas tão perto.
Beijo, bom fim-de-semana.
Outros tempos, amiga Elvira, outras realidades.
Foi a insatisfação do pouco que se tinha e a ambição de se possuir mais e melhor, que nos trouxe até as dias de hoje.
Os que nasceram mais abastados, seguiram pelo caminho inverso e, hoje, estão talvez, onde os menos felizes estiveram.
São as tais voltas da Vida...
Um abraço.
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